Entrevista a Jessie Inchauspé

"Cerca de 90% das pessoas têm picos de glicose diariamente e sofrem as consequências"

10 set, 2022 - 08:23 • Redação

No mundo da glicose, descobrimos que ingerir açúcar ao pequeno-almoço não faz tão bem como pensávamos. O pico de energia é imediato, mas a meio da manhã já nos sentimos exaustos. E como contornar este cansaço? O livro “A Revolução da Glicose” tem esta e outras respostas para recuperarmos o controlo do nosso corpo, diz a autora Jessie Inchauspé.

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E tudo começou num acidente. Jessie Inchauspé é uma bioquímica francesa, de 30 anos, apaixonada pelas ciências e pela alimentação saudável. O seu livro “A Revolução da Glicose” está editado em 35 línguas e chegou agora a Portugal.

A sua comunidade online já conta com mais de um milhão de pessoas, e é na sua página de Instagram (@GlucoseGoddess) que Jessie partilha as dicas necessárias para controlar a glicose, através de gráficos e ilustrações.

Não se trata de uma dieta, mas sim de uma pequena ferramenta que, de acordo com Jessie, nos ajuda a “navegar na paisagem alimentar” do dia a dia, de forma a evitar os grandes picos de glicose que temos, considerando que a maioria da população sofre deste problema e não sabe, ou melhor, não está informada.

Em entrevista à Renascença, a autora partilhou a sua experiência de “tradutora” dos termos científicos para informação que qualquer um possa entender e começar a melhorar os hábitos alimentares, porque “nunca é tarde demais para mudar”, diz.

“O corpo responde instantaneamente ao que estamos a fazer. Portanto, mesmo que tenha um certo estilo de vida durante 20, 30, ou até 60 anos, se mudar hoje, amanhã irá sentir-se melhor”, afirma Jessie Inchauspé, formada em Matemática no King’s College de Londres, com um mestrado em Bioquímica da Universidade de Georgetown.

O que levou a que uma bioquímica se apaixonasse pela ideia de aprender a ouvir o corpo?

A minha viagem começou quando tinha 19 anos, depois de um acidente onde parti a coluna. Recuperei fisicamente, mas os problemas mentais ficaram. Estava completamente destroçada e, então, decidi iniciar uma espécie de caminho para conhecer e compreender o meu corpo, de forma a perceber o que precisava para me sentir melhor.

Estudei Bioquímica e trabalhei numa empresa de genética, onde descobri o mundo da glicose, onde aprendi coisas que mudaram a minha vida. Em primeiro lugar, descobri que estava a ter altos picos de glicose ao longo do dia, o que justificava os meus problemas de saúde mental.

Em segundo lugar, percebi que não estava sozinha. Cerca de 90% das pessoas sofrem destes picos de glicose diariamente, e sofrem as consequências: desde desejos incontroláveis por comida, até à infertilidade, por exemplo. Através do meu conhecimento científico, decidi começar a ajudar as pessoas a evitar estes picos sem terem de seguir uma dieta intensa ou restritiva, e é o que faço desde então.

Quando comecei a interessar-me pela glicose, tentei mostrar trabalhos científicos aos meus amigos, o que não resultou. Tive de encontrar uma forma de tornar esta informação acessível e divertida, de forma que todos a possam compreender. E é isso que faço: traduzo os estudos, e utilizo a informação do meu aparelho que mede os níveis de glicose para exemplificar a eficácia que as pequenas alterações têm.

Quero informar as pessoas sobre os básicos do corpo, de forma a facilitar as suas decisões. Por exemplo, um dos meus primeiros gráficos era “Laranja vs. Sumo de Laranja”: ilustrei que beber o sumo de laranja causa um pico muito maior do que comer a fruta. Teve sucesso e foi fundamental para que eu percebesse como poderia comunicar a ciência, e tornar esta informação “sexy”.

"A comida que ingerimos tem um grande impacto no nosso cérebro"

Todos os dias somos inundados com novas dietas que prometem todo o tipo de resultados. Aquilo que muitas têm em comum é que temos de cortar certos alimentos da nossa vida. Mas o seu método é um pouco diferente… Que diferenças são essas?

O conteúdo que partilho no meu livro é baseado em princípios bioquímicos sobre o funcionamento do corpo, que nos ensinam o tipo de moléculas existentes na comida e o efeito que provocam em nós. Não se trata de uma dieta, mas sim de princípios que ajudam a encontrar um estilo de vida saudável, como beber dois litros de água diariamente, apanhar luz solar, fazer exercício físico.

Para mim, são algumas bases para definir hábitos saudáveis que nos permitem estar no nosso melhor. Quando encontramos dietas que prometem a perda de peso em pouco tempo, não é verdade. É importante perceber que perder peso e ser saudável são coisas diferentes. Devemos focar-nos na nossa saúde, e perder alguns quilos acaba por ser um efeito deste foco!

Afinal, o que é a glicose? Porque devemos ter consciência do impacto que tem?

A glicose é a maior fonte de energia do nosso corpo. Cada célula do nosso corpo utiliza a glicose para funcionar: os olhos para ver, os pés para dançar. Recebemos glicose, principalmente, quando ingerimos alimentos que a contêm, e o problema surge quando damos em demasia ao nosso corpo.

