14 fev, 2023 - 16:50 • Fábio Monteiro
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Dois países: Portugal e Espanha. Dois salários mínimos nacionais: 760 e 1.080 euros. Duas localidades: a cidade de Castelo Branco e a vila de Valderde Del Fresno. A mesma cadeia de supermercados. E o mesmo cabaz de bens essenciais.
À partida, em qual destes dois sítios ficará mais em conta ir às compras?
Piedade Lopes, 61 anos, não tem certezas. A albicastrense acaba de sair de um Minipreço – Dia, situado na Avenida Humberto Delgado, com um saco nas mãos. Comprou maçãs, laranjas, tomates, quatro pães e dois litros de leite.
“Quando a gente faz as compras de detergentes, bolachas, cereais, nota-se logo que o mesmo saco de compras custa mais um bocado [por comparação com os preços de há um ano]”, diz, enquanto mostra o talão à Renascença. Ao todo, gastou menos de sete euros.
A albicastrense não tem por hábito ir fazer compras a Espanha. Sabe pelas notícias, como muitos portugueses que moram perto da fronteira, que há bens mais baratos – como as botijas de gás – do outro lado.
Sabe também que os salários, ultrapassada a linha que divide as duas nações ibéricas, são diferentes. Por isso, arrisca dizer: “Se fosse a Espanha, era capaz de ser mais barato. Ou se fossem os mesmos preços, em relação aos vencimentos de lá, torna-se mais económico. As pessoas ganham mais.”
A cerca de 70 quilómetros de Castelo Branco, na vila espanhola fronteiriça de Valverde del Fresno, há um supermercado da mesma cadeia. E aí a previsão da albicastrense comprova-se.
A diferença de preços dos bens essenciais entre Portugal e Espanha é, na maioria dos casos, da ordem dos cêntimos. Mas alguns produtos fogem um pouco à regra.
O quilo das maçãs Golden, que em Castelo Branco custaram 1,99 euros, em Valverde fica 20 cêntimos mais barato; o quilo da mesma variedade tomate custa menos 70 cêntimos. O pacote de leite é quatro cêntimos mais caro, as laranjas sete cêntimos mais caras. E o preço do pão espanhol é praticamente o dobro do português.
De acordo com um comparativo recente da MAGG, um cabaz de bens, que em Portugal custe cerca de 35 euros, em Espanha é 3 a 4 euros mais caro.
Esta quase equivalência de preços, para José Martin, 55 anos, não é uma surpresa.
“Um produto pode ser mais barato que outro, mas no conjunto, nos produtos básicos, penso que não há uma grande diferença. Mesmo quando vamos comprar alguma coisa a outro tipo de lojas não se vê grande diferença de preços”, diz o espanhol, que costuma fazer compras e passar férias em Portugal.
Em dezembro do ano passado, o Governo espanhol – para fazer face ao aumento do custo de vida provocado pela inflação – decidiu eliminar a taxa de IVA a 4% sobre os bens essenciais. Essa medida, contudo, não parece estar a repercutir-se no bolso dos consumidores.
“São políticas que não se refletem na realidade. Baixar uns cêntimos… A maior parte dos estabelecimentos não repercutiu essa mudança nos preços para os clientes. São os mesmos preços ou, inclusive, aumentaram”, acusa.
A mesma opinião foi expressa na Renascença pelo economista João Duque.
"O que acontece é que, muitas vezes, verifica-se uma pequena descida, mas que depois, às vezes até tem efeitos perversos. Por exemplo, já se verificou que, em determinados mercados, houve descida de preços imediata com um aumento da procura porque os preços ficam mais baratos", disse, esta terça-feira, no seu espaço de comentário em antena.
De acordo com a DECO Proteste, desde o início da guerra na Ucrânia, o preço de um cabaz de bens essenciais aumentou 22,5%. Em Espanha, os últimos cálculos da congénere espanhola da DECO, a OCU, apontam uma subida de 15,2%.
António Pascoal, espanhol de 57 anos, vê com espanto uma cópia do talão de compras de Piedade Lopes. “Aqui [em Espanha] o pão é muito mais caro, o leite é mais caro também”, começa por comentar. Mas depois passa a fazer outro tipo de contas.
A principal diferença entre Portugal e Espanha não está nos preços dos supermercados, mas nos rendimentos, defende.
O salário mínimo em Portugal está, neste momento, nos 760 euros. Em Espanha, por sua vez, subiu recentemente para 1080 euros. Ou seja, uma diferença de 320 euros, quase metade do salário mínimo nacional.
Isto faz com que, por comparação com Espanha, o peso da compra de bens essenciais pese muito mais no bolso dos portugueses. “Não sei como é que é possível sobreviver em Portugal com esse salário”, atira.
A dúvida de António é partilhada por muitos portugueses. Principalmente, quando olham para o talão do supermercado.