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Ranking das Escolas 2023

"Não é uma nota que te descreve". Colégio do Rosário é o melhor do ranking, mas diz que a pressão das notas vem dos alunos e famílias

12 jul, 2024 - 00:00 • Miguel Marques Ribeiro

A privada do Porto tem as melhores notas nos exames nacionais. Aposta numa "formação integral" baseada num projeto de voluntariado com os alunos. Direção diz que não coloca pressão nos estudantes para figurar no ranking, "mas os próprios e as famílias colocam-se a si próprios essa pressão".

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Ilustração: Salomé Esteves/RR

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“Há muito mais que o ranking, não é?”, questiona Isabel Pinho. A professora de Biologia e Geologia do ensino secundário leciona no Colégio do Rosário há mais de trinta anos.

Ano após ano, o estabelecimento privado situado no Porto tem conquistado lugares cimeiros no Ranking das Escolas, mas a docente sublinha que o projeto pedagógico do colégio vai muito além do sucesso académico. A diretora pedagógica diz o mesmo, apesar de reconhecer que há uma enorme pressão para que sejam atingidos os resultados necessários para entrar na universidade. "O colégio não coloca pressão nos alunos para estarmos numa determinada posição no ranking", garante Susana Sousa, "mas os próprios e as famílias colocam-se a si próprios essa pressão".

“Não pretendemos ter só alunos que sejam perfeitos em termos académicos, que sejam alunos de média 20 e depois não se saibam situar perante uma sociedade, não se sintam cúmplices nesta sociedade e não se comprometam com ela”, sublinha, por seu lado, Isabel Pinho, voltando à ideia da importância de valores.

Uma ideia que faz parte da própria cultura do colégio — um dos três existentes no país que pertencem ao Instituto das Religiosas do Sagrado Coração de Maria, uma congregação católica, cujo lema é "Educamos para que todos tenham vida".

Voluntariado para uma “formação integral”

A escola, onde atualmente estudam 1.617 alunos, do pré-escolar ao 12.º ano (449 deles no ensino secundário), é dirigida desde há cinco anos por Susana Sousa.

A antiga professora de Português/Inglês considera que os projetos de voluntariado estudantil que a escola desenvolve têm sido uma das chaves para o sucesso.

É voluntariado “na verdadeira acepção da palavra”, realça à Renascença Susana Sousa. “Os alunos participam porque querem participar”.

A condição é estarem no ensino secundário — critério que se explica, em boa parte, devido aos contextos exigentes em que os estudantes são incluídos.

Há atividades de distribuição alimentar a sem-abrigo, acompanhamento ao estudo de crianças de bairros sociais da freguesia de Ramalde, visitas a doentes, em parceria com o hospital Pedro Hispano, e também apoio a pessoas com limitações intelectuais.

A ideia, no entanto, é mesmo essa: retirá-los da “bolha” em que vivem “para que conheçam outras realidades”.

“Os nossos alunos têm um determinado contexto com algum privilégio. A ideia é tirá-los também da sua zona de conforto”, refere a diretora pedagógica.

Isabel Pinho, que é também a coordenadora dos projetos de voluntariado, concorda. "Eu acho que a partir da altura em que conhecemos os rostos das pessoas, a realidade toca-nos de uma maneira diferente. E é isso que nós queremos."

O êxito desta proposta tem sido assinalável. Segundo os números revelados pela direção do colégio, “77% destes alunos que terminaram o 12.º fizeram voluntariado num dos projectos, sendo que mais de 50% destes 77 estiveram em mais do que um projecto, estiveram pelo menos em dois”.

Há mesmo uma extensão internacional do programa. Este verão, Matilde Esteves, finalista do secundário, vai a Timor-Leste durante um mês e explica. A aluna explica o objetivo: “Vamos ajudar as crianças a aprenderem português, que é a língua materna deles, mas não é muito usada lá e eles têm muita dificuldade com isso”.

Sentada a seu lado, a também finalista Mariana Silva fala do impacto que as atividades de voluntariado tiveram no seu percurso: “O colégio não nos ajuda só academicamente. Eles não nos ajudam só a termos boas notas e a entrarmos na faculdade que queremos, mas também a sermos bons seres humanos. Eu sinto que me tornei uma pessoa muito mais preocupada com as pessoas à minha volta e passei a ter muito mais atenção às pessoas que têm menos oportunidades e que são menos favorecidas.”

Mas será que estas atividades têm também um impacto positivo na performance académica? Apesar de o objetivo não ser esse, a resposta tende a ser positiva. "Acho que os ajuda a organizar o tempo, a serem mais rigorosos e isso acaba por ter um impacto positivo depois no seu trabalho, no seu estudo", aponta Isabel Pinho.

A professora admite, porém, que não foi feito "um estudo que permita fazer uma avaliação rigorosa desse impacto".

O que nós sabemos é que há uma grande coincidência entre alunos que na parte académica são muito bons e que depois se envolvem nos vários projetos [de voluntariado] do colégio", diz a diretora.

O triângulo virtuoso entre aluno, professor e família

Tendo maior ou menor impacto no percurso académico, a implementação de uma “formação integral” dos alunos não explica tudo. Entre 2010 e 2023, o Rosário conquistou por nove vezes a primeira posição do Ranking das Escolas. Nenhum outro estabelecimento de ensino conseguiu, nos últimos anos, alcançar um êxito semelhante.

Este sucesso é particularmente destacado nas áreas científicas (Biologia e Geologia, Física e Química), o que faz engordar as listas de espera para novas inscrições nos diversos graus de ensino.