É como tratar de uma planta! Temos de regá-la todos os dias, mas se dermos água a mais, a planta “afoga-se”. As quantidades excessivas de glicose que ingerimos são a causa de sintomas comuns, como a fadiga crónica, ter desejos por alimentos doces ou ter fome a toda a hora, a acne, a privação de sono, problemas de fertilidade, aumento de peso e também a saúde mental. É fundamental que a nossa saúde, física e psicológica, esteja equilibrada, e aprender a controlar os níveis de glicose permite sentirmo-nos melhor!

Gosto de comparar o nosso corpo a um avião, que precisa de voar tranquilo e estável. Nós somos o piloto do nosso avião, pois somos nós que tomamos todas as decisões, e, ao mesmo tempo, somos o passageiro, pois também sofremos as consequências destas decisões.

A turbulência e os problemas no motor são os sinais que o corpo envia para avisar que algo de errado se passa. Muitas vezes, enquanto pilotos, não fazemos a mínima ideia do que fazer para nos sentirmos bem, ou seja, não sabemos como funciona o avião, como havemos de pilotá-lo. Aquilo que ensino às pessoas é que aprender sobre os seus níveis de glicose, e como equilibrá-los, que é como se estivessem no cockpit a tomar controlo do voo.

Existe uma certa apreensão em iniciar uma dieta, especialmente por fatores como responsabilidade, tempo e dinheiro. Considera que é assim tão difícil manter uma dieta saudável?

Eu compreendo que as pessoas se sintam apreensivas em começar uma nova dieta. Existem muitas dietas que não funcionam, são muito restritivas e difíceis de manter… acabam por criar mais stress! Aquilo que eu partilho são princípios e dicas fáceis de aplicar ao nosso dia a dia. São gratuitos e descomplicados.

Por exemplo, no livro falo de comermos a comida numa certa ordem. Ao ter esta postura numa refeição, conseguimos reduzir o pico de glicose até 75%, sem termos de mudar aquilo que comemos! Ou então, quando queremos comer algo doce, como chocolate, devemos tentar não comer de estômago vazio, mas sim como sobremesa. Desta forma, ainda saciamos o prazer, mas sofremos menos efeitos colaterais.

A saúde mental é, cada vez mais, uma grande preocupação. Existem testemunhos que, através das suas dicas, dizem ter passado a conseguir controlar situações como ansiedade ou depressão. Ter atenção aos níveis de glicose tem impacto no nosso bem-estar psicológico?

A comida que ingerimos tem um grande impacto no nosso cérebro. A partir de estudos científicos, sabemos que, quantos mais picos de glicose tivermos, maiores serão os sintomas de ansiedade e depressão. O impacto é quase imediato: ficamos mais irritadiços, com vontade de nos chatearmos. A ligação é maior do que pensamos! Recebo mensagens diárias de pessoas a partilhar que desde que começaram a utilizar os meus truques, sentem-se pessoas mais felizes e com mais controlo das suas emoções.

Na sua opinião, existe algum "falso" conselho que seja dado na área da alimentação saudável, e na indústria alimentar em geral?

Sim, existem muitos. Um exemplo é que o pequeno-almoço tem de ter açúcar, para que tenhamos energia. Uma das dicas que partilho no meu livro é sobre o pequeno-almoço. É nesta altura que não se deve comer açúcar, senão o resto do dia vai ser uma montanha-russa de glicose.

Se fizermos a troca do açúcar dos cereais, por exemplo, e comermos proteína na primeira refeição do dia, iremos sentir-nos muito melhor. Quando as pessoas que sempre comeram açúcar ao pequeno-almoço fazem esta troca, é como se estivessem a pisar o outro lado do espelho. Foi o que eu e muitos outros sentimos. Nem sabemos o quão bem nos podemos sentir com uma troca tão simples como esta.

Que recomendação pode deixar aos nossos leitores?

Se sofre diariamente de problemas físicos, se sente que a sua energia não está onde deveria estar, se não se sente bem, quero alertar que estes sintomas são, na realidade, o seu corpo a tentar dizer-lhe algo. Imagine uma pequena voz a dizer: "Ei! Há picos de glicose a acontecer, ajuda-nos a corrigi-los, por favor!". E quando aprender a equilibrar os seus níveis de glicose, notará que estes sintomas desaparecem à medida que o seu corpo volta a estar em equilíbrio. Esta é a mensagem principal. Os sintomas são mensagens e há algo que pode fazer. Nunca é tarde demais para tomarmos conta de nós.

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  • Armando Augusto Mend
    24 nov, 2023 Macedo De Cavaleirose 09:14
    Bom dia. Sou diabético tipo 2 . Desde algum tempo que venho controlando a minha glicémia através do sendor instalado no braço e a app no telemóvel. Agora é-me mais fácil avaliar o efeito dos alimentos e seleccioná-los de acordo com os seus efeitos. Estou a ter bons resultados com excepção do pico a seguir ao pequeno almoço. São sempre pequenos almoços de chávena de cevada, yogurte magro, fruros secos, 172 queijinho fresco, uma fatia de pão integral. De seguida aplico a insulina e tomo a medicação restante e mesmo assim há sempre um pico acentuado, variável, que pode atingir os 280. No gráfico do aplicativo verifico que sobe rápidamente desde os 100/105 (em jejum) até por vezes esses valores. Tenho entado averiguar mas não tive ainda respostas convincentes. Caso entenda dar-mas, muito agradeceria. Obrigado. Armando Mendes

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