13 set, 2024 - 19:59 • Fábio Monteiro
O bate-boca começou, na terça-feira, com a apresentação dos últimos números da OCDE. Fernando Alexandre, ministro da Educação, disse que mais de 324 mil alunos não tiveram aulas a pelo menos uma disciplina, no arranque do ano letivo 2023/24. E o antecessor não se deixou ficar.
Chamado ao Parlamento pelo Chega, na quinta-feira, João Costa acusou o Fernando Alexandre de inflacionar o número de alunos que no ano passado tinham professores em falta. Com que propósito? “Depois se apresentar como um grande resultado uma redução a partir de um número base que não é real”.
Segundo o antigo ministro da Educação, os dados da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares apontavam para um número muito inferior ao avançado por Fernando Alexandre: cerca de 72 mil alunos. Mesmo as previsões dos sindicatos não iam tão longe, lembrou.
Já esta sexta-feira, à margem de uma visita a uma escola, em Vouzela, Fernando Alexandre voltou à carga. “Estamos simplesmente a mostrar a gravidade do problema, estamos a enfrentá-lo de frente”, defendeu.
Questionado sobre a disparidade dos dois números apresentados, disse: “Não há uma maneira única de medir.” E argumentou: “O ex-ministro da Educação escolheu o número que preferiu. Nós mostramos vários números. Há um que são 300 mil, outro são 22 mil. Nós podemos medir de maneiras muito diferentes.”
Qual dos dois tem razão? Qual usou a fórmula de cálculo correta? O que justifica a disparidade? É complicado.
O número que João Costa apresentou no Parlamento diz respeito à semana de 4 a 8 de setembro de 2023 e tem por base dados da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. Surge após a segunda reserva de recrutamento, mesmo antes do arranque do ano letivo em causa.
O número de Fernando Alexandre diz respeito a todos os alunos que estiveram sem aulas a uma disciplina, em algum momento, durante o mês de setembro. Ou seja, é um cumulativo. (Se faz sentido fazer essa soma, é outra questão).
Os dois números não se referem ao mesmo período; não foram estimados com a mesma fórmula, nem usaram sequer os mesmos indicadores como base. Comparar registos entre Governos diferentes é, por isso, quase impossível.
Em declarações à Renascença, Isabel Ferreira, deputada do PS, confessa estupefação perante o número “verdadeiramente exorbitante” apresentado por Fernando Alexandre. O PS anunciou esta sexta-feira que ia questionar o Ministro da Educação sobre discrepâncias nos dados de alunos sem aulas.
Uma das perguntas logo à partida é: “Quais os critérios e fontes utilizados para chegar ao número de 324 mil alunos sem aulas em setembro de 2023?”
“Se queremos tratar com seriedade este problema, então não vamos introduzir nos indicadores fatores que só trazem entropia e que não contribuem nada para resolver o problema, porque estamos a tratar de forma igual situações que têm um cariz muito diferente”, diz Isabel Ferreira.
A socialista sublinha que não faz sentido o Governo contar nos 324 mil alunos alguém “que pontualmente ficou sem uma aula”, mas tem professor atribuído a essa disciplina.
“Se continuassem a fazer esta monitorização durante todos os meses, no limite, podíamos ter como resultado a totalidade dos alunos. A probabilidade todos os alunos não terem uma aula, em algum momento, é enorme. Isto é mesmo absurdo”, afirma.
Isabel Ferreira nota ainda outro caso: um aluno que não tem professores a três disciplinas. “Conta três vezes. O indicador também não está correto. Então não deve chamar alunos sem aulas, tem de chamar o número de disciplinas à qual o aluno não teve aulas. Não nos parece sério esta forma de tratar números e, portanto, tememos que de facto isto tenha sido uma operação, inflacionar um número, para que depois apresentar resultados de acordo com as metas a que se propuseram”, disse.
Mesmo os sindicatos estranham o número de Fernando Alexandre.
José Feliciano Costa, presidente do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), afirma que o número do ministro da Educação apenas faz sentido se estiver a tentar “dramatizar a situação”.
Ao mesmo tempo, nota, o ministro poderá também não estar completamente errado.
“Os nossos dados podem ser um bocadinho conservadores e até um bocadinho tímidos.”
O SPGL, que integra a Fenprof, extrapola o número de alunos com professores em falta tendo por base os horários relegados, a dada semana, para contratação de escola. Cada horário é multiplicado por 22 horas (horário completo). “É a partir daí que conseguimos ter um número aproximado de professores em falta”, explica.
Por exemplo: esta sexta-feira de manhã, existiam 1263 horários por preencher, o equivalente a mais de 21 mil horas e, por sua vez, a 112 mil e 500 alunos sem professor a pelo menos a uma disciplina.
Ainda assim, Feliciano deixa a ressalva que há dados difíceis de aferir, casos particulares que complicam as contas. Há professores que “por vezes aceitam, mas depois uma semana ou duas depois - porque não querem, não podem, porque é longe, porque mudam de escola – saem.”
Há sempre imprevistos. O sindicalista conta o caso recente de três professores de Educação Visual e Tecnológica (EVT) recrutados por uma escola em Lisboa. “Chegaram três colegas à escola contratados, dois com 60 anos e um mais novo. Ao fim de dois dias. dois puserem atestado médico, um adoeceu. Isto acontece, cria logo pequenas alterações.”
A única explicação que o sindicalista encontra para a estimativa do Governo é a seguinte: em 2023, entre 30 de agosto e 11 de setembro, a FENPROF estimou que existissem perto de 220 mil alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina. Depois, entre 11 e 15 de setembro, eram já cerca de 100 mil.
“Se nós juntarmos todas a ofertas de horários entre 30 de agosto e 15 de setembro, os tais 100 e 220 mil, temos um número muito próximo do que é avançado pelo atual ministro. Agora, não sabemos se foi assim que ele lá chegou.”