11 jan, 2024 - 07:00 • Anabela Góis (Renascença) e Ana Maia (Público)
O excesso de mortalidade vai continuar nas faixa etárias a partir dos 45 anos devido à "grande atividade gripal", afirma a diretora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público.
Rita Sá Machado faz um apelo à população para que se vacine contra a gripe sazonal e a Covid-19.
Nesta entrevista ao programa Hora da Verdade, numa altura em que a afluência às urgências é elevada, a diretora-geral da Saúde considera que “o reforço dos serviços locais de saúde pública tem de ser feito”.
Continuamos com o excesso de mortalidade nos grupos etários acima dos 45 anos. É de esperar que esta situação ainda se mantenha?
Os atuais dados que temos em relação às infeções víricas, incluindo a gripe A, e o número de óbitos ainda nos continuam a preocupar. É previsível que esta semana ainda não tenhamos a descida de que estamos à espera e iremos manter um excesso de mortalidade nos 65 mais e também nos 45-64 anos. É importante olharmos para estes dados no atual contexto das infeções respiratórias víricas em Portugal, do facto de ainda estarmos numa altura de grande atividade epidémica. Ainda temos um grande número de infeções respiratórias víricas e, por isso, ainda estamos numa altura que nos traz preocupação do ponto de vista de saúde.
Como é que se explica esta mortalidade em grupos etários mais jovens?
Estamos a fazer uma análise destes óbitos. Na questão dos óbitos é importante olharmos ao facto de estarmos, e de termos tido, um período de frio extremo e extenso. Por outro lado, tivemos também esta grande atividade gripal. Não é pouco relevante olharmos para o subtipo do vírus da gripe que está em circulação, que é o subtipo H1. Podemos ter maior número de infeções naquilo que são as faixas etárias mais jovens e também alguma doença grave nos mais jovens. Isto é uma análise ainda preliminar, sendo que a análise está a ser feita e será também feita mais no final da época gripal.
Taxa de vacinação contra a gripe para os maiores d(...)
Esta variante está incluída na vacina deste ano.
Está. Por isso é tão importante que as pessoas se vacinem. Não é importante só preparar os serviços para a vacinação, é também importante esta consciencialização de que a população tem de fazer a vacinação. Tal como acontecia nos tempos de pandemia e antes disso e agora ainda mais.
Mas, neste momento, a cobertura vacinal contra a gripe está abaixo daquilo que seria o esperado. Temos menos de 63% da população com mais de 60 anos vacinada. O que falhou?
Uma nota relativamente aos dados. Estamos a fazer comparações com 65 [anos e] mais e agora estamos a olhar para os 60 mais. Se compararmos este ano com o mesmo período do ano anterior, a única coisa que temos de diferente são cerca de 3 pontos percentuais abaixo.
Ainda assim, o número de pessoas é bastante.
Sim, mas nós este ano tivemos o maior número de sempre de vacinas inoculadas do vírus de gripe.
O grupo etário também é maior.
É por isso mesmo que temos de encadear toda a informação da melhor forma. Um outro ponto importante é percebermos que a campanha de vacinação ainda não acabou. Diria que as próximas duas semanas vão ser as semanas fundamentais para que a vacinação ocorra.
"É tão importante que as pessoas se vacinem. Tal como acontecia nos tempos de pandemia e antes disso e agora ainda mais"
A estratégia de alargamento da vacinação da gripe nas farmácias comunitárias está a resultar?
Tínhamos um grande desafio no início da campanha de vacinação. Estávamos a sair de um período pandémico e, do diálogo com outros países europeus, já estávamos à espera de uma hesitação vacinal ou até uma fadiga vacinal, fruto de três anos muito intensos de vacinação e de outras medidas de saúde pública. Neste sentido, para também melhorar o acesso, houve este alargamento para as farmácias.
