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Análise de dados

Um mês após o primeiro caso de Covid-19 em Portugal, começamos a "afastar-nos do modelo espanhol e italiano"

02 abr, 2020 - 14:00 • Joana Gonçalves

O presidente do Conselho Nacional de Saúde defende que as medidas de isolamento e contenção adotadas pelo Governo "parecem ter surtido efeito". Especialistas deixam um alerta: o novo coronavírus pode estar a provocar mais vítimas mortais do que as registadas.

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No dia 2 de março a Direção-Geral da Saúde (DGS) confirmava os primeiros casos de Covid-19 em Portugal. Tratava-se de um médico de 60 anos regressado do Norte de Itália, internado no Hospital de Santo António, no Porto, e um homem de 33 anos que esteve em Valência, Espanha, internado no Hospital de São João, também no Porto.

Desde então, o número de infetados não para de aumentar e chegou, na última quarta-feira, aos 8.251 casos confirmados. No dia 14 registou-se o primeiro caso recuperado e no dia 16 o primeiro óbito. 187 pessoas morreram, entretanto, infetadas com o novo coronavírus, e 43 conseguiram recuperar. A região norte é aquela que concentra o maior número de casos - 4910.

Portugal vai agora no 13.º dia desde que foi registada a décima morte por Covid-19 no país, a 21 de março. Nesta fase, Itália registava 233 óbitos, Alemanha 253, China 304 e Espanha o valor recorde de 1002.

Henrique Barros, presidente do Conselho Nacional de Saúde tem algumas reticências em retirar conclusões nesta altura, mas defende que "neste momento e se continuarmos assim estamos claramente a afastarmo-nos do modelo e da zona em que se encontram Espanha e Itália".

Os dois países vizinhos estão entre as nações com mais casos confirmados de Covid-19 no mundo, apenas ultrapassados pelos Estados Unidos, que nas últimas duas semanas viram o número de infetados aumentar cerca de 20 vezes.

Mas nem tudo são más notícias. A Coreia do Sul serve-nos de bom exemplo de como é possível achatar a curva. O novo coronavírus chegou ao país no final de janeiro. Um mês depois, o número de casos confirmados chegou aos 80 e nos 15 dias seguintes ultrapassa os 7 mil infectados, tendo atingido o pico a 29 de fevereiro, com 909 novos casos em apenas 24 horas.

O país adotou medidas de testes em massa e vigilância de todos os doentes, através geolocalização e videovigilância. Menos de uma semana depois, o número de novos casos reduziu para metade, cenário que se repetiu nos dias seguintes. Atualmente a Coreia do Sul tem cerca de 10 mil casos confirmados, 160 mortes e mais de cinco mil recuperados.

Apesar das críticas de alguns organismos políticos, sobretudo autarquias, sobre a forma como as autoridades de saúde estão a gerir a crise sanitária, o presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP) lembra que "as medidas que foram tomadas respondem a uma compreensão do risco" e são "proporcionais à noção que temos da forma de transmissão".

"O efeito de uma epidemia é resultado da interação e do contributo de três coisas distintas: o vírus e as suas características, o hospedeiro (as pessoas) e as medidas de organização social com que interferimos sobre o vírus e sobre o hospedeiro. Numa situação como esta nós não temos comparação", explica.

No entanto, adianta que "é racional pensarmos que se continuássemos amontoados em autocarros, se saíssemos à noite em cafés e discotecas, em manifestações diárias e abraços na rua, a infeção teria progredido muito mais depressa e hoje registaríamos muito mais casos".

O epidemiologista defende, por isso, que as medidas de isolamento e contenção adotadas pelo Governo português "parecem ter surtido efeito".

Mas porque é que isso não aconteceu em Espanha e Itália? "Pode ser porque as medidas foram tomadas mais cedo em Portugal, mas pode também ter origem noutras razões da nossa organização social, na qualidade do nosso sistema de saúde, do próprio civismo das pessoas, é muito difícil saber", esclarece.

Apesar de ser defensor da resposta governamental, Henrique Barros não ignora as consequências que podem trazer para o equilíbrio orçamental.

"Tem que haver um balanço. Não é sério fazer crer que podemos olhar apenas para um lado da moeda. Não podemos deixar as pessoas adoecerem e morrerem para manter a economia a funcionar, mas também não é sério olhar apenas para os aspetos da saúde e descurar completamente os aspetos da economia. Sem economia não temos saúde", defende.

Uma ideia partilhada por Jorge Félix Cardoso, um dos mais jovens investigadores do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS).

