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Autárquicas 2021

Jerónimo rejeita acordos pós-eleitorais com Medina

13 set, 2021 - 06:00 • Susana Madureira Martins

O secretário-geral do PCP recusa firmar um acordo autárquico com o PS em Lisboa e deixa duras críticas ao Bloco de Esquerda por ter aceitado "as condições leoninas em relação a orçamentos" municipais, conluindo que isso levou a "um amarramento que condiciona o próprio Bloco". Jerónimo de Sousa assume ainda que para o PCP "teria um grande significado" vencer nas câmaras de Almada, Barreiro e Setúbal.

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Jerónimo de Sousa rejeita pactos com Medina
Jerónimo de Sousa rejeita pactos com Medina

Em 2017, o PCP teve um abalo nas eleições autárquicas: perdeu dez câmaras, nove das quais para o PS. Com uma forte presença autárquica tradicional, os comunistas querem reconquistar o poder perdido. Em entrevista à Renascença, Jerónimo de Sousa assume a importância destas eleições e manda várias farpas ao Bloco de Esquerda, sobretudo pelo “arranjinho” que tem na Câmara de Lisboa.

Tem falado destas autárquicas como a "grande batalha" em que é preciso reforçar mandatos. Depois de a coligação ter perdido dez câmaras nas últimas eleições é urgente estancar essa sangria?

Nós estamos nestas eleições para avançar.Em termos de objectivo, em termos de síntese, procuramos aumentar a nossa influência, ter mais votos e ter mais mandatos, num quadro onde é importante a formação de maiorias para executar o nosso programa, mas não desvalorizamos, por exemplo em muitos concelhos e muitas freguesias conseguir mandatos, porque mesmo em minoria não significa a aplicação da nossa intervençãop, da nossa proposta. É nesse sentido que temos confiança que é possível, tendo em conta a obra realizada pelas câmaras e freguesias CDU e simultaneamente esta confiança pelo trabalho realizado, pela seriedade com que os eleitos se têm empenhado, temos esta confiança que não parte do zero, tem substância, olhando para o trabalho, olhando para o projecto dos nosos candidatos.

O PCP, em 2017, perdeu nove câmaras para o PS. Perder para os socialistas é pior do que perder para outro partido qualquer?

Obviamente, pode não ser indiferente, mas a questão central para nós é reforçar as nossas posições, naturalmente com aqueles adversários mais directos, seja PS, seja PSD, afirmando a CDU como uma grande força autárquica. Alguns não têm esse problema, porque não tendo câmaras, não vão perder nenhuma, mas a nossa ideia é que é possível avançar em grandes concelhos onde a margem [nas eleições autárquicas de 2017] foi pequena e insisto muito nesta ideia: o valor dos eleitos da CDU, há que reconhecer o mérito desse trabalho. Num quadro tão dificil como o da pandemia em que as pessoas mais do que terem medo de morrer já quase tinham medo de viver, esta nossa campanha também é de confiança, de esperança, levando a que as pessoas desconfinem e participem nesta batalha tão importante para o nosso país e para o poder local e por isso mesmo pelo que fizemos a nota é de confiança.

Tem tentado desvalorizar a importância de reconquistar a autarquia de Almada para o partido, mas é um desejo muito mal escondido. Seria uma vingançazinha sobre o que aconteceu nas últimas eleições em que o PS tirou a câmara à CDU?

Nós não isolamos. O nosso objectivo é reforçar posições e alcançar novas maiorias, incluindo o caso de Almada. Não afunilamos para aí, existem outros municípios, muitos concelhos, muitas freguesias. Naturalmente, Almada é um exemplo concreto, existem outros concelhos onde perdemos essa maioria, mas que podemos recuperar. Entre 308 municípios não sou capaz de fazer uma seleção, antes pelo contrário. Almada está incluida nesse objectivo, mas não reduzimos a nossa campanha em torno de um concelho independentemente da sua importância. Esta confiança que resulta de procurar este objectivo de querer mais mandatos não é coisa pequena. A CDU tem uma experiência de muitos anos em que, às vezes, um eleito numa freguesia desenvolve um trabalho que faz a diferença.

Vou insistir na península de Setúbal que é, de resto, estratégica para o PCP. Barreiro, Almada, Setúbal. Ganhar ou reganhar estas três autarquias já era um bom jackpot para o partido?

Teria um grande significado, isso é indesmentível, mas insisto muito nesta ideia: temos uma visão do todo nacional e manter essas maiorias é o grande objectivo e, naturalmente, até reforçar posições sem conseguir essas maiorias. O que temos vindo a verificar, já andamos no terreno, poderia dizer que o ambiente é bom. Vamos conseguir todos os nossos objectivos? Veremos, mas temos essa referência e acreditamos que é possível.

