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Entrevista Renascença

Candidato a líder da JS. Estágios do IEFP foram “fábrica trituradora de sonhos” nos anos da Troika

12 out, 2020 - 06:30 • Fábio Monteiro

Até agora candidato único à liderança da JS, Miguel Costa Matos quer um Estado sem “tibiezas em fazer investimento público” e não se incomoda com a etiqueta de “jovem turco”. Em entrevista à Renascença, o mais jovem deputado no Parlamento e antigo assessor de António Costa avisa que, no atual contexto, ninguém entenderia “se não houvesse um acordo para renovar a geringonça”.

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Um Partido Socialista (PS) “intransigente na defesa do Estado Social” e que dialogue “preferencialmente à esquerda”. Eis dois dos desejos de Miguel Costa Matos, 26 anos, deputado do PS, e – para já – o único candidato à liderança da Juventude Socialista (JS).

Ex-assessor de António Costa e antigo técnico superior no Ministério das Finanças, o mais jovem deputado da Assembleia da República tem a “sorte” de contar com o apoio de uma “enorme parte da estrutura” socialista, garante em entrevista à Renascença.

Para Miguel Costa Matos, é preciso criar emprego de qualidade para os jovens – que foram abalroados pela pandemia de Covid-19 - e não cometer os erros do passado, defende. “A política muitas vezes é feita por pessoas mais velhas, com um discurso mais velho, com políticas só para pessoas mais velhas.”

E mais: o “divórcio” da geringonça nunca aconteceu. Houve apenas “um paradigma diferente de relacionamento”. Por isso avisa: “É evidente que, perante a situação do país, precisamos de um grau de estabilidade política que exige um compromisso duradouro, leal e de trabalho conjunto à esquerda.”

É, até ao momento, o único candidato a secretário-geral da JS. Há dois anos, Maria Begonha também não teve nenhum adversário na corrida – apesar de muitos jovens militantes socialistas não estarem satisfeitos com a candidata. Já está a preparar a 'volta da vitória'?

Na JS temos uma enorme pluralidade de opinião, mas, felizmente, tenho o privilégio de contar com o apoio de uma enorme parte da nossa estrutura.

E o que diz a falta de adversários sobre a vitalidade das diferentes correntes ideológicas dentro do PS?

A ideologia do PS e da JS é o socialismo democrático. A leitura que faço acaba por ser a leitura em que as pessoas se reveem. Temos a ambição de transformar a JS numa estrutura mais jovem, não só na sua postura política, como na sua organização e comunicação, e que, desta forma, consiga ter um maior impacto no dia a dia da nossa geração.

Faz parte de uma onda de renovação do PS ou ficaria incomodado se recebesse a etiqueta de “jovem turco”, o elemento dinâmico que quer mudar drasticamente a ordem estabelecida?

[Risos] Não me incomoda minimamente a etiqueta de jovem turco, se bem que sou um jovem português.

Acho que o PS tem de fazer uma leitura daquilo que foi o seu percurso ideológico nos últimos 30 a 40 anos, e perceber que, a seguir à queda do muro de Berlim, foi preciso revisitar alguns dos pressupostos - até para o eleitorado compreender melhor o nosso projeto político. É fundamental agora que saibamos dizer com clareza quais são as nossas ideias.

"Parece-me evidente que não podemos aceitar um PS comprometido com os valores de um capitalismo selvagem, um PS que não seja intransigente na defesa do Estado Social"

E depois da queda do muro de Wall Street parece-me evidente que não podemos aceitar um PS que esteja comprometido com os valores de um capitalismo selvagem; um PS que não seja intransigente na defesa do Estado Social.

O mote da sua candidatura à liderança da Juventude Socialista é “Tempo de Agir”. O que está por fazer?

Tanta coisa. Os jovens continuam a ser a geração precária, que quando consegue arranjar um emprego, muitas vezes é um emprego sem estabilidade ou com um mau salário, tantas vezes com horários inacreditáveis que não conseguem ter tempo para a vida pessoal. Temos muita gente que tem de abandonar o Ensino Superior ou nem o tem como opção, porque continua a ser algo bastante caro de se aceder.

Temos um enorme descrédito na política, nos políticos, que está a resultar num crescimento dos populismos de extrema-direita - que nos devem preocupar muitíssimo. Portanto, o que está por fazer? Já muita coisa foi feita, mas há imensa coisa para fazer.

Estes desafios convocam-nos com um grau de urgência que exige uma resposta. Este é o tempo de agir e é o nosso tempo de agir. Nós temos de agir pelas nossas mãos. Não podemos esperar que outros o façam por nós. A nossa geração tem de ir à luta.

Nós defendemos que a JS seja a casa comum de todos aqueles que querem ir à luta pelos seus direitos e construir um mundo diferente.

