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Entrevista Renascença

José Gil. 25 de abril no Parlamento tem algo de "subtil e de aproveitamento político"

24 abr, 2020 - 15:55 • Luís Aresta

O filósofo, ensaísta e professor universitário reflete sobre a reação à Covid-19 e perspetiva comportamentos pós-pandemia. "Os portugueses confinaram-se, ao mesmo tempo por medo e por um certo sentimento de disciplina que têm. Não foi por solidariedade em relação aos outros", defende. Em maio, "o espaço fora de casa vai ser confinado, o que é muito esquisito".

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Há algo de “subtil “ e de “aproveitamento político" nas comemorações do 25 de Abril na Assembleia da República, considera José Gil. O filósofo, ensaísta e professor universitário discorda do ato solene no Parlamento e vê nele uma vontade de antecipar politicamente a abertura que se anuncia para maio.

Numa entrevista à Renascença, na qual reflete sobre a reação à Covid-19 em Portugal e no mundo, José Gil diz que os portugueses se confinaram por medo e não por solidariedade e que, em maio, irão encarar o regresso às ruas como se estivessem confinados fora de casa. O autor de "Portugal, Hoje: O Medo de Existir" (Ed. Relógio d'Água, de 2004), reconhece mérito na resposta dos serviços de saúde à pandemia, aponta falta de atenção aos lares e adverte que o ensino presencial é insubstituível.

Bolsonaro e Trump são colocados por José Gil no lado das "linhas de morte", por aquele que é por muitos considerado um dos maiores pensadores da atualidade. José Gil confessa amargura pela incapacidade dos políticos para operarem mudanças efetivas na sociedade. E confessa o seu maior receio - o de uma conjugação factual da crise pandémica, com a crise ecológica e com a recessão económica; algo que, reconhece, tem até dificuldade em pensar.

Os portugueses estão uma vez mais confrontados com o medo?

Sim, isso é evidente. O confinamento antecipado a que os portugueses se obrigaram antes das normas do Governo indica isso mesmo. Os portugueses confinaram-se, ao mesmo tempo por medo e por um certo sentimento de disciplina que têm. Não foi por solidariedade em relação aos outros, como se diz. Isso, com certeza que está na cultura portuguesa e também agiu mas, para mim, a primeira reação foi sobretudo por medo.

E há também um medo associado à incerteza do futuro?

Claro que há e vai-se ver quando abrirmos, no mês de maio. Vai acontecer em Portugal o que aconteceu noutros locais. Estou a pensar em imagens que já vimos de cidades chinesas; as pessoas saem à rua, mas com medo de contágio. Qualquer coisa sedimentou nestas semanas de confinamento - o medo do outro, o medo do espaço. Isto é muito importante, porque a vida normal é de conquista e de ocupação de espaço livremente e, não vamos tê-lo. O espaço fora de casa vai ser confinado, o que é muito esquisito. Vamos vivê-lo primeiro e ainda no confinamento.

Nesta crise pandémica, acha que temos olhado o suficiente para os nossos idosos?

Sim e não, claro. Acho que o trabalho que tem sido feito, com as insuficiências de recursos do sistema nacional de saúde que nós conhecemos, da falta de racionalidade científica que não tínhamos e que vamos adquirindo pouco a pouco, com tudo isso, o trabalho que se fez, no meu entender, é muito meritório. Tiro o chapéu, sabendo perfeitamente que há uma série de insuficiências, que os lares não foram suficientemente monitorizados, etc. Sei isso, mas somos um país que não tivemos, como os outros países, preparação nenhuma para isto.

Portanto, na sua opinião, a política, enquanto gestão do bem comum, tem-se comportado de forma positiva, é isso?

Sim. Evidentemente que podemos sempre falar deste ou daquele político que disse isto ou aquilo sem sentido, ou mesmo de algum aproveitamento político.

E como interpreta, neste contexto, as comemorações públicas do 25 de Abril?

Partilho a opinião de muitas pessoas. Não estou de acordo com a maneira como se comemora. Acho que, nomeadamente, as razões invocadas pelo presidente da Assembleia da República parecem-me injustificáveis e não têm sentido. Isto tudo poderia ser feito de maneira muito mais sóbria, ou não ser feito, o que não tirava nada à nossa democracia; de maneira nenhuma. Portanto, é uma questão em que há qualquer coisa de aproveitamento político, de antecipação à abertura que se anuncia, querendo-se já abrir através do parlamento. É qualquer coisa assim e subtil, que me escapa e não me escapa, ao mesmo tempo.

Grande parte da sua carreira é académica. Como olha para estes novos sinais do ensino à distância? Há aqui um mundo novo e uma oportunidade, ou pensa que, passada a crise pandémica, tudo vai voltar ao mesmo, nomeadamente no ensino básico e secundário?

O que lhe posso dizer é que, com certeza, vai haver uma modificação, um acréscimo do suporte tecnológico. Simplesmente, o que me parece é que também no ensino superior, mas sobretudo no básico e secundário, os meios tecnológicos ou a telescola não podem substituir as aulas presenciais. É impossível. A relação corpo a corpo, do "estar num espaço com", do olhar, a relação de compreensão por múltiplas pequenas perceções que o professor capta nos alunos e os alunos captam no professor, tudo isso é importantíssimo como sabemos; contribuem e são elementos fundamentais da aprendizagem e isso é insubstituível. Isto faz-me pensar noutros ramos. Por exemplo, porque é que se voltou ao ensino da matemática clássica; quando se quis introduzir a teoria dos conjuntos na aprendizagem, não deu, percebe? O formalismo radical não contribui para a aprendizagem, mas isso é uma longa discussão.

