Reportagem

Em Penedono são elas que chefiam

27 jul, 2022 - 07:25 • Liliana Carona (texto e fotos)

No concelho de Penedono, em Viseu, são mais as mulheres a ocupar cargos de chefia na administração pública, nas coletividades, nas instituições bancárias e noutros setores. A exceção à regra estende-se até às forças de segurança. Num país que mantém profundas desigualdades entre homens e mulheres também no mundo laboral, "Penedono mostra que não é uma questão de género".

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Em Penedono são elas que chefiam Reportagem de Liliana Carona
Cristina Ferreira, autarca de Penedono, gostava de ver mais mulheres na política local. Clique para ouvir a reportagem

Na taberna da fonte, a mais antiga da vila de Penedono, não se encontra nenhuma mulher, apesar de aqui, segundo o último Censos, viverem 1.446 mulheres, mais 154 do que os 1.292 habitantes do sexo masculino. Não só isso como, neste concelho do distrito de Viseu, há mais mulheres do que homens a ocupar cargos de chefia.

À chegada à taberna, os homens que encontramos já sabem que o assunto que ali nos traz dá que falar e lançam-se num debate.

"Está à vista de quem quer ver, sim, são mais mulheres a chefiar", garante um dos clientes ao balcão.

"Dirigem mal às vezes, as mulheres nunca souberam mandar...", atira outro.

"Há uma grande percentagem de mulheres a chefiar? Não será assim", remata um outro morador, acabado de se sentar.

Mas é assim. Em Penedono são mais as mulheres a ocupar cargos de chefia na administração pública, nas coletividades, nas instituições bancárias e noutros setores.

Clara Caetano, 52 anos, é gerente da Caixa Geral de Depósitos de Penedono há seis anos, um cargo que acumula com o de presidente da Assembleia Geral dos Bombeiros. "É-nos reconhecido, de facto, o nosso valor, talvez porque uma grande parte das mulheres daqui estudou", tenta justificar, confirmando que, "na região de Viseu, somos maioritariamente mulheres como gerentes bancárias".

"Como gerente, acho que nós mulheres somos um bocadinho mais sensíveis que os homens, até na liderança dos colegas, ligamos mais à parte emocional. E na parte social com os clientes temos uma sensibilidade diferente", assegura, antes de rematar:

"Claro que ainda há estigma e preconceito, mas na minha atividade como gerente de um banco, não sinto preconceito nenhum."

Nos anos 80 nem todas iam à escola

Os dados mostram que Penedono é um caso raro no panorama da igualdade de género em Portugal.

De acordo com a edição 2021 do Boletim Estatístico da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género , no que diz respeito à percentagem de mulheres nos órgãos dirigentes superiores na administração local, em 2020 as mulheres estavam sub-representadas em todos os cargos de dirigentes superiores , tanto de 1.º como de 2.º grau, sendo a chamada "taxa de feminização" apenas de 26,4% e 37, 5%, respetivamente.

O boletim aponta que, na administração local, não se atingiu sequer o limiar mínimo de representação estipulado por lei em nenhum cargo de chefia de direção superior. As mulheres ainda se encontram sub-representadas nas presidências dos órgãos executivos do poder local (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia) e a taxa de feminização dos eleitos(as) para as presidências de câmara continua a não ter muita expressão (10,5% em 2017). Já a presença de mulheres nos conselhos de administração das maiores empresas cotadas em bolsa marca outro mínimo, de 26,6%.

Em Penedono, os rácios são outros e o caso de Clara Caetano não é único. Umas estudaram Gestão, outras Finanças, outras Direito, como Ana Carvalho, 47 anos, chefe da Conservatória local, que dá graças pela evolução dos tempos.

"Creio que hoje a desigualdade de género está mais diluída. Lembro-me que, quando fui estudar, havia colegas cujos pais mandavam os filhos para o liceu e as meninas não iam. Isto em 1985."