A pandemia veio aumentar a necessidade de participação política dos jovens?

Não tenho dúvidas. A pandemia exacerbou as desigualdades já existentes e provocou uma crise económico-social que vai condicionar imenso o início de vida profissional da nossa geração. A participação política tornou-se, por isso, mais urgente perante os desafios que a pandemia colocou.

Porém, há uma geração que, neste momento, está na casa dos 20 e dos 30, que já está a viver a terceira grande crise económica e que está cada vez mais distante da vida política. Que respostas tem a JS para estas pessoas?

Os jovens poderão contar com respostas da JS em várias frentes. Em primeiro lugar, uma aposta de tornar o Ensino Superior realmente acessível a todos e continuaremos a nossa luta contra a propina.

Contra a propina...

... em todo o ciclo. A JS tem uma posição de princípio contra a propina em todos os ciclos de estudo.

"Tanto o João Ferreira como a Marisa Matias são pessoas que têm um historial de luta por causas que admiro, tal como a Ana Gomes. Com ótimos candidatos à esquerda, uma delas militante do PS, não tenho dúvidas de que os militantes da JS e todos os cidadãos de esquerda poderão encontrar num deles o seu candidato a Presidente da República"

Na área do Trabalho, temos um conjunto de propostas no sentido de diminuir e combater a precariedade. E ideias próprias sobre como estimular e proteger o emprego.

É evidente que há um conjunto de obras públicas que o país precisa para poder competir externamente, combater as alterações climáticas, que vão necessitar de pessoas a trabalhar. O Estado não deve ter qualquer tipo de tibiezas em fazer investimento público. E isso é, porventura, a terceira grande área em que a JS pode, quer e deve ter uma intervenção. Quer ter uma intervenção sobre a economia.

A nossa visão da economia é que é fundamental apoiarmos as empresas. E para apoiar as empresas vamos ter de ter um forte estímulo orçamental com fiscalidade mais justa, com investimento público.

Qual é o peso real da agenda da JS dentro do partido? E do Governo?

A JS tem neste momento sete deputados [no Parlamento] e uma deputada na Assembleia Regional da Madeira. Temos também milhares de militantes. A nossa primeira tarefa é, obviamente, mudar a opinião pública e mudar a opinião dentro do Partido Socialista.

Recordo-me que há três anos tive um militante de base que veio a uma iniciativa e que sugeriu que, na mudança do Secundário para o Ensino Superior, pudesse ser transferido automaticamente o direito à bolsa da ação social. Isto passou de uma simples proposta de um militante para uma proposta da JS, primeiro ao nível da federação de Lisboa, depois ao nível nacional, entrou para o programa do PS, no programa de Governo, Orçamento do Estado e hoje em dia é uma realidade.

A mesma coisa para a majoração do complemento de alojamento consoante os custos da habitação numa determinada cidade. Alargámos os passes estudante aos estudantes do ensino profissional. Conseguimos que os trabalhadores estudantes tivessem um certo nível de rendimento isento de IRS. Temos também imprimido no PS uma nova ambição na área das alterações climáticas.

Se olharmos para a história, a JS esteve em vários momentos marcantes para os jovens em Portugal, desde o fim do serviço militar obrigatório até à legalização do casamento das pessoas do mesmo sexo. E não esquecer a legalização da Interrupção Voluntária da Gravidez.

Tem apenas 26 anos e é o mais jovem deputado na Assembleia da República. No último ano, alguma vez foi vítima de idadismo, as suas ideias foram desconsideradas por ser jovem?

Acho que temos conseguido, todos os sete deputados [JS], mostrar o nosso trabalho, o nosso mérito, e isso tem-nos conquistado espaço dentro do grupo parlamentar do PS. Não farei avaliações em causa própria. Parece-me é que existe, no geral, na política, também no Parlamento, e sobretudo na sociedade, uma enorme desconfiança, [a ideia de] que os jovens não estão à altura de funções de responsabilidade. E aquilo que estou determinado a fazer, em conjunto com a JS, é prová-los errados.

"Parece-me que existe no geral, na política, também no Parlamento, e sobretudo na sociedade, uma enorme desconfiança, [a ideia de] que os jovens não estão à altura de funções de responsabilidade. Estou determinado a prová-los errados"

Aquilo que muitas vezes me dizem é: “Tens 26 anos, não tens experiência nenhuma de vida para seres deputado.” Como é que querem que um jovem de 26 anos tenha trinta anos de experiência profissional para poder ser deputado? Eu nem 30 anos de idade tenho, quanto mais 30 anos de experiência profissional. Mas acho que o facto de ser jovem me permite estar mais próximo de um conjunto de experiências de vida e de uma geração que precisamos de conseguir representar. E isso muitas vezes é feito por pessoas mais velhas, com um discurso mais velho, com políticas só para pessoas mais velhas.