É importante referir que os cuidados de saúde primários continuam a ser um ponto importante nesta campanha de vacinação. Aquilo que temos visto é que existe uma adesão da população portuguesa à vacinação nas farmácias, mas no final da campanha de vacinação vamos fazer uma avaliação mais profunda para ver o que correu menos bem, o que correu melhor e adaptar para a época seguinte.
No ano passado, por esta altura, as vacinas que não foram dadas aos grupos de risco foram oferecidas às pessoas mais jovens. Isso também vai acontecer?
Existe essa opção, estamos a pedir aconselhamento à comissão técnica de vacinação sazonal. Aquilo que pretendemos é assegurar que não há risco e, mal tenhamos esse aconselhamento, iremos dar luz verde para que seja feito esse alargamento.
Qual é o risco?
As vacinas são seguras para toda a população, mas em Portugal, como noutros países, em campanha de vacinação sazonal e em campanha de vacinação maciça, utilizamos os 60 mais. É só a componente científica estar blindada e aí avançaremos.
Foi aprovada uma vacina para os adultos contra o vírus sincicial respiratório. A DGS está a estudar a possibilidade de recomendar esta vacina para as pessoas mais velhas?
Estamos a fazer o estudo daquilo que é uma imunização relativamente ao vírus sincicial respiratório. Temos de olhar desde as crianças até ao idoso, passando por todo o ciclo de vida. Não podemos implementar uma medida sem termos a certeza que estamos a fazer aquilo que é o melhor enquanto sociedade, aquilo que é rigoroso, fiável e exequível do ponto de vista de serviços de saúde. Estamos a aguardar um estudo de custo-efectividade do Infarmed e depois a Comissão Técnica de Vacinação irá dar o seu o seu parecer final para consideração e depois então será tomada uma decisão.
Há muito tempo que se aguarda o relatório sobre a mortalidade materna, que em 2020 foi bastante alta. Quando é que este relatório vai sair?
Não consigo dizer uma data específica. É fundamental perceber que cada óbito para nós é relevante e se, olharmos para os óbitos maternos, ainda mais relevante, porque em saúde pública sempre os estudamos como eventos sentinela. São eventos que nos preocupam.
Porque podem servir de alerta para o funcionamento dos cuidados de saúde?
Pode servir de alerta para muito mais do que isso, mas também para os cuidados de saúde. Dá-nos um alerta global. A mortalidade infantil olha também para aquilo que são as condições socioeconómicas do país e a mortalidade materna está a olhar para o percurso da mãe em todos os cuidados de saúde, mas também pode ter em conta aquilo que são outras condições mais do foro ambiental. Já havia um estudo, estamos a olhar para ele. Aqui temos de ter alguma praticidade e, por isso, também já estamos a ver se há algum tipo de referencial para a saúde materna que necessita de ser atualizado.
Portanto, o estudo já está feito.
Sendo mais concreta, foi um dos pontos que já solicitei. Ainda está a ser ultimado e diria que, até ao final do primeiro trimestre deste ano, deveremos ter resultados desse estudo. Mas também algumas recomendações com base naquilo que foi encontrado.
E o mesmo para a mortalidade infantil.
O mesmo para a mortalidade infantil.
O programa prioritário das doenças oncológicas estava a fazer uma revisão da idade para o início do rastreio do cancro da mama. Vai avançar?
No dia 27 de Dezembro houve um despacho que deu robustez a uma estratégia nacional para a luta contra o Cancro 2020/30. Dentro dessa estratégia, temos um grupo focado apenas em rastreios. Vamos ter uma componente normativa da DGS e uma operacionalização dos rastreios ligados ao programa, mas na ótica da direção executiva.
No âmbito da parte normativa, até ao final do mês, vai sair a primeira norma de rastreio. Quanto ao da mama, a norma vai sair até ao final até ao final de Abril vai sair a norma - é assim que está planeado -, onde irão ser contempladas as faixas etárias que vão ser abrangidas.
Os 45 anos?
Não estou a dizer que vão ser essas faixas etárias. Neste momento ainda está em discussão.