A diretora Susana Sousa sublinha que “não há uma fórmula, propriamente”, mas existem alguns elementos que os responsáveis da escola vão identificando como determinantes.

Desde logo, o facto de os alunos serem oriundos de famílias da classe média-alta do Grande Porto é um empurrão importante. “Praticamente todos eles querem chegar a um curso superior e são fortemente motivados e também apoiados pelas suas famílias”, explica Isabel Pinho.

Ou seja, não existem os problemas de comportamento e de falta de motivação que são comuns noutros estabelecimentos.

Este ponto de partida favorável é depois potenciado pelo modelo de organização da própria escola, marcado pela estabilidade do corpo docente e dos alunos, que na sua “maioria” entra no colégio “nos anos iniciais” de estudo e prossegue até finalizar o secundário. "O caminho faz-se caminhando e faz-se porque temos tempo para o fazer", sustenta a professora.

Isto permite construir uma relação de confiança e de proximidade que se estende também aos encarregados de educação: “Este triângulo 'professor, aluno e família' é muito importante”, aponta Susana Sousa.

Não existe fórmula, mas os ingredientes estão todos lá

A nível pedagógico, algumas ferramentas têm provado ser eficazes, como a simulação de exames.

“Achamos que é importante para eles, desde o início do secundário, fazer testes que se assemelhem o mais possível a testes de exame”. Os alunos fazem um teste de duas horas, “construído de forma semelhante a um exame nacional”, que “os obriga sempre a revisitar os domínios que já foram dados em anos anteriores ou que foram dados no início do ano. Portanto, eles estão sempre a revisitar as coisas”, refere Isabel Pinho.

Outra marca do colégio é “um reforço grande ao nível do Português, da Matemática e do Inglês. Isso marca muito, depois, o desempenho”, declara a diretora pedagógica do colégio. “Os alunos estão bem preparados também ao nível daquilo que são as competências mais básicas, essenciais", afirma. "Não é só o secundário, é todo um trabalho que está feito para trás.”

A isto juntam-se outras técnicas pedagógicas como a implementação de aulas desdobradas ou a criação de grupos mais pequenos que permitam implementar modelos de acompanhamento individualizado.

Alunos mais inseguros e ansiosos

Porém, apesar do sucesso, Susana Sousa relativiza os resultados alcançados nos rankings.

“Há outras escolas, noutros contextos, que fazem um trabalho tão ou mais meritório do que o nosso”, assegura a responsável pela escola.

Os rankings “não nos colocam em nenhum patamar de relevância particular. Isto se calhar soa a falsa modéstia, mas é o que eu entendo. Os rankings são o que são. Ficamos contentes? Claro que ficamos contentes. É o nosso trabalho”, assegura a responsável.

Até porque a escola enfrenta também os seus próprios problemas. "A sociedade está diferente, os jovens estão diferentes, a forma de ver o mundo é diferente", diz a diretora pedagógica.

Em particular, as medidas de controlo da Covid-19 tiveram um forte impacto na saúde mental dos jovens.

“No geral, têm menor facilidade em lidar com a frustração, em lidar com os maus desempenhos, com os maus resultados, com as tristezas, com as angústias, com as ansiedades”, refere Susana Sousa.

A isto junta-se uma enorme pressão para que sejam atingidos os resultados académicos necessários à entrada na universidade. "O colégio não coloca pressão nos alunos para estarmos numa determinada posição no ranking", garante a diretora, "mas os próprios e as famílias colocam-se a si próprios essa pressão".

O próprio contexto do ensino superior também contribui para um maior constrangimento dos jovens.

“É só olhar para as médias de entrada dos últimos anos. São médias claramente exageradas”, critica Susana Sousa.

Assim, quem quer atingir objetivos académicos tem de “ser um aluno de absoluta excelência, o que acaba por ser muitíssimo perverso”.

A angústia latente nos jovens cresce também pela falta de perspectivas de futuro. “Quem sai daqui, não tem nada garantido, nem futuro profissional, nem se vão ficar cá ou não vão ficar cá. Portanto, há uma incerteza muito grande que gera angústia, gera ansiedade. Essa é uma dificuldade grande que temos”, aponta.

“Há outros rankings”

Face a estas circunstâncias, é ainda relevante valorizar aquilo que os rankings não mostram. "Não é uma nota que te descreve, que te determina", aponta a aluna Matilde Esteves.

Até porque a “excelência mede-se por várias unidades de medida”, complementa a diretora do estabelecimento. A das notas obtidas pelos alunos “é aquela que sai mais na comunicação social, aquela que nos coloca num determinado ranking, mas há outros rankings. Eu poderia fazer rankings de outro tipo”.

Susana Sousa dá o exemplo dos seus estudantes: “Tenho aqui alunos excelentes ao nível do voluntariado que são alunos normais ao nível académico — e que bom que os tenho, porque eu estou certa que eles vão ser excelentes profissionais, porque sabem o que é estar em grupo, sabem o que é gerir uma equipa, sabem o que é estar com diferentes alunos e diferentes crianças e jovens de diferentes estratos sociais”, conclui.

A professora de Biologia e Geologia Isabel Pinho concorda: "O ranking, no fundo, valida o nosso trabalho a nível exterior, mas aquilo que nós queremos é ver os alunos felizes e quando voltarmos a estar com eles, que nos digam: Olha, era mesmo este curso que eu queria. Sou mesmo feliz neste que estou a fazer'. Essa é a nossa melhor recompensa".

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