09 jul, 2024 - 20:04 • Fábio Monteiro
Morreu, esta terça-feira, aos 68 anos, Joana Marques Vidal. Descrita por alguns comentadores como “a melhor” procuradora-geral da República a exercer o cargo, até à data, foi também a primeira mulher. À sua responsabilidade, teve alguns dos maiores e mais importantes processos judiciais que há memória em Portugal.
Joana Marques Vidal estava internada, em coma, no Hospital de São João, no Porto. Dera entrada a 6 de junho, após transferência de uma unidade hospitalar privada onde havia sido submetia a uma intervenção cirúrgica, na sequência de "doença neoplásica prolongada e muito complexa”, escreve o “Expresso”.
Nascida em Coimbra, em 1955, Joana Marques Vidal – também conhecida como “Joaninha”, no mundo judiciário – licenciou-se em Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1973/1978). Provinha de uma família com linhagem no setor da justiça. José Marques Vidal, o pai, foi mesmo vice-procurador-geral da República.
Em outubro de 2012, quando tomou o leme da Procuradoria-Geral da República (PGR), escolhida pelo Governo de Pedro Passos Coelho e com o apoio do Presidente Cavaco Silva, Portugal atravessava um período de crise e havia quem duvidasse da independência do Ministério Público (MP).
Em entrevista à Renascença, em 2015, afirmou: “Há uma rede que utiliza o aparelho de Estado e da Administração pública para concretizar atos ilícitos, muitos na área da corrupção.”
E quatro anos mais tarde voltou a sublinhar: “Há efetivamente algumas redes que capturaram o Estado e que utilizam o aparelho do Estado para a prática de atos ilícitos e, felizmente, algumas estão a ser combatidas, mas outras continuam a fazer isso e há até outras que começam.”
Desde os primeiros meses no cargo, assumiu uma postura firme – mas dando sempre explicações aos portugueses.
“O papel do procurador-geral é promover a organização, a articulação interna e a capacidade de gestão que permita aos magistrados trabalharem melhor”, disse, em 2018, em entrevista ao “Expresso”.
A primeira grande prova de fogo que enfrentou foi interna. Em 2013, abriu uma investigação interna à unidade de elite do MP, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Então, não reconduziu Cândida Almeida, que liderava o DCIAP desde 2001, praticamente desde que fora criado (1999).
O seu ponto de viragem na perceção pública, todavia, aconteceu em 2014, com a Operação Marquês e a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates.
Anos mais tarde, contou ao “Expresso”: “Quando Sócrates foi detido, a minha preocupação foi perguntar: analisaram bem, ponderaram bem?”
Durante os seis anos em que foi procuradora-geral da República, o histórico de trabalho de Joana Marques Vidal levantou poucas dúvidas. Deu-se a detenção de banqueiros – como Oliveira e Costa (BPN) e Ricardo Salgado (BES) -, políticos – Manuel Pinho (ex-ministro do PS) -, empresários - António Mexia (EDP) -, mas também figuras ligadas ao futebol.
Mesmo Luís Vieira, diretor da Polícia Judiciária Militar, foi detido por causa do assalto a Tancos, Orlando Figueira, ex-procurador do DCIAP, levado julgamento por ter sido corrompido por um antigo vice-presidente angolano.
O único caso a manchar o período 2012-2018 surgiu quando uma investigação da “TVI” revelou o envolvimento de Joana Marques Vidal, cerca de duas décadas antes, em processos de adoção da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Na época, a magistrada trabalhava procuradora no Tribunal de Família e de Menores de Lisboa; era a coordenadora da equipa que autorizou que três crianças fossem adotadas e acabassem por ficar à guarda de pastores da IURD.
Em 2018, a continuidade de Joana Marques Vidal foi tema de debate. Mas o Governo de António Costa e o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa decidiram que mandato da PGR devia ser único. Houve quem lhe augurasse um futuro na política – mas tal nunca se concretizou.
Então, em declarações à Renascença, o presidente do sindicato, António Ventinhas, disse que a prestação de Joana Marques Vidal ficava “como grande marca do mandato o combate à criminalidade económico-financeira que assumiu outros patamares nunca vistos até agora”
No mesmo mês em que cessou funções, a 22 de outubro de 2018, foi agraciada com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa.