22 jan, 2022 - 20:20 • Ana Carrilho
A crise pandémica inverteu o caminho de redução da pobreza trilhado até 2019. Esta foi a constatação da Conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz, que tinha este ano como tema “Pobres, Pobreza e Desigualdade”.
Tudo dependerá das políticas públicas que vierem a ser adotadas e do impacto que tiverem na recuperação económica que, na opinião do especialista Carlos Farinha Rodrigues, tem que ser mais inclusiva.
A implementação de uma Estratégia Nacional de Combate à Pobreza torna-se inevitável e tem que começar com as crianças, com o combate à pobreza infantil, cujo nível é superior ao da população em geral.
Apurar as causas, estabelecer complementaridade de políticas e medir o seu impacto na vida das pessoas, para a professora universitária Joana Silva, é fundamental. Algumas políticas públicas e sociais têm que ser alteradas e o seu resultado, monitorizado.
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Para organizações que estão no tereno para acudir aos mais vulneráveis, como a Cáritas, a resolução dos problemas não pode fugir da proximidade às pessoas.
A crise pandémica acentuou os fatores tradicionais de pobreza, mas trouxe outros novos que potenciam a pobreza e exclusão. Por exemplo, para os trabalhadores informais, que sem qualquer tipo de proteção social associada ao trabalho, com a paragem de atividade durante a pandemia, se viram sem rendimentos e sem apoios sociais. Serão muitos dos cerca de 228 mil que durante o ano de 2020 se juntaram aos 1,7 milhões de pobres do ano anterior, atingindo quase 1,9 milhões de pobres e um nível de pobreza de 18,4%, segundo os dados apresentados pelo INE – Instituto Nacional de Estatística – no fim do ano passado.
Este foi um ponto assinalado pelo professor e investigador na área de Pobreza e Desigualdades, Carlos farinha Rodrigues, na conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz, subordinada ao tema “Pobres, Pobreza e Desigualdades”.
Farinha Rodrigues frisou que os efeitos da crise foram profundamente assimétricos, não apenas ao nível sanitário, mas também do ponto de vista socioeconómico. “Os expressivos agravamentos da pobreza, privação, exclusão social e desigualdade social revelam a situação de fragilidade de uma larga percentagem da população portuguesa e a menor capacidade da economia e das políticas públicas para enfrentar uma crise profunda como a que vivemos”.
No entanto, para o especialista, a questão central é saber se a crise pandémica e as medidas que foi necessário adotar, representam uma efetiva inversão de tendência ou se é apenas um ponto de paragem do caminho que poderá ser retomado no futuro. “Claro que a resposta irá depender da evolução da pandemia e da qualidade das políticas públicas para assegurarem uma recuperação económica inclusiva no período pós-pandemia que permitam não somente recuperar a economia, mas igualmente evitar erros do passado em termos do modelo de proteção social, garantindo a todos a efetiva concretização dos seus direitos”.
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O economista Carlos Farinha Rodrigues deixa ainda um alerta:” esta crise deixa um lastro que nos vai acompanhar durante muitos anos, principalmente no sistrema de ensino”. E explica que o facto das crianças e jovens terem estado afastadas do sistema escolar por tão longos períodos em 2020 e 2021 vai ter impacto na igualdade de oportunidades e que mais cedo ou mais tarde se traduzirão num agravamento das desigualdades económicas e no potenciar de fatores acrescidos de pobreza e exclusão social.
Por isso considera que “esta crise mostrou bem a necessidade de um Estado Social mais forte, abrangente e eficaz”. Defendeu a implementação de uma Estratégia Nacional de Combate à Pobreza que tem que começar com o combate à pobreza infantil, com uma taxa mais elevada do que a da população em geral, mesmo antes da pandemia.
Para Farinha Rodrigues, a crise é também uma janela de oportunidades que só dependem da vontade política. Espera por isso que os decisores tenham capacidade de tirar lições e usar os ensinamentos da crise para criar um sistema mais eficiente, eficaz e resiliente no apoio à população, especialmente às pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade social.
Joana Silva, professora da Universidade Católica Portuguesa diz acreditar no poder de combater a pobreza. E para o fazer aponta três fatores decisivos: diagnóstico das causas, estabelecimento de complementaridade entre políticas e finalmente, a monitorização do impacto.
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A docente, especialista em desenvolvimento económico e economia do trabalho, chamou a atenção para o crescimento negativo do salário médio em Portugal nos últimos anos. E o para o facto de um terço dos pobres terem emprego, “o que desmistifica a ideia de que os pobres são pobres por escolha”.