Esta semana assistimos a algo inédito, com o petróleo a cotar-se a valores negativos no mercado de futuros nos Estados Unidos. Fala-se em possíveis mudanças de paradigma. Como olha para tudo isto num plano mais global?

Aí há muita coisa a dizer. Não sou economista. Não posso falar-lhe de diferenças de paradigma. Os mais capacitados para o fazer dizem que vai haver uma enorme recessão. Será uma recessão que não será combatida pelo regresso ao trabalho, até porque a pandemia não terá sido vencida. E depois há uma coisa em que tenho de ter uma visão clara; paradigma, o que é? O paradigma não é um sistema. Há um sistema económico-financeiro em que vivemos, global, que tem um nome: é um novo tipo de capitalismo financeiro e isso é um sistema. Ele está enraizado em comportamentos ancestrais. Há quem defenda que o capitalismo corresponde à natureza humana, por causa da concorrência, da rivalidade ou da inveja, quer dizer sustenta-se em substratos de ações e comportamentos dos mais profundos - o desejo de dominar, de prazer explorando o trabalho dos outros, o desejo de glória, de ser o primeiro, etc. Mas há um sistema que se chama sistema capitalista.

E essa forma de vivermos não vai mudar...

Não vai mudar assim. Acho muito bem que se forjem, que se elaborem novos modelos, chamemos-lhes paradigmas, mas é preciso que esses modelos mudem o sistema capitalista, que não vai mudar, porque conhecemos a extraordinária capacidade, poder de regeneração, de autotransformação do capitalismo. Nós vamos passar para o capitalismo numérico, um conceito que vem de economistas franceses, por exemplo.

Nomes como Jair Bolsonaro ou Donald Trump, o que lhe dizem neste momento?

Significam imediatamente que há qualquer coisa de incompatível entre o populismo rasteiro - e Trump só não é rasteiro por ser presidente do país mais poderoso do mundo - e o lidar com o que aquilo que a pandemia exige no imediato. E o que exige a pandemia? A solidariedade, o reconhecimento de uns pelos outros, a ação conjunta. Tudo isso, eles não sabem fazer. Não sabem o que fazer. Eles só sabem fazer outra coisa, que é entrar em cenas de conflito, com a burrice dos “bolsonaros”, etc. Isso é imediatamente visível e eles não se adaptam. Por mais máscaras que ponham, por mais biliões de dólares que Trump distribua pela população americana não consegue entrar na corrente de solidariedade que é exigida. Eu não digo que ela não exista. Pode existir aqui e ali, em relação a médicos, a enfermeiros, a bens, etc., mas não é generalizada, infelizmente não envolve a sociedade inteira. Mas eles não sabem lidar com isso e estão no lado das linhas de morte, quero dizer, das linhas anti solidariedade, anti vida e anti entreajuda.

Para concluir, qual é nesta altura o seu maior receio, a sua angústia mais marcante?

O que lhe vou dizer pode até parecer abstrato. O meu maior receio é de tal maneira que nem consigo pensá-lo bem; talvez ninguém consiga fazê-lo. É que, de repente, haja uma conjunção factual nos acontecimentos da crise pandémica - que não vai acabar já - com a crise ecológica e com a recessão económica. Se estas três crises se conjugam e se entram em colisão - e teríamos que analisar cada uma delas - não sei o que isto poderá dar. Este é o meu receio maior. Mas tenho um segundo receio, que tem a ver com o primeiro; é que, infelizmente, repito infelizmente, não vejo nada do lado dos responsáveis políticos dos diferentes estados que possa manifestar um desejo de mudança real. Eles não nos dizem nada, não há programa nenhum, apenas dólares e euros, é tudo quanto sabem pensar. Isso provoca-me uma profunda amargura e receio e acho que milhões de pessoas também pensam assim.

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  • Luiz
    24 abr, 2020 Sintra 22:16
    Obrigado Sr.Professor, pela transcendente visão. "Os portugueses se confinaram por medo e não por solidariedade"; e a solidariedade que existe é ocasional. Os Políticos: "não há programa nenhum, apenas dólares e euros, é tudo quanto sabem pensar." Toda a injustiça, desigualdade social, corrupção, egoísmo, auto suficiência e individualismo que existiam antes da pandemia, vão sair reforçadas se não mudarmos radicalmente de mentalidade.
  • antónio
    24 abr, 2020 Vila POuca Aguiar 16:48
    o sr Ferro Rodrigues, segunda figura do Estado é bem o típico da "político de esquerda...(lha)". Foi eleito entre os pares, por isso serão todos muito iguais. A fantochada( pondo em risco todas as 7 semanas de confinamento) para comemorar o 25 de Abril e o 1º Maio... diria uma vergonha, repito já que le não gosta: vergonha! Eu tenho vergonha de termos políticos destes!

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