07 nov, 2023 - 18:36 • Diogo Camilo
As explorações de lítio em Montalegre e em Boticas estão no olho do furacão da investigação do Ministério Público que culminou na demissão do primeiro-ministro, António Costa, e colocou o ministro das Infraestruturas, João Galamba, como arguido.
O caso já levou à detenção de cinco pessoas, incluindo Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro, o empresário Diogo Lacerda Machado, consultor de Costa, e o presidente da Câmara de Sines. Em causa estão alegados crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influência.
Após buscas no Ministério do Ambiente e no Ministério das Infraestruturas, a Procuradoria-Geral da República confirmou estar a investigar factos relacionados com as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano, em Montalegre, a cargo da portuguesa Lusorecursos, e do Barroso, em Boticas, da britânica Savannah Lithium.
Ambas receberam, embora com condicionantes, “luz verde” da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para avançarem com os projetos, mas foram muitos os obstáculos e voltas pelo caminho.
Alvo de inquérito do Supremo Tribunal de Justiça, (...)
O primeiro projeto exclusivo à exploração de lítio em Portugal foi assinado a 28 de março de 2019 e causou muita polémica.
O acordo de concessão de 380 milhões para a Mina do Romano foi aprovado pelo então secretário de Estado da Energia, João Galamba, e pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e deu os privilégios de exploração por 50 anos (20 mais 35 com renovação) à Lusorecursos Portugal Lithium, uma empresa que tinha sido constituída três dias antes da assinatura e com um capital de 50 mil euros.
O contrato passou ainda por quatro níveis de hierarquia da Direção-Geral da Energia e Geologia (DGEG), incluindo o diretor-geral e a subdiretora-geral da energia.
Envolvido como consultor financeiro da Lusorecursos no processo estava, desde dezembro do ano anterior, Jorge Costa e Oliveira, antigo secretário de Estado da Internacionalização e amigo pessoal de António Costa, que acabou afastado do Governo após a polémica com convites da Galp para assistir a jogos do Euro 2016, na qual também esteve envolvido Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa.
Segundo a RTP, no programa Sexta às Nove, dois dias antes da assinatura do contrato, a 26 de março, Galamba e Matos Fernandes foram avisados por Nuno Cardoso, antigo autarca do Porto, para as ilegalidades do processo.
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Na altura, o então líder do PSD, Rui Rio descreveu mesmo que o negócio entre o Estado e a Lusorecursos em Montalegre “cheirava a esturro”.
Chamado com urgência ao Parlamento para explicar o negócio, Galamba defendeu que o contrato de prospeção tinha sido assinado em 2012, atribuído por PSD e CDS, quando Pedro Passos Coelho era primeiro-ministro, e que “teria cometido um crime” se tivesse revertido o despacho que aprova a concessão de exploração de lítio em Montalegre.
Já Matos Fernandes considerou que o processo era “cristalino” e que "só por estultice ou por má-fé” se podia usar “o argumento da juventude da empresa que assinou o contrato”.
“Diz o líder do PSD que o processo lhe cheira a esturro. Só posso fazer-lhe uma sugestão. Que desligue o forno, pois o empadão de mentiras que inventou, feito de sobras dos jantares de sexta-feira à noite, esturricou”, afirmou o então ministro.
Nascido à esquerda, chegou a pensar que nunca cheg(...)
No programa Prós e Contras, da RTP, Galamba indicou que o Governo foi “obrigado” a dar a concessão da exploração de lítio em Montalegre à Lusorecursos e que, caso o Estudo de Impacte Ambiental fosse chumbado, o negócio seria inviabilizado.
No entanto, a empresa que ganhou a exploração do minério não foi a mesma que conseguiu a prospeção, tendo sofrido uma reestruturação e mudança de nome.
O principal acionista da Lusorecursos Portugal Lithium era Ricardo Pinheiro, que enviou um email para os serviços da DGEG a indicar que a empresa que iria assinar o contrato teria uma nova designação, embora documentos que faziam parte do processo de avaliação do pedido já fizesse constar o novo nome da empresa.
O projeto perdeu a esperança quando, em março de 2021, a Lusorecursos apresentou um EIA “claramente insuficiente”, na opinião de Matos Fernandes, afirmando que via como “muito improvável” a possibilidade de Portugal vir a ter uma mina de lítio em Montalegre.
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No entanto, em agosto desse ano, o estudo foi reformulado, obrigando a Agência Portuguesa do Ambiente a reavaliar o processo.
Em setembro de 2023, a APA emitiu a Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável condicionada à mina do Romano, numa concessão que abrange uma área total de 825,4 hectares na zona da localidade de Morgade.
A proposta inclui uma exploração mista, a céu aberto e subterrânea, e prevê um período de vida útil de 13 anos, que pode vir a ser ampliado.
A investigação sobre os projetos de lítio e hidrog(...)
Em pleno Sistema Agro-Silvo Pastoril do Barroso, classificado como Património Agrícola Mundial da ONU, situa-se o projeto mais avançado de exploração de lítio em Portugal.
Com uma área de 70 campos de futebol (542 hectares), a mina de lítio a céu aberto no concelho de Boticas recebeu em maio deste ano uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável, por parte da APA, embora acompanhado de um “conjunto alargado de condicionantes”.
A empresa envolvida no negócio é a britânica Savannah Lithium, que surgiu em maio 2017 ao assinar um acordo de parceria com a Slipstream Resources, para o desenvolvimento de trabalhos de prospeção e pesquisa do potencial de mineralização do lítio na região. Em junho de 2019, passou a deter 100% da Mina do Barroso.
Investimentos de exploração de lítio envolvem 650 (...)
Esta foi a segunda tentativa de licenciamento por parte da Savannah, depois de ter submetido um estudo em junho de 2020 que, dois anos depois, recebeu um parecer "não favorável" da APA. O projeto foi entretanto reformulado e submetido a apreciação.
A estes volte-faces juntam-se vários pareceres negativos enviados durante a fase de consulta pública e protestos da população contra a exploração de lítio na região.
Um desses protestos envolveu o então secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba, que foi recebido por populares em fúria contra a exploração do lítio, antes de uma visita ao Centro de Informação de Covas do Barroso, em novembro de 2019.
Reportagem
Habitantes da aldeia de Morgade acreditam que a in(...)
A previsão inicial era de 500 milhões de investimento, que levariam à produção de baterias para 250 a 500 mil carros por ano, mas o plano de investimento atual fica-se pelos 260 milhões, com a criação de 215 empregos diretos de longo prazo e cerca de dois mil indiretos.
Ao Jornal de Negócios, esta terça-feira, o CEO da empresa indicou que espera concluir o processo de licenciamento até ao segundo semestre de 2024 para chegar o mais rápido possível à fase de produção, em 2026.
A faltar fica a apresentação à APA do Relatório de Conformidade Ambiental do Projeto de Execução (RECAPE), que incluirá os planos finais para o projeto com todas as condições da DIA, juntamente com as medidas e planos de monitorização ambiental a implementar durante as fases de construção e operação, de forma a cumprir todos os critérios estabelecidos pela DIA.