E o Alentejo? Há medo de perder ali influência por causa do Chega ou isso começa a ser um mito urbano que não vai confirmar-se na noite de 26 de setembro?

Estou perfeitamente confiante que a inteligência do povo português resolverá esse problema ou esse mito, se quisermos. Esse partido anunciou quase a conquista de meio mundo, mas o que sabemos e sentimos é que no dia 26 de setembro esse mito vai ser abalado. Particularmente, no plano autárquico às pessoas interessa-lhes que a sua população seja defendida por alguém que queira trabalhar ao seu serviço sem aproveitamento próprio. Descontada essa euforia, este bom senso dos portugueses e a consciência de que precisam de ter um concelho, uma freguesia que sirva os seus interesses é que vai determinar a votação.

Em relação a Lisboa, é impressão ou há uma espécie de arranjinho, conversas, ou pelo menos predisposição do PCP para um entendimento pós-eleitoral com Fernando Medina no caso do actual presidente mais uma vez não ter maioria?

Em primeiro lugar, é preciso dizer que nós não faremos coligações pós-eleitorais. Em segundo lugar, quanto a arranjinhos, há-de reparar que actualmente existe em Lisboa uma coligação formal entre o PS e o Bloco de Esquerda. O Bloco de Esquerda que aceitou as condições leoninas em relação a orçamentos, em relação a programas, em relação a medidas de fundo, um amarramento que condiciona o próprio Bloco. O problema não está colocado em relação à CDU. Nós podemos também aqui em Lisboa reforçar posições. É verdade que já lá vai longe o tempo em que a CDU tinha cinco mandatos na cidade e o PS tinha três, que no processo de construção da solução da coligação "Por Lisboa" [coligação liderada por Jorge Sampaio que concorreu às eleições autárquicas de 1989 na capital e incluiu o PS, o PCP, o MDP/CDE e "Os Verdes"] há que não esquecer que a CDU tinha quase 30% dos votos e o PS 19% e, no entanto, a presidência foi para o PS. Houve um empenho e trabalho meritório que não foi acompanhado pelo próprio PS.

E não há a possibilidade neste momento de repetir uma coisa desse género? Ou a presença do Bloco de Esquerda pode baralhar as contas e o PCP não está para aí virado em fazer parte desse entendimento?

O PS pode sentir-se confortável com esse apoio do Bloco de Esquerda. Nós insistimos nesta ideia: a CDU é a força alternativa que existe para esta cidade. É a força alternativa que tem um projecto, trabalho realizado, propostas concretas para a cidade que nos leva a esta ideia de concorrência. Não vamos esconder-nos atrás de falsas independências ou falsos independentes, temos o nosso próprio projecto, é com ele que vamos avançar, é com essa garantia de que não existirão acordos pós-eleitorais.

Aqui ou ali pode haver pontualmente um entendimento, é isso?

Sim, a partir da criação de condições para que a CDU assuma responsabilidade para servir as populações, mas como digo, formalmente isso não existirá, vamos trabalhar por conta própria, vamos procurar que esse projecto alternativo se afirme também na cidade de Lisboa.

O PCP insiste muito na necessidade da regionalização até como cumprimento de um preceito constitucional. Já falou disto com António Costa alguma vez? Porque ambos defendem a regionalização.

Esse é o grande mistério que existe na sociedade portuguesa. A regionalização está consagrada na Constituição, de há 45 anos a esta parte. Há este fenómeno esquisito: o PS está de acordo com a regionalização, o PSD está de acordo com a regionalização, todos estão de acordo, mas o grande problema é que sempre que existe essa possibilidade invocam outros esquemas, designadamente a chamada descentralização que de descentralização não tem nada. Temos um processo escandaloso em que, em nome dessa descentralização, se está a procurar transferir responsabilidades para as autarquias, mas sem serem acompanhadas pela necessidade de investimento, de reforço financeiro que leva a esta conclusão: resposnabilidade para as autarquias, com preocupação pela saúde e pela educação e depois procura-se assim sacudir responsabilidades governativas. Isto é uma aberração.

Vai ser uma carga acrescida para os municípios?

Sem dúvida. Se se atribuem essas responsabilidades ao sabor das possibilidades de cada uma existem autarquias que podem ter alguma capacidade de resposta, mas a esmagadora maioria não pode levar com responsabilidades em áreas tão sensíveis como a saúde, a educação, em que se procura essa responsabilização com todas as consequências que isto tem nos orçamentos dos municípios. É uma falsa descentralização.

O secretário-geral do PS António Costa atirou a regionalização para 2024 na moção com que se apresentou ao congresso. Até lá já é tarde?