Essas pessoas são importantes, mas não podemos abdicar de fazer política para os jovens e também falar para os jovens, sob pena de dizermos que os jovens estão afastados da política, quando, na verdade, foi a política que se afastou dos jovens.

Estamos a poucos dias da apresentação do Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021). Que medidas é que gostaria de ali ver plasmadas, se é que não sabe já o que aí vem…

[Risos] Acho que é importante o Orçamento do Estado para 2021 ter uma aposta forte na retoma económica, que assente em apoiar as empresas e o investimento público. Que tenha mecanismos de apoio à criação de emprego, mas condicionados a que não sejam criados empregos precários.

Na anterior crise, tivemos aqueles programas de estágios [profissionais] do IEFP, que muitas vezes contratavam pessoas para estágios precários e não renovavam [os contratos] das pessoas. As pessoas eram ali trituradas, foi uma fábrica trituradora de sonhos, de certa forma. Nós queremos que os apoios não sejam um cheque em branco, mas sejam de facto algo direcionado aos jovens, para criar emprego de qualidade.

"Creio que para a renovação dos votos da 'geringonça' haverá sempre várias pedras de toque. E o caderno de encargos é exigente, como tem de ser, porque a situação do país é exigente e não é unidimensional"

Além disso, espero que o OE 2021 combata a precariedade através de alterações legislativas. Espero que seja um OE que continue a utilizar a fiscalidade como um instrumento de redistribuição. Como economista, com um mestrado nessa área, tenho particular interesse por esse instrumento.

Há dias, num debate na “SIC Notícias”, defendeu que o aumento do Salário Mínimo Nacional é uma questão de “dignidade”. Poderá esta ser a pedra de toque para a “renovação” dos votos da "geringonça"?

Creio que para a renovação dos votos da "geringonça" haverá sempre várias pedras de toque. E o caderno de encargos é exigente, como tem de ser, porque a situação do país é exigente e não é unidimensional.

É certo que existem mais de 20% dos trabalhadores que auferem o Salário Mínimo Nacional, mas isso não que dizer que aí se deve extinguir a influência dos partidos à nossa esquerda no desenho do OE. Tenho toda a confiança que existe na proposta do OE um conjunto de compromissos à esquerda que melhoram o documento e respondem às necessidades do país e dos trabalhadores.

Mas será mesmo viável um reatar da geringonça? Estamos a falar de um segundo casamento, segundos votos, após um divórcio não-consensual para as três partes, em outubro do ano passado. Há, digamos, uma grande bagagem emocional para gerir.

Em primeiro lugar, acho que não houve divórcio. Houve um paradigma diferente de relacionamento. A verdade é que o relacionamento continuou e os principais avanços, entre as eleições legislativas do ano passado e este mês que agora atravessamos, foram todos eles construídos à esquerda. Mas acho que é evidente que perante a situação do país precisamos de um grau de estabilidade política que exige um compromisso duradouro, leal e de trabalho conjunto à esquerda. Acho que ninguém entenderia se não houvesse um acordo para renovar a geringonça, para nos dar estabilidade e confiança, para prosseguirmos na recuperação desta crise e fazermos o mesmo trabalho que fizemos na anterior.

Há uma semana, em entrevista ao “Público”, disse que ainda estava a refletir sobre em quem iria votar nas eleições presidenciais, mas garantiu que ia “votar num candidato de esquerda”. Pareceu-me ouvir um eco das palavras do ministro Pedro Nuno Santos. Porquê a relutância em evocar o nome de Ana Gomes?

Sou candidato à liderança da JS e, como tal, não represento apenas a minha vontade pessoal. Estou a liderar um projeto que ambiciona representar a vontade coletiva dos mais de 20 mil militantes da JS e também do conjunto dos jovens portugueses que se identifiquem como progressistas, ecologistas e de esquerda. Perante a diversidade de candidatos à esquerda, penso que não é justo tomar algum tipo de posição. Irei votar. Estou em reflexão sobre em quem irei votar.

Mas a possibilidade de votar em João Ferreira ou Marisa Matias está, efetivamente, em cima da mesa?

Tanto o João Ferreira como a Marisa Matias são pessoas que têm um historial de luta por causas que admiro, tal como a Ana Gomes - desde as suas lutas em Timor ao excelente trabalho que fez como eurodeputada a denunciar corrupção e fraude fiscal. Portanto, com ótimos candidatos à esquerda, uma delas militante do PS, não tenho dúvidas de que os militantes da JS e todos os cidadãos que são de esquerda poderão encontrar, num destes candidatos, o seu candidato a Presidente da República.

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