​Pandemia de covid-19 na União Europeia

Epidemiologista defende que critérios utilizados para impedir entrada de portugueses "são um erro”

19 jun, 2020 - 13:00 • Tiago Palma

Segundo Henrique Barros, “nenhum país constitui um risco". O presidente do Conselho Nacional de Saúde defende, em alternativa à aplicação de proibições e restrições, que é preciso “encontrar soluções que se baseiem num bom conhecimento, num bom fluxo de informação e numa capacidade de agir rapidamente, se necessário”.

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As fronteiras na União Europeia começaram a reabrir para Estados-membros ou países do espaço Schengen, mas com bastantes limitações – que podem ser consultadas no portal Re-open EU da Comissão Europeia –, sendo Portugal um dos mais afetados.

Os turistas nacionais estão, por exemplo, impedidos de viajar atualmente para oito países: Finlândia, Dinamarca, República Checa, Eslováquia, Áustria, Hungria, Grécia e Chipre. Em causa, estão critérios sobretudo de natureza epidemiológica, anunciam os respetivos Governos, nomeadamente o número de infeções registadas por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias – Portugal regista aproximadamente 44 infetados por 100 mil habitantes nas últimas duas semanas.

No caso da Dinamarca, por exemplo, apenas é permitida a entrada a viajantes de países com menos de 20 novos contágios por 100 mil habitantes, valores que pouco variam em relação aos demais países onde há proibição de entrada.

Por outro lado, há um total de nove países (Islândia, Reino Unido, Irlanda, Noruega, Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia e Bulgária), da União Europeia ou do espaço Schengen, que resolveram impor, igualmente tendo por base o número de infeções por 100 mil habitantes, restrições à entrada de cidadãos portugueses, nomeadamente a realização de quarentena obrigatória à chegada.




À Renascença, o epidemiologista Henrique Barros, que é igualmente presidente do Conselho Nacional de Saúde, órgão consultivo do Governo na gestão da crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, vê na decisão de impedir a entrada de turistas portugueses uma decisão de natureza mais política do que de saúde pública.

“O conceito de critério epidemiológico é qualquer coisa que entra agora nas necessidades políticas para resolver problemas que estão para lá das dimensões de saúde pública. É um conceito que não é tecnicamente comum, digamos assim. O problema das comparações do número de novos casos por um determinado número de habitantes, 10 mil, 100 mil ou um milhão, é que é tecnicamente um erro”, garante.

Segundo Henrique Barros, “estamos a aplicar a uma epidemia os critérios que usamos para compreender a dinâmica de doenças não transmissíveis ou, no limite, como se estivéssemos a falar de uma infeção com as características, por exemplo, da gripe”.

O epidemiologista ressalva que a Covid-19 é uma doença de “extrema heterogeneidade”. E explica: “Não há uma epidemia; há uma miríade de surtos, de epidemias locais, com características diferentes na natureza da transmissão, no impacto. E, portanto, não faz sentido nenhum usar uma medida, seja para avaliar o efeito da infeção num determinado país, seja para comparar entre países. É um equívoco e é tecnicamente errado. Não é assim que nós devemos avaliar tecnicamente a transmissão e a transmissibilidade de uma infeção”.

Como avaliar, então, o risco? O presidente do Conselho Nacional de Saúde garante, assertivo: “Nenhum país constitui um risco”.

“Isso é quase como colocar a resposta a uma doença, a uma infeção, que é uma resposta que tem de ser solidária, humana e internacional, numa lógica que opõe uma nação a outra, como se isto fosse uma espécie qualquer de guerra. É interessante verificar que mesmo com a vacina, que devia ser um bem comum, se está a colocar exatamente o mesmo problema: os países estão a fechar-se e a dizer ‘nós vamos tratar de nós’. Ora, essa lógica, perante uma doença, é pouco inteligente”, aponta.



Sendo Portugal (a par de Suécia, Alemanha, Polónia, Luxemburgo, França, Croácia, Itália e Bélgica) um dois países que levantaram as proibições, para efeitos de turismo, de entrada para cidadãos da União Europeia, o Governo português já reagiu com repudio às restrições às ligações aéreas no interior do espaço europeu, lembrando que “contrariam flagrantemente, não só o espírito de solidariedade entre países europeus, como também a decisão das instituições europeias”.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros, tutelado por Augusto Santos Silva, assegura igualmente que Portugal se reserva, agora, no direito de “aplicar o princípio da reciprocidade”.

Quanto aos números elevados registados no país, sobretudo os de infetados por 100 mil habitantes, o Governo, que garante que tem enviado “informação sistemática e atualizada” sobre a evolução da pandemia no país, explica-os da seguinte forma: Portugal “tem realizado muito mais testes do que a maioria” dos Estados-membros, o que aumenta, “naturalmente”, o número de casos detetados, e está a fazer “operações de rastreio em áreas geográficas e setores de atividade que podem revelar mais incidência” do novo coronavírus.

O Governo critica igualmente que se imponham restrições baseadas “num único critério”, esquecendo “todos os outros critérios tão ou mais reveladores da incidência” da doença.




Para justificar que a comparação por número de habitantes “não faz qualquer sentido”, enquanto critério epidemiológico, o epidemiologista Henrique Barros lembra que “é da mais elementar simplicidade olhar para os mapas e verificar que a doença não está distribuída homogeneamente pelas diferentes regiões geográficas”.

“Só isso chega para anular completamente essa comparação. Estamos a olhar para o lado errado do problema. Se você tiver mil casos numa cidade e dividir pelos milhões de pessoas no país, isso é igual a ter mil casos em seis cidades diferentes? Não faz sentido andarmos a discutir isto. Só nos retira a atenção daquela que deveria ser a nossa preocupação", adverte.

Para o presidente do Conselho Nacional de Saúde, “a preocupação deveria ser discutir a capacidade de identificar os casos, de os controlar localmente, termos um sistema de vigilância muito ativo e eficiente”. “Mas não: andamos entretidos nestas comparações de números”, critica.

“Se eu tivesse que viajar para qualquer país, qualquer lugar, o que me preocuparia, em primeiro lugar, seria qual a probabilidade de contactar com pessoas infetadas. Em que medida é que sou capaz de me proteger em relação à infeção? Isto não é um jogo solitário, não são os outros ou nós, mas também depende de nós a capacidade de nos protegermos. Depois, há outra coisa: em que medida é que cada sociedade tem capacidade de responder aos meus problemas se tiver problemas de saúde? E sobretudo, se eu infetar, como posso ser protegido e como podem ser identificados os outros com quem contactei em pouco tempo? Isso é que é o problema, como é que respondem as estruturas de saúde nos países”, explica.

Quanto aos restantes países onde turistas vindos de Portugal poderão entrar mediante a realização de quarentena, Henrique Barros considera-a uma medida “eficaz”. Mas defende que na “imensa maioria” das situações é desnecessária.

“A quarentena, do ponto de vista da eficácia, é inequivocamente eficaz. Mas a imensa maioria das pessoas que vai ficar de quarentena não iria precisar dessa quarentena. O que é estranho é que nós estejamos a usar os mesmos métodos de há sete séculos. E que não sejamos capazes de encontrar soluções que se baseiem num bom conhecimento, num bom fluxo de informação e numa capacidade de agir rapidamente se necessário", conclui.

Comentários
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  • Ivo Pestana
    19 jun, 2020 Funchal 14:59
    Os países são soberanos e decidem o melhor para os seus povos. Nada contra.

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