Raquel Duarte

Desconfinamento. "Seria prudente esperar para ver o que vai acontecer nos próximos dias"

15 abr, 2021 - 06:30 • Cristina Nascimento (entrevista) , Inês Braga Sampaio (texto)

A médica pneumologista Raquel Duarte, especialista ouvida nas reuniões do Infarmed, diz à Renascença que a reabertura deve ser feita em função da evolução dos dados epidemiológicos e não de datas pré-definidas. Vacina tem permitido proteger os mais vulneráveis, no entanto "é preciso alguma cautela".

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A médica pneumologista Raquel Duarte avisa que os efeitos da primeira fase de desconfinamento e do fim de semana da Páscoa ainda não se sentiram, pelo que a melhor decisão seria aguardar antes de avançar para o levantamento de mais medidas de contenção da pandemia da Covid-19.

Em entrevista à Renascença, Raquel Duarte, uma das personalidades convidadas pelo Governo para desenvolver o plano de desconfinamento, sublinha que "seria prudente aguardar para ver nos próximos dias o que é que vai acontecer". Passos pequenos e certos, "de forma a garantir que o caminho é sempre em frente" e que não há planos riscados.

Raquel Duarte sugere que se avance de meta em meta de reabertura com base na evolução dos dados epidemiológicos, em vez de datar cada fase de desconfinamento, "porque ainda não estamos a ter uma visão adequada e completamente nítida do efeito quer do fim de semana da Páscoa, quer do levantamento das primeiras medidas restritivas".

"É evidente que estamos a falar da incidência, da transmissibilidade, mas também devemos olhar para o efeito da pandemia. Nesta altura, começamos a ter a população vacinada, a população de maior risco de formas graves da doença e de mortalidade já está a ser vacinada, portanto vamos ter menos efeito nos serviços de saúde. Estamos a testar mais. Há pouco tempo, fazíamos cerca de 30 mil testes por dia. Estamos a fazer cerca de 60 mil testes por dia, o que quer dizer que apesar de tudo também estamos a testar mais, estamos a detetar mais precocemente, a implementar as medidas de saúde pública, mas é preciso alguma cautela", sustenta a professora da Faculdade de Medicina do Porto.

A cautela poderá levar o país a dar passos seguros no desconfinamento, contudo, atrasará o processo e, por conseguinte, o dito regresso à normalidade. Raquel Duarte argumenta que, caso o levantamento de medidas seja cauteloso e acompanhado das habituais medidas de prevenção pública e individual, além de uma boa estratégia de vacinação, Portugal poderá "chegar em breve a uma vida quase normal".

Ajustar conforme os concelhos

O Governo tem aplicado medidas gerais a todo o país, embora vários especialistas defendam ação localizada. Raquel Duarte, ouvida nas reuniões do Infarmed, é um deles.

"Aquilo que foi sugerido, que foi sugerido desde o início e ainda ontem [quarta-feira] na reunião do Infarmed foi novamente apresentado, foi que a avaliação concelhia fosse baseada numa incidência ajustada ao tamanho populacional entrando em linha de conta não só com o concelho, mas também com os concelhos vizinhos", explica, de forma a que concelhos com menor população não sejam prejudicados.

O índice de transmissibilidade (Rt) voltou a subir na quarta-feira para 1,06 e os especialistas acreditam que Portugal poderá ultrapassar os 120 casos de Covid por 100 mil habitantes dentro de 15 dias ou um mês.

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, admitiu a hipótese de "eventual pausa e suspensão no processo de reabertura onde tal seja necessário".

Situações calculadas pela matriz de risco, que permite detetar, de forma precoce, variações preocupantes. Deve ser usada no sentido de "tomar atitudes mais cautelosas e preventivas", e não reativas. A intenção, insiste a especialista, é evitar chegar tarde e ter de recuar.

"Estarmos a incluir nessa matriz internamentos, cuidados intensivos ou até mortalidade estaríamos a incluir nessa matriz indicadores tardios. Não podemos estar à espera de voltar a ter unidades de cuidados intensivos sobrelotadas ou aumento de óbitos para tomar medidas preventivas", assinala Raquel Duarte, ouvida pela Renascença.

Vacina deve ser "de toda a gente"

A vacinação é uma das grandes armas contra a Covid-19. Ainda assim, Raquel Duarte assume que não há certezas de por quanto tempo protege a população, nem que não possa surgir uma variante do novo coronavírus que contorne as defesas oferecidas pela vacina.

"Aquilo que sabemos é que a vacina é eficaz e reduz claramente as formas graves da doença, tem um efeito óbvio na mortalidade. Vai ser preciso repetir a vacinação? Provavelmente. Irão surgir novas variantes? Muito provavelmente. No fundo, vamos ter é de continuar a encontrar armas. Se calhar, vamos ter de repetir a vacinação com alguma periodicidade que está ainda por determinar", admite.

A corrida à vacina tem gerado disputas entre países, tanto a nível mundial como, de forma mais localizada, na Europa e, até, na própria União Europeia, com alguns países a tentarem fugir ao plano.

Nesta entrevista à Renascença, a médica pneumologista Raquel Duarte alerta que, "enquanto houver vírus circulante, pode haver transmissão e pode chegar a qualquer lugar do mundo". Ou seja, urge pensar na saúde global e numa "vacina de toda a gente":

"Só quando pensarmos que a vacina tem de chegar a toda a gente a todo o mundo da mesma forma é que vamos conseguir resolver este problema. Não vale a pena sermos nacionalistas e falar da nossa vacina, da vossa vacina. A vacina tem de chegar a todo o mundo."

Na quarta-feira, foi aprovada, no Parlamento, a renovação do estado de emergência devido à pandemia do novo coronavírus até 30 de abril, com votos a favor de PS, PSD, PAN, CDS-PP e a deputada não-inscrita Cristina Rodrigues. Bloco de Esquerda absteve-se e PCP, PEV, Chega, Iniciativa Liberal e a deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira votaram contra.

Num discurso ao país, o Presidente da República salientou que 2021 "terá de ser o ano do início da reconstrução social" e fez um pedido aos portugueses, a propósito do 15.º estado de emergência.

"Mais um esforço para tornar impossível termos de voltar atrás, para que o estado de emergência caminhe para o fim, para que o desconfinamento possa prosseguir sempre com a segurança de que o calendário das restrições e os confinamentos locais, se necessários, garantem um verão e um outono diferentes", apelou Marcelo Rebelo de Sousa.

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