"Já estou como chefe desde 2006, a equipa está desfalcada, como todos os serviços de notariado desta zona e do interior do país, já que não entra ninguém nestes serviços há 22 anos", partilha a conservadora de registos da Conservatória do Registo Civil e Predial de Penedono. "Estamos a trabalhar nos limites dos limites, a conservatória de Penedono tem um quadro de três pessoas e neste momento tem duas." O mesmo se passa, adianta, em Trancoso, em Sernancelhe, Aguiar da Beira e Vila Nova de Paiva. "O interior está a ficar completamente esquecido e ostracizado", lamenta.

Neste quadro de desertificação, Ana Carvalho não deixa de notar que o único cartório que ainda existe na vila, entretanto privatizado, terá também uma mulher como chefe. "Aqui à volta, a maior parte das conservatórias é dirigida por mulheres. O distrito de Viseu terá três senhores conservadores."

“É preciso retaguarda familiar”

Cristina Ferreira, 48 anos, foi eleita presidente da Câmara Municipal de Penedono nas últimas eleições autárquicas, em 2021. Natural do concelho de Penedono, casada e com uma filha, gostava de ver outras mulheres no mundo da política, embora reconheça constrangimentos.

“Às vezes há falta de oportunidade, outras vezes as mulheres não se candidatam a estes cargos porque ocupam a maior parte do tempo e das duas uma: ou temos uma grande retaguarda familiar que permite dar mais horas à Câmara e servir a população, o que significa que há dias em que se trabalha 24 horas por dia, ou torna-se muito complicado.”

Quase a cumprir um ano no cargo, faz um balanço "positivo" e diz admirar o concelho por estar a contribuir para a mudança de mentalidades.

"Penedono mostra que não é uma questão de género, mas de com quem se identificam mais. Significa que as pessoas têm uma mentalidade de encarar as coisas em função da pessoa e não do género. Aceitam bem e a prova é que fui eleita presidente de Câmara, com maioria."

Contudo, e apesar de destacar alguns outros casos de mulheres eleitas para cargos públicos na região, como em Tondela, não deixa de admitir a pouca representantividade das mulheres na política.

"Penedono está a ser chefiado por mulheres"

Em Penedono, são inúmeros os setores liderados no feminino. Vejam-se Patrícia Gouveia, que está à frente do Centro de Atividades Desportivas e Recreativas; Helena Mesquita, que dirige a Associação de Recriação Histórica de Penedono; ou Cidália Paulino, que chefia a Associação Recreativa Cultural de Antas. A representante da Associação das Freguesias do município é Suzete Flor. A gerente da Caixa Crédito Agrícola é Ana Paula Tenreiro. E a chefe do Serviço de Finanças é Donzília Conceição Gomes.

A representação das mulheres em cargos de chefia no concelho chega até às forças de segurança. Segundo a edição 2021 do Boletim Estatístico da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, as mulheres continuam muito sub-representadas entre o pessoal das Forças Armadas e das Forças Policiais.

Na GNR, por exemplo, há 20.073 homens para 1.614 mulheres, cerca de 8% do total. Mas aqui, desde 26 de abril deste ano e pela primeira vez, é uma mulher a comandar o posto territorial da Guarda Nacional Republicana.

"Nunca me senti posta de parte, porque ocupo esta posição por mérito próprio", assume a 1.ª sargento Carina Caria, natural de Sernancelhe. "Dou o melhor de mim para os meus quinze militares, tento sempre apoiá-los e estar também com a população."

Três meses depois de ter assumido o cargo, a militar diz estar "a ser bem acolhida e a gostar" da experiência e não nega o burburinho na vila sobre a presença de mulheres como ela em cargos de chefia.

"Reparei quando aqui cheguei", conta a sorrir. "Não tinha conhecimento quando soube que vinha para aqui, mas chamaram-me a atenção de que, atualmente, Penedono está a ser chefiado por mulheres."

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