Já ouvimos esta história há 40 anos. A seguir é que é, mas a verdade é que passam décadas em relação à entrada em vigor dessa norma constitucional. Todos estão de acordo, mas ninguém avança.

Há aqui um grande entrave sempre alegado pelo PS que tem sido a posição desfavorável do actual Presidente da República em relação à regionalização.

Sim, mas quem decide é a Assembleia da República, quem decide é a Constituição da República, não é o Presidente da República. Se há uma norma que vigora, que constitui uma necessidade objectiva por parte de muitas regiões afectadas e discriminadas por essa falta de regionalização, é uma questão incompreensível. No interior as desigualdades já não são só sociais, são também territoriais. A verdade é que as pessoas ouvem e algumas até acreditam no PS e no PSD que dizem que estão de acordo com a regionalização e são mais quatro anos perdidos. Isto assim não é sério.

É notório que o secretário-geral do PS e primeiro-ministro mostra uma preferência pelas negociações com o PCP. No debate do estado da Nação isso foi claro, com António Costa a dar conforto a diversas exigências do PCP ou pelo menos a abrir-lhes a porta. Já ouvimos o António Costa falar de mexidas no IRS . Espera ouvi-lo na campanha autárquica falar de pensões também? E de aumentos de salários?

Na discussão dos orçamentos há um posicionamento claro do PCP. Em primeiro lugar, a forma séria como trata estas coisas. Em segundo lugar, mantendo os seus objectivos da valorização do trabalho e dos trabalhadores, a necessidade de desenvolvimento económico, uma outra política que provoque a rutura com esta política de direita que durante décadas nos tem infernizado a vida, não perdemos nem uma oportunidade para melhorar condições de vida incluindo no Orçamento do Estado. Foi essa seriedade que levou a que centenas de milhar de trabalhadores tenham recebido o salário em regime de lay-off, foi o aumento extraordinário das pensões e das reformas de dez euros. Falou aí da questão em concreto dos salários...

...espera que existam de facto mexidas?

Sim, porque é importante. Dou-lhe o exemplo do sector da saúde. Quantos aplausos não demos a esses profissionais? E hoje eles estão confrontados com uma situação de injustiça porque vêem as suas carreiras congeladas, os salários congelados, a necessitarem de um reforço e a verdade é que o governo tarda em dar resposta a esses profissionais. Isto a par da fiscalidade. temos uma visão diferente da direita, não é tanto uma questão de carga fiscal, é uma questão de justiça fiscal. Procuramos a reposição dos escalões do IRS, já vigoraram 10 escalões e depois o PSD e o CDS reduziram drasticamente.

Vão existir mexidas. Conta com isso?

Conto, com base neste critério fundamental de reposição da justiça fiscal, tendo em conta os baixos rendimentos e os rendimentos médios, também, acho que deviam ser considerados, procurando essa justiça fiscal que tarda já há muitos anos.

Como é que tem visto este tabu em torno da sucessão na liderança de António Costa? Pensa que finalmente não é consigo, que finalmente os jornalistas entretêm-se com a sucessão de outro líder à esquerda?

Em relação à situação no PS, como diz o nosso povo, quem sabe da vida do convento é quem lá está dentro, não é? É um problema do PS. Da nossa parte, realizámos um grande congresso, foi encontrada a solução de direção, essa direção atribuiu-me responsabilidades e para procurar responder a essa manifestação clara do meu partido enquanto cá andar é para fazer melhor, com mais força, com determinação, com uma imensa alegria, tendo em conta as causas por que nos batemos.

É um equilíbrio difícil ser adversário político do PS autárquico, em que o PCP discute taco a taco câmaras historicamente importantes para o partido, como na península de Setúbal e por outro lado assumir-se como o parceiro privilegiado do governo PS para as negociações do Orçamento do Estado?

São duas coisas diferentes. O nosso discurso é tão equilibrado que vai para além das questões do Orçamento. Consideramos que existe um problema central na sociedade portuguesa que é a necessidade de romper com este caminho de défices, de destruição do nosso aparelho produtivo, da nossa produção nacional, de injustiça em relação aos salários, aos direitos, a precisar de uma política diferente. E esta é a grande crítica que fazemos ao PS. Citando Jorge Sampaio, há mais vida para além do Orçamento e a nossa visão não tem como meta a questão do Orçamento para 2022. A nossa meta é uma política diferente que resolva os problemas nacionais
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  • ze
    13 set, 2021 aldeia 08:06
    Quantos governos comunistas há na Europa? e socialistas? dois......Portugal e Espanha, os mais pobres,pelo menos Portugal, como se viu o gáfico apresentado por Paulo Portas na TVI. menos desenvolvidos, com défices orçamentais enormes,ordenados baixos, pensões e reformas de miséria.....etc.....

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