Joana Silva referiu ainda o local onde cada um nasce, o meio socioeconómico e a inserção no mercado de trabalho como determinantes do seu futuro. Manifestou também preocupação com a pobreza infantil, mas especialmente dos jovens entre os 14 e 17 anos, que é mais alta.
Considera também importante ver como são redistribuídas as transferências sociais. No caso da resposta à pandemia, o governo adotou políticas fortes, mas centraram-se especialmente nos trabalhadores que estavam no mercado “formal” de trabalho. Os que dependiam do trabalho informal não tiveram uma resposta tão rápida nem ao mesmo nível.
Joana Silva fez questão de deixar uma informação específica do sobre o RSI – Rendimento Social de Inserção: “corresponde a 018% do PIB, um programa muito importante que abrange cerca de 200 mil pessoas. E se pensarem que 18,4% da população está em situação de pobreza, mostra que são muitos mais que 200 mil. Portanto, há muito a fazer”.
Para Joana Silva a redução das desigualdades pode ser feita através de impostos progressivos, acesso mais facilitado a serviços básicos, nomeadamente de educação e saúde, transferências sociais bem dirigidas e consolidação de políticas sociais.
O combate à pobreza, por seu turno, depende de estímulos à recuperação económica e ao crescimento mas também com politicas que deem prioridade à infância (com acesso a vagas de qualidade para os mais pobres, que vai além das vagas subsidiadas); às crianças, com mudança de foco e reforço dos apoios específicos aos mais desfavorecidos; aos jovens, com prevenção do abandono escolar através de transferências monetárias condicionadas para os mais pobres; e no caso dos adultos, assegurar a cobertura do rendimento mínimo, usando essa transferência com porta de entrada a apoios complementares como formação profissional, ajuda na procura de emprego, apoio ao empreendedorismo ou com creches onde deixar os filhos.
Para o docente da Universidade Católica, “para reduzir a pobreza, não basta gastar e é preciso monitorizar de forma diferente”. Por vezes, a taxa de falha é muito alta, o que considera normal porque faz parte do progresso. Mas frisa que quando se estabelece uma política é preciso pensar realmente para o que serve e ver se serviu para o que se queria.
“Fico muito contente se souber que uma política que é de transferências monetárias para os pobres, quem a recebeu foram os pobres. Mas também quero saber o que aconteceu à vida deles, quem conseguiu sair da pobreza, entre as pessoas que fizeram formação profissional acoplado às transferências, quais as que encontraram emprego na área em que foram treinadas. E sempre a focarmo-nos no impacto”.
As instituições que estão terreno conhecem bem a realidade e podem ser boas fontes de informação para quem decide. É o caso de organizações como a Cáritas, com uma rede em todas as dioceses do país e que tem estado, desde o primeiro momento da pandemia a ajudar quem mais precisa com apoio de continuidade, nomeadamente ajuda alimentar e apoios financeiros pontuais para despesas essenciais urgentes.
Pobreza e exclusão
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Rita Valadas, da Cáritas Nacional frisa que “houve um forte crescimento de famílias em situação de privação imediata”. Na conferência, fez questão de deixar oito alertas para a proteção social, nomeadamente a existência de vulnerabilidades cruzadas; a intensificação das privações; o direito (por cumprir) à habitação; o desencontro entre o rendimento e custo de vida; o risco laboral crescente da precariedade, trabalho sazonal e economia não declarada; a política de saúde mental (em modo de espera) e necessidade de afinação de respostas sociais.
Também a Irmã Maria José Gonçalves está no terreno. As Escravas do Sagrado Coração de Jesus trabalham com a população do Bairro da Fonte da Prata, no concelho da Moita. Um bairro multicultural, que não é de habitação social, com 900 casas e cerca de mil crianças.
Neste momento, a organização dá apoio à inserção social, com cerca de 2.500 atendimentos/ano; dá apoio diário no horário pós-escolar a cerca de crianças e jovens e apoio alimentar a 70 famílias, com a ajuda de voluntários e do Instituto de Segurança Social.
A Irmã Maria José Gonçalves sublinha também o empenho da autarquia e a mobilização da sociedade civil. E dá o exemplo de uma política social que teve forte impacto para as famílias do bairro: a redução do preço dos passes sociais. “Antes havia quem gastassem mais de 120euros/mês para se deslocara para o trabalho, o que é muito para quem ganha o salário mínimo ou pouco mais. Teve um efeito imediato no seu rendimento e ajuda-as a cobrir outras despesas, nomeadamente com a habitação. E lembra que há seis anos, quando chegou á Fonte da Prata, as rendas de casa rondavam os 200-250 euros e agora não há nada abaixo de 450-500 e até 600 euros”.
Na Conferência anual da Comissão Nacional Justiça e Paz participou também o bispo D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa e D. José Traquina, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Urbana.