25 jul, 2021 - 11:02
O funeral de Otelo Saraiva de Carvalho realiza-se na quarta-feira, antecedido pelo velório, na véspera, na Igreja da Academia Militar, em Lisboa, informou a Associação 25 de Abril. Num comunicado, a associação recorda o capitão de Abril, que morreu aos 84 anos, como um "homem de enorme coragem e generosidade".
Numa nota publicada no site da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa lembra que "Otelo Saraiva de Carvalho, que teve um papel central de comando no 25 de Abril".
"Um dos mais ativos capitães de abril, exerceu funções muito relevantes durante a revolução e candidatou-se à Presidência da República em 1976", diz Marcelo Rebelo de Sousa. Acrescenta que Otelo, afastado do poder na sequência do 25 de novembro de 1975, "viria a ser considerado, pela Justiça, envolvido nas FP25, condenado e amnistiado".
"É ainda cedo para a História o apreciar com a devida distância. No entanto, parece inquestionável a importância capital que teve no 25 de abril, o símbolo que constituiu de uma linha político-militar durante a revolução, que fica na memória de muitos portugueses associado a lances controversos no inicio da nossa Democracia, e que suscitou paixões, tal como rejeições", lê-se no site da Presidência.
"Consciente das profundas clivagens que a sua personalidade suscitou e suscita na sociedade portuguesa" o Presidente da República evoca-o como "o capitão que foi protagonista cimeiro num momento decisivo da História contemporânea portuguesa".
A nota relembra ainda o que disse no último 25 de abril acerca da aceitação que os Portugueses devem procurar construir, todos os dias, relativamente a sua História Pátria.
Por sua vez, uma nota publicada no site do Governo, refere a a honra e memória de Otelo "como um daqueles a que todos devemos a libertação consumada no 25 de Abril e, portanto, o que hoje somos".
"Otelo Saraiva de Carvalho foi o coordenador operacional da ação militar do Movimento das Forças Armadas, que, no dia 25 de abril de 1974, derrubou o regime do Estado Novo, pondo fim à mais longa ditadura do século XX na Europa e abrindo caminho à democracia", lê-se na nota.
A mensagem refere ainda "a capacidade estratégica e operacional de Otelo Saraiva de Carvalho e a sua dedicação e generosidade foram decisivas para o sucesso, sem derramamento de sangue, da Revolução dos Cravos. Tornou-se, por isso, e a justo título, um dos seus símbolos".
O histórico dirigente do PS Manuel Alegre, amigo de Otelo Saraiva de Carvalho, diz que falou recentemente com o coronel e que "sabia que estava muito doente".
O escritor e político recorda que o antigo coronel "coordenou o 25 de Abril, que é o dia da liberdade, e, por aquilo que fez nesse dia, ficará na história".
"Basta o que ele fez nesse dia para que ele fiquei sempre como o Otelo, o homem do 25 de Abril. E eu, como português e exilado que era na altura, estou-lhe grato por isso, por esse dia", acrescenta Alegre.
Fernando Rosas, historiador e antigo preso político durante a ditadura de Salazar, diz que "o que fica de Otelo Saraiva de Carvalho não são as FP25, é ele ser o comandante militar do movimento que derrubou a ditadura e abriu portas à democracia portuguesa, e é esse o papel fundamental que terá".
Fernando Rosas, fundador do MRPP, lembra Otelo como "um comandante operacional do 25 abril de 1974, depois ter sido um personagem com papel destacado como comandante do COPCON e líder de uma das correntes politicas importantes do processo revolucionário ligado ao poder popular que se demarcavam das outras que se moviam dentro do processo revolucionário", diz o historiador.
"O caso político do Otelo começa quando ele, alegadamente, se liga às FP 25, uma organização de caráter terrorista e por esse motivo é condenado em tribunal e depois amnistiado. De qualquer maneira, o que fica na História e na memória que se terá de Otelo é ele ser chefe militar do movimento do 25 de abril de 1974", acrescenta Fernando Rosas.
Ana Gomes considera que Otelo Saraiva de Carvalho "foi, sem dúvida, um herói do 25 de Abril", que se deixou mais tarde "instrumentalizar por uma organização antidemocrática e terrorista como as FP25”.
