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Reportagem

Refeições, barbeiro e "simpatia". Foi assim a Festa de Natal da Comunidade Vida e Paz

22 dez, 2024 - 11:22 • Alexandre Abrantes Neves

Nos últimos três dias, a Comunidade Vida e Paz ofereceu uma série de apoios a quem passou pela Cantina Velha, em Lisboa. Organização espera um aumento de 10% nos visitantes, especialmente de imigrantes e de jovens casais.

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Reportagem Festa Natal Comunidade Vida e Paz - Alexandre Abrantes Neves
Ouça aqui a reportagem da Renascença. Foto: D.R.

À uma da tarde, a Cantina Velha parece um autêntico centro comercial. Ao lado da zona de refeições, mais de cinquenta cadeiras vão ouvindo atentamente as senhas para levantarem roupa quente. À entrada, uma enorme mancha de gente vai se distribuindo pelas mesas de matraquilhos ou as bancas de venda de bijuteria. Lá em cima, já há quem esteja a atualizar o cartão do cidadão ou a fazer rastreios de saúde. É a festa de Natal da Comunidade Vida e Paz (CVP).

“Os nossos convidados podem usufruir dos serviços habituais. Na área da saúde, temos uma área nova – a possibilidade de fazerem rastreios visuais e de as pessoais depois ficarem com os óculos. (...) Procuramos fazer tudo isto num ambiente familiar e espirito natalício”, conta à Renascença Renata Alves, diretora-geral da CVP.

Desde sexta-feira, já ali passaram mais de mil pessoas, em situação de sem-abrigo ou de vulnerabilidade social. Até ao encerramento marcado para as 22h deste domingo, a organização espera superar os 1.700 visitantes do ano passado em cerca de 10%.

Muita gente nova com quem a repetente Palmira Maia vai trocando dois dedos de conversa aqui e ali. Acaba de pousar o tabuleiro (ainda volta, para o jantar e para a ceia) e vai-se encaminhando para a zona da roupa. Quando se senta na cadeira, explica à Renascença o plano que já pensou para o dia.

“A seguir, vou tomar banho e arranjar o cabelo. Também preciso dos serviços de saúde. É o spa completo [risos]. Entretanto, a gente convive, conversa, as pessoas são simpáticas”, relata.

Vive na rua há mais de 30 anos. Tentou mais de uma vez arrendar uma casa, sempre sem sucesso. Quando se sente mais à vontade, deixa-nos a boa nova: janeiro vai começar com uma casa mobilada, dada pela Santa Casa da Misericórdia. “É uma alegria, para mim e para a minha cadela”, conta-nos, e o sorriso já mal lhe cabe no rosto.

Estão perto de chamar o número da senha de Palmira, está na hora de a deixarmos. Damos meia-volta e percorremos o mesmo caminho até à entrada. A meio, cruzamo-nos com Rui Sousa, um dos mais de mil voluntários que aqui passaram o fim de semana. A colaborar com a CVP há 15 anos, confessa que os últimos meses têm sido dos mais desafiantes

“Há mais pessoas em situação de sem abrigo e, no último ano, de imigrantes. (...) A principal dificuldade é a língua. Apesar dos voluntários falarem inglês, essa é a primeira barreira, para conseguirmos perceber como os encaminhar”, aponta, em linha com os números da CVP: “para além de migrantes, este ano também há jovens, casais e muitas famílias em situação de vulnerabilidade social”, assinala Renata Alves.

Retomamos o caminho até lá fora. Depois de passarmos pelo abrigo onde os animais de estimação esperam pelo regresso dos donos (mais uma novidade deste ano), chegamos à barbearia, montada mesmo ao lado da tenda dos rastreios visuais.

Sentado de bata preta a rodear-lhe o pescoço, Francisco Pais aceita falar connosco enquanto lhe mudam o pente da máquina de cortar o cabelo. Já viveu nas ruas “há um tempo” e por isso sabe bem como esta festa “deixa felizes as pessoas que não têm nada”.

Este convidado (é assim que a organização faz questão de lhes chamar) acredita até que os apoios da CVP vão colmatando as falhas dos serviços do Estado.

Acho que é melhor muitas vezes aproveitarmos estas coisas, estes serviços. No caso da saúde, por exemplo. Fui a um hospital com uma dor numa perna e estive três dias lá, sem poder sair nem para comer, só para tirar um TAC”, lamenta.

Entre os muitos postos da Festa de Natal, há também zonas pensadas para passar o tempo e desanuviar da vida que muitos levam na rua. Mateus Cabrita é fã dos computadores, onde gosta de ir lendo e comentando as notícias com quem está ao lado.

Para quem vive na rua há 42 anos, aponta que o Natal é uma época “especialmente difícil” – e, por isso, deixa o conselho a quem ficou em dificuldades e ainda não pediu ajuda. “Vergonha é roubar. É assim a vida”, remata.

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