"O reforço dos serviços locais de saúde pública tem de ser feito"
Disse que queria modernizar a DGS. Quais são os grandes objetivos estratégicos que tem?
Este objetivo de modernizar a saúde pública é um objetivo que vai a todas as suas áreas. Pela primeira vez temos uma diretora-geral da saúde abaixo dos 45 anos e por isso também deveremos aproveitar esta ótica de mudança, este impulso para trazer algumas diferenças. É uma modernização na parte da qualidade, naquilo que são as emergências em saúde pública, naquilo que é a promoção da saúde e prevenção da doença e da informação e análise.
Desde que tomei posse houve alterações na organização do sistema de saúde. Isso vai ter um impacto na forma como implementamos os programas de saúde que temos e que são a grande força motriz da saúde pública. A saúde pública de âmbito local está sediada nas Unidades Locais de Saúde e também está a sofrer a sua reorganização. Alguns dos objetivos que tinha inicialmente foram-se enquadrando neste novo paradigma.
É importante salientar que a DGS olha para todo o sistema de saúde, mas os nossos braços são fundamentalmente a saúde pública. E essa saúde pública não se faz sem reforço, quer ao nível nacional quer ao nível da local. Aquilo que propomos fazer, em termos da reestruturação do nosso trabalho a nível da preparação e resposta a emergências na saúde, só se faz se também for feito este reforço.
Mas esta divisão de poderes com a Direção Executiva do SNS não acaba por desvalorizar a DGS?
Nós, DGS, temos um bom relacionamento com a Direção Executiva, tal e qual temos com outras estruturas, dentro e fora do Ministério da Saúde. A DGS tem o seu papel técnico-normativo e um papel também de coordenação dos programas de saúde. E a Direcção Executiva é um parceiro essencial e fundamental naquilo que é a operacionalização e implementação. Não vejo isto como como tirar poderes, mas sim como um trabalho conjunto.
Este modelo organizativo em ULS vai ajudar a saúde pública, vai-lhe dar um lugar ou, pelo contrário?
A saúde pública tem um objetivo populacional e não individual e assistencial. Esta reorganização do Serviço Nacional de Saúde tem como grande objetivo a melhoria dos cuidados assistenciais. Diria que a saúde pública vai ser um parceiro importante. Terá de encontrar o seu lugar, todos nós, em conjunto, vamos ter de encontrar esse lugar da saúde pública dentro das ULS. Penso que esse lugar irá ser encontrado e rapidamente irão perceber a mais-valia de terem a saúde pública dentro das ULS.
Direção-Geral da Saúde faz recomendações à populaç(...)
Tivemos várias comissões para a reforma da saúde pública, que apresentaram documentação, e a reforma continua parada.
Acho que ainda devemos e ainda é possível fazer este passo. Com o atual contexto político, penso que não iria ser feita a reforma agora. Aquilo que é importante é que, quando a vier uma nova legislatura, consigamos colocar este tema como prioritário.
Qual é o número de recursos humanos da DGS?
Temos entre 160 a 170 pessoas. Este é o quadro atual da DGS.
E é suficiente?
Não estão todos ocupados. Temos algumas chefias ainda para integrar. Temos dois concursos para subdiretores gerais que já foram solicitados, mas que ainda não estão abertos. Temos felizmente um subdiretor-geral em substituição. E temos também outros lugares de chefia fundamentais que ainda não estão [ocupados] e que vão abrir muito em breve. Os recursos humanos são importantes.
Por vezes é difícil atrair talento para a DGS e isto tem a ver com diferentes fatores. Não é pela missão da DGS, que eu acho que é uma missão nobre, mas é difícil pela questão mais relacionada com a parte administrativa da função pública. O intuito é tentar ver de que modo podemos fazer mais e melhor na atração de talento e fazer uma proposta exequível para conseguimos atrair talento e gerir esta mudança.
Que compromissos gostava que o próximo Governo assumisse relativamente à saúde pública e à DGS?