28 set, 2021 - 06:15 • João Carlos Malta
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A cada direto televisivo na noite autárquica, quer fosse para dar conta da alegria de uma vitória ou da tristeza de uma derrota, assistia-se a uma constante: um número considerável de pessoas que não usava máscara. Isto apesar de todos estes festejos acontecerem em espaços fechados. O epidemiologista Manuel Carmo Gomes diz que não há nada pior do que recintos fechados com pessoas exaltadas para a transmissão da doença, e que os festejos de domingo terão consequências no número de casos da Covid-19 em Portugal.
Apesar de o fim da obrigação do uso de máscaras em espaços fechados − que tem algumas exceções em que essa obrigatoriedade se mantém − só deixar de estar em vigor a 1 de outubro, de norte a sul do país, e sem exceções partidárias, quem assistia aos resultados da noite eleitoral e às imagens das sedes de campanha verificou que, para muitos, as máscaras já fazem parte do passado.
Manuel Carmo Gomes, professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que integrou a comissão técnica de vacinação contra a covid-19 da DGS, defende que continua a ser recomendável a utilização de “máscaras em recintos fechados, onde não é possível manter a separação entre as pessoas”.
“Temos de perceber como o vírus se transmite e não há nada pior do que espaços fechados com muita gente a elevar a voz, à semelhança do que aconteceu na noite eleitoral”, acrescenta.
Carmo Gomes não tem dúvidas de que o que se passou na noite de domingo “é aquilo que causa episódios de transmissão e de infeção de várias pessoas num curto espaço de tempo”.
O especialista considera que este é um episódio que faz lembrar os festejos do título do Sporting. “As pessoas estavam entusiasmadas e focadas nas eleições e descuidaram-se”, alerta, ao mesmo tempo que avisa que “estão a dar isto como um problema já resolvido, quando não está nada resolvido”.
Para o médico, é claro que o que aconteceu na noite eleitoral “pode ter impacto na subida de casos”. Mas ressalva que “também é verdade que, em termos hospitalares, não tem o impacto que tinha antes da vacinação”.
“As pessoas podem ser infetadas, ter a doença suave, até assintomática, propagar a doença, mas estou convencido que não terá um reflexo hospitalar significativo. Agora vai promover a circulação do vírus, claro”, assegura.
O relaxamento em relação às medidas de etiqueta sanitária, como se viram nos festejos das vitórias autárquicas, deixa Carmo Gomes preocupado. “Hoje estava a olhar para os números do Rt e eles já estabilizaram e voltaram a subir. É natural que entremos num planalto de algumas centenas de casos por dia, porque não nos vamos ver livres do vírus tão cedo”, avalia.
"É um episódio que faz lembrar o Sporting [festejos do título]. As pessoas estavam entusiasmadas e focadas nas eleições e descuidaram-se. Estão a dar isto como um problema já resolvido, quando não está nada resolvido"
O mesmo especialista relembra que as vacinas são eficazes contra doença grave, mas têm um grau de proteção limitado.
A isto soma-se o país ter ainda os menores de 12 anos por vacinar, e que valem, nas contas deste médico, “aproximadamente um milhão e tal de crianças”.
“Mesmo admitindo que 25% já tenham sido infetadas, ainda temos 750 mil crianças que podem ser infetadas”, contabiliza.
Outra variável a ter em conta nesta equação, alerta Carmo Gomes, é a importação constante de casos para o país. A pandemia tem uma carga viral muito grande à escala planetária e “Portugal vai estar a receber casos importados, não sei se diariamente, mas pelo menos todas as semanas”.
“Isto é um problema de saúde pública que ainda não está resolvido”, alerta.
O mesmo professor explica que, doravante, o país vai evoluir gradualmente “para um paradigma em que a avaliação do risco é feito mais a nível individual, ao invés de serem dadas orientações gerais por parte do governo relativamente a como devemos proceder”.
Isso quer dizer que cada um tem de fazer a avaliação do risco. “Temos de perceber o nosso estado de saúde e se temos fatores de risco que promovem a infeção com doença grave”, avisa.
As pessoas em situação de risco e que, por força das suas circunstâncias, da sua profissão, têm de contactar com muitas pessoas em espaços fechados, o que acontecerá frequentemente no inverno, “devem proteger-se e manter as máscaras”. “Devem também manter o distanciamento, a higiene das mãos, etc...”, apela o epidemiologista.
Manuel Carmo Gomes olha para os acontecimentos da noite eleitoral e reflete: “Todos somos muito conscientes, mas há momentos em que nos descontrolamos um pouco com o entusiasmo das circunstâncias. Foi um pouco isso que aconteceu naqueles recintos onde estavam muitas pessoas entusiasmadas e sem proteção”.
O professor revela que no inverno, pelo menos, manterá todas as precauções. “Vou dar aulas, como todos os meus colegas este semestre, e vou estar em recinto fechado com dezenas de alunos. Embora não tenha fatores de risco, eu vou usar máscara. E vou estar atento se os estudantes foram vacinados”, revela.
O uso da máscara, para este médico, é eficaz para todas as infeções, nomeadamente a da gripe – doença para a qual as incógnitas, este ano, são ainda grandes.
“Avaliamos as estirpes de gripe que vamos ter no nosso inverno, olhando para o inverno do hemisfério sul. Nos meses do verão olhamos para a Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Argentina e este ano eles não tiveram gripe mais uma vez. Não sabemos bem se as vacinas que foram desenvolvidas para nos proteger este inverno são adequadas. Não há forma de sabermos isso”, remata.