22 abr, 2024 - 07:30 • Diogo Camilo
Os cinquenta anos que Portugal celebra de democracia a 25 de Abril foram feitos de mudanças profundas, a nível demográfico, social e económico: a população cresceu, mas é hoje muito mais envelhecida; as mulheres conquistaram o seu espaço no mercado de trabalho e na sociedade; e a educação assumiu um papel fundamental e moldou também a economia pós-Estado Novo.
Com os dados dos Censos ao longo das décadas e do Instituto Nacional de Estatística (INE), a Renascença compara o nível de vida que o país tinha antes da revolução de 1974 com os números atuais, traça a evolução em áreas nevrálgicas como a saúde ou a educação - e que nem sempre batem certo com a perceção que os portugueses têm entre o país que viviam e aquele em que vivem agora.
Numa sondagem divulgada esta quinta-feira, pelo ICS/ISCTE para a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 Abril e divulgada na SIC e no Expresso, a maioria dos inquiridos indicou que a situação é hoje “melhor” do que a que existia antes da Revolução dos Cravos, mas em áreas como o desemprego, a justiça, a habitação ou as desigualdades sociais, a diferença entre quem acha que o cenário é hoje “pior” não é muita.
Sobre o cenário da habitação, o inquérito mostra um viés de recência dos portugueses, de quem olha para a crise da habitação que o país atravessa e esquece as condições das casas que existiam há 50 anos.
Segundo os números dos Censos das últimas décadas, há hoje mais três milhões de habitações do que havia há 50 anos e um milhão delas são segundas habitações.
Em 1970, existiam 2,2 milhões de residências habituais e 75 mil residências secundárias. Em 2021, o número de residências habituais disparou para 4,1 milhões e o de residências secundárias para 1,1 milhões.
Mais preocupante eram as condições destas casas em 1970: sete em cada 10 não tinham duche ou banheira e mais de metade não tinha água canalizada; e um terço não tinha sequer eletricidade, algo impensável hoje em dia. Da última vez que estes números foram registados, em 2011, a percentagem era já residual. Nos Censos de 2021, a estatística já nem foi registada.
Com os 50 anos de democracia, um dos aspetos que mais mudou foi a própria população: em 1974, mais de metade dos portugueses tinha menos de 30 anos; cinco décadas depois, os jovens representam menos de 30% da população.
Ao mesmo tempo, a população com 65 anos ou mais quase triplicou, passando de menos de um milhão de idosos para cerca de 2,5 milhões. Nesse espaço de tempo, Portugal tornou-se o país da União Europeia onde mais aumentou a população idosa e o terceiro onde mais se reduziu a população jovem.
Uma das grandes diferenças é o número de estrangeiros a viver hoje no país, que representa cerca de 7,5% do total de pessoas a residir em Portugal.
Se em 1974, a população imigrante era de apenas 32 mil pessoas, hoje são mais de 780 mil - aumentando 24 vezes. Um dos maiores aumentos visto recentemente foi na população asiática, que se multiplicou 425 vezes, sendo hoje composta por mais de 35 mil indianos, 23 mil nepaleses e quase 22 mil chineses.
Ao mesmo tempo, foi grande a saída de portugueses antes do 25 de Abril e em sucessivas crises, como nos anos 80 e, depois, entre 2011 e 2015. Observando o saldo migratório, Portugal viu entrar no país mais de 500 mil pessoas depois do 25 de Abril, valor que não tem comparação com nenhum outro período recente.
As mudanças na pirâmide da população também foram conseguidas devido ao acesso à saúde e à educação, que permitiu que os portugueses vivessem mais tempo e com maior qualidade de vida. Nestas cinco décadas, Portugal aproximou-se da esperança de vida de outros países da Europa, com os portugueses a ganharem 14 anos de vida neste período. Em 1974, viviam em média cerca de 67 anos. Em 2022, 81 anos.
O maior impacto entre 1974 e 2024 é sentido no número de crianças que morriam com menos de um ano de idade. Há 50 anos, Portugal era o país com a maior taxa de mortalidade infantil entre os países que formam a União Europeia, com 38 mortes por cada 1.000 nascimentos. Agora é um dos dez países com menos mortes de bebés - 2,6 por mil nascimentos, abaixo da média europeia.
Antes do 25 de Abril, em 1970, apenas quatro em cada dez nascimentos (38%) aconteciam em estabelecimentos de saúde. Atualmente, praticamente todas as crianças nascem em hospitais.
Mas grandes diferenças também se notaram no número de profissionais de saúde. Em 1975 existiam apenas 122 médicos por 100 mil habitantes, um número que quase quintuplicou, para 578 por cada 100 mil pessoas. O número de enfermeiros também disparou, de 159 para 783 por cada 100 mil habitantes.
Uma das grandes conquistas do 25 de Abril foi a democratização do ensino, em especial para as mulheres. Antes de 1974, um em cada quatro portugueses, cerca de 1,8 milhões, eram analfabetos - e dois terços deles eram do sexo feminino.
A percentagem caiu drasticamente e é hoje de 3%, e a grande maioria são idosos.
Além disso, quem ia à escola, poucos anos lá ficava. Três em cada quatro crianças não passavam do 4.º ano de escolaridade e apenas 5% chegava ao ensino secundário - hoje são quase 90%.
O mesmo para o Ensino Superior. Os dados só começam em 1978, mas nesse ano frequentavam universidades pouco mais de 80 mil alunos - hoje em dia são quase 450 mil.
Os anos passados nas universidades moldaram também aquilo que é hoje a família tradicional.
As mulheres casam-se quase 10 anos mais tarde do que se casavam em 1974: na altura, a idade média do primeiro matrimónio era de 24 anos para elas e de 26 anos para eles; hoje em dia é de 35 anos para os homens e de 34 anos para as mulheres.
A idade com que têm o primeiro filho também muda, evoluindo dos 24 anos em 1974 para os quase 31 anos em 2022.
E também têm menos filhos: o número médio caiu para metade, de 2,7 filhos para 1,4.
E, por isso, as famílias encolheram uma pessoa. Em média, a dimensão das famílias passou de 3,7 pessoas para 2,5.
As conquistas no mundo do trabalho e da proteção social ajudaram também à subida progressiva da riqueza gerada por cada português. O PIB per capita, ajustado à inflação, mostra que os portugueses são hoje cinco vezes mais ricos do que eram há 50 anos.
Ao mesmo tempo, o salário mínimo disparou, mas isso nem sempre significa que valha mais do que era em 1974. Os 3.330 escudos (que se traduzem em 16,5€) com o ajuste da inflação ao longo dos anos valeriam hoje 631 euros.
Isso significa que só em 2017, com o Governo de António Costa, é que o salário mínimo real, ou seja, já com o ajuste da inflação, ultrapassou o salário mínimo real que existia há 50 anos.
O país viveu também, ao longo dos últimos 50 anos, uma intensa modernização dos transportes. Os aeroportos são os mesmos, mas o movimento neles disparou, com seis vezes mais aterragens e 12 vezes mais tráfego de passageiros.
Além da construção de metros, os quilómetros de autoestrada aumentaram exponencialmente: em 1974 estavam construídos apenas 66 km, em Lisboa e Porto; hoje são mais de 3.100 quilómetros.
Ao mesmo tempo, o uso do comboio caiu e, com ele, desativaram-se mais de mil quilómetros. Eram mais de 3.500 há 50 anos.