"Era um tático, foi fundamental para dar expressão ao pensamento, aos desígnios, dos grandes estrategas do 25 de Abril", afirma a ex-candidata à Presidência da República.
Otelo era um homem "prático e sem "ideologia", analisa Ana Gomes. "O facto de não ter esse pensamento, que outros tinham, explica que ele tenha depois, no ardor revolucionário, se tenham deixado instrumentalizar por uma organização antidemocrática e terrorista como as FP25”, lamenta.
O capitão de Abril, que na revolução utilizou o nome de código "Óscar", era "uma pessoa muito aberta, muito curiosa e simpática, mas também foram essas características e a falta de ideologias, de referenciais, que fizeram aliar-se a pessoas que tinham objetivos que não são aceitáveis em termos democráticos, terroristas”, sublinha Ana Gomes.
“E é isso que explica que os seus camaradas, os estrategas do 25 de Abril, se tenham sempre sentido inibidos de o condenar e até tenham ido a tribunal falar pessoalmente bem dele, desculpando-lhe esse lado exuberante e impetuoso que o levou a aliar-se às FP25”, recorda a ex-embaixadora em Jacarta.
"No momento do seu desaparecimento, e pelo seu decisivo contributo, é justo render-lhe a mais sentida homenagem", enalteceu.
A ativista política e médica Isabel do Carmo lamenta a morte de Otelo Saraiva de Carvalho: "Esta manhã [ao saber da notícia da morte] senti uma coisa, senti que acabou, que, com [a morte de] este homem, acaba também uma época, uma utopia. Senti isso, emocionalmente. Senti a perda, o desaparecimento. Já não vai ser possível falar com ele", afirmou Isabel do Carmo.
Catarina Martins descreve Otelo como "um dos obreiros do 25 Abril". "Conhecido estratega do golpe que nos devolveu a liberdade e isso é o mais importante no seu percurso", diz a coordenadora do Bloco de Esquerda em declarações à SIC durante uma visita à Quinta do Conde.
"Será lembrado como um libertador do nosso país e merece essa homenagem. Teve um percurso múltiplo e uma vida grande. Devemos-lhe a democracia e a liberdade", lembra Catarina Martins.
Carlos Zorrinho, antigo secretário de Estado dos Governos de António Guterres e de José Sócrates, diz que Otelo ficará "na nossa memória como um forte símbolo de Abril".
Nuno Gonçalo Poças, autor do livro "Presos Por Um Fio", e que recolheu um dos testemunhos mais recentes de Otelo, para a elaboração do livro, diz que o antigo revolucionário "sempre recorreu a essa narrativa de alguma 'injustiça' no processo que lhe tinha sido movido [por causa das FP25], mas com alguma satisfação pela amnistia que tinha alcançado e pela qual lutou".
"Não sei se se sentiria muito injustiçado, na perspetiva dele, pelo facto de não ter cumprido pena efetiva - e ter ficado apenas em preventiva no inicio do processo - não creio que tenha ficado com sentimento de injustiça relativamente ao processo", diz o autor.
"A tese que acabou por vingar durante muitos anos que ele não teria nada a ver com as FPP25, ou a dúvida que teria ficado, o deixava relativamente satisfeito. Julgo que ele tinha plena certeza que nunca seria recordado por ter dirigido uma organização terrorista que lutou contra a própria democracia", diz Nuno Gonçalo Poças.
O Partido Comunista Português refere que "de Otelo Saraiva de Carvalho deve registar-se no essencial o seu papel no levantamento militar do 25 de Abril". "O momento do seu falecimento não é a ocasião para registar atitudes e posicionamentos que marcam o seu percurso político", lê-se numa nota do gabinete de imprensa do PCP.
Uma nota do Chega refere que "não obstante a morte ser sempre um momento de dor e saudade, sobretudo para o círculo próximo, não podemos esquecer hoje o papel perverso e destrutivo que Otelo Saraiva de Carvalho teve no Portugal pós-25 de Abril, bem como a mancha de sangue que deixou durante esse processo histórico em que foi um protagonista fundamental".