08 set, 2021 - 23:16 • João Malheiro
Patrícia Soares, habitante da Margem Sul, pretendia viajar até Lisboa, esta terça-feira. No entanto, depois de ter pedido transporte através de uma aplicação, o motorista negou-lhe o transporte. O motivo? Patrícia levava um cão-guia, por ser invisiual.
Para agravar a situação, o mesmo aconteceu três vezes no espaço de uma hora.
"Quando o condutor chegou, recusou-se a transportar-me, por não querer levar o cão. Voltei a chamar outro carro e, novamente, a mesma situação. Numa terceira tentativa, outro motorista repetiu a mesma situação e ainda me queria cobrar mais dez euros, para cobrir custos de limpeza do carro", relata, à Renascença.
Este não é caso único. Rui Batista, antigo dirigente da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), conta que o mesmo lhe aconteceu, pela primeira vez, em 2015. Desde então, continua a ser recorrente negarem-lhe transporte por estar acompanhado por um cão-guia.
"Há três hipóteses: aceitam, sem problema; aceitam, mas reclamam; ou recusam mesmo. Os pêlos é a desculpa mais frequente, mas às vezes nem dizem nada e simplesmente vão-se embora, antes que possamos fazer queixa", conta, à Renascença.
O sindicato de motoristas TVDE explica, à Renascença, que a lei determina que a recusa de prestar serviço a clientes invisuais por causa dos seus cães-guia é ilegal e que "qualquer condutor tem de seguir a lei".
"O que está definido é que os cães-guia podem viajar na viatura, sem qualquer acondicionamento. Há animais que podem viajar só se estiverem devidamente acondicionados. No caso do cão-guia, não é necessário", explica.
Qualquer situação de incumprimento da lei "tem de ser denunciada" e "não pode ser admitida", indica ainda o sindicato.
A Uber, uma das plataformas visadas pelas críticas destes utilizadores, não confirma os relatos, mas lamenta qualquer possível incumprimento da lei.
"A Uber é uma plataforma inclusiva e temos um produto - o Uber Assist - disponível em todo o país e desenvolvido em parceria com a Associação Salvador, para utilizadores com mobilidade reduzida, pelo que lamentamos o sucedido. O regime jurídico do TVDE prevê que só possam ser recusadas viagens em condições muito específicas, pelo que a verificar-se um incumprimento da lei, esta situação poderá levar à suspensão da conta dos motoristas em causa", lê-se, num comunicado enviado à Renascença.
O Uber Assist é um serviço introduzido, em 2020, em Portugal, com transporte direcionado especificamente para clientes de mobilidade reduzida e que é recomendado para clientes invisuais.
Rui Batista lamenta que este serviço tenha "falta de oferta" de motoristas, o que torna muito difícil arranjar o transporte pretendido.
"Não consigo apanhar carros. A oferta é quase nula e acabo por desistir e apanhar carros do serviço regular", aponta.
O antigo dirigente da ACAPO afirma ainda que "não faz sentido um carro especial", porque a própria lei determina que todos os motoristas têm de transportar um utilizador que tenha consigo um cão-guia, uma opinião que Patrícia Soares também partilha.
"Sendo cega, não tenho condicionante. Não preciso qualquer adaptação, não vejo necessidade de pedir Uber Assist. Só vem criar mais confusão entre as pessoas, porque a lei é clara", diz, à Renascença.