"Não é possível continuarmos neste cenário por muitos mais meses. Não nos podemos esquecer que para além de ser uma tentativa de combate à Covid-19 também gerará muitos outros problemas de saúde e não só, por via do empobrecimento, da recessão e dificuldade no acesso à alimentação e cuidados de saúde", alerta o estudante de medicina.

Como podemos então travar este surto e retomar o equilíbrio económico? A resposta está na divulgação de dados desagregados e de qualidade, o mais depressa possível.

Sem vacina, a solução pode estar nos dados

"Neste momento não temos nenhum tratamento para a Covid-19, portanto a única coisa a que podemos recorrer para combater este surto é a informação, são os dados. A cada doente, caso confirmado, a cada hospitalização gera-se informação que pode ser extremamente útil na prevenção e tratamento de novos doentes", explica Jorge Félix Cardoso.

De acordo com o investigador, a informação permitirá criar novas "armas de combate eficazes". "Através desses dados podemos saber exatamente quais são as áreas do país que estão em maior esforço de combate a esta pandemia para reforçar meios hospitalares, tornar muito mais fácil a localização e o isolamento dos casos confirmados para evitar a propagação da doença", explica.

"Poderíamos, ainda, saber quais são as zonas onde é preciso manter medidas mais apertadas e onde é possível libertar a economia e recuperar desta situação muito mais depressa. É importante usar estes dados para potenciar uma abertura mais rápida da economia e um combate mais eficaz à doença", sublinha.

Mas no último mês a DGS tem tido alguma dificuldade em recolher e divulgar informação útil quer sobre os casos confirmados, quer sobre os óbitos pelo novo coronavírus. O número de cadeias de transmissão deixou de ser divulgado no dia 21 de março. O boletim epidemiológico só passou a integrar o número de infetados por concelho a partir de dia 24 e não representa a totalidade dos infetados. O número de testes diários não é, ainda, conhecido.

"O excesso de mortalidade no mês de março é claro"

A ausência de informação pormenorizada sobre as características dos óbitos motivou um grupo de docentes da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e investigadores do CINTESIS a procurar respostas para lá dos dados divulgados no boletim epidemiológico diário da DGS.

A equipa, coordenada por Jorge Félix Cardoso, analisou os dados disponibilizados pelo Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e verificou uma subida da mortalidade no mês de março, "que parece ter um ponto claro no tempo: o fim de semana de 7 e 8 de março" - o primeiro fim de semana após a confirmação do primeiro infetado com o novo coronavírus em Portugal.

Os especialistas avaliaram, depois, as tendências da mortalidade nos meses de fevereiro e de março para todos os anos entre 2009 e 2020. A que conclusões chegaram? "Os dados de mortalidade diária em março de 2020 não podiam ser mais excecionais".

Março de 2020 regista uma tendência de aumento da taxa de mortalidade que não se verificava há 12 anos.

"Se usarmos a média dos primeiros sete dias de março, aproximadamente 300 óbitos/dia, como valor de referência para o resto do mês, então o número total de óbitos esperados até ao dia 27 seria de 8100 - 300 mortes por dia durante 27 dias", explica.

No dia 27 de março, data de referência no artigo, Portugal registava um total de 8700 óbitos, o que corresponde a aproximadamente 600 mortes acima dessa expectativa, ou cerca de 7% de excesso de mortalidade. "Destas 600 mortes, 100 encontram-se associadas à Covid-19 (segundo o Relatório de Situação Nº 26, emitido a 28 de março pela DGS, e que traz todos os dados até às 24h de dia 27 de março), ficando 500 óbitos por justificar", esclarecem os investigadores.

"O excesso de mortalidade no mês de março é claro", adianta Jorge Félix Cardoso, que o atribui a quatro situações distintas: óbitos por Covid-19 não diagnosticados; óbitos que, tendo sido evitados em fevereiro, vieram a verificar-se em março; óbitos por outras condições que, fruto da situação atual, acabam por não ser evitados; ou simplesmente óbitos imprevisíveis que já iriam acontecer independentemente das atuais circunstâncias.

Os autores recordam que em Espanha e Itália este fenómeno repete-se. Também o Instituto Carlos III analisou os dados da mortalidade diária em Espanha e encontrou hipóteses que sugerem que a mortalidade está bem acima dos últimos anos, para lá da margem indicada na contagem oficial de mortes por Covid-19.

Em Nembro, o município italiano mais afetado pela pandemia, as mortes em excesso são quatro vezes o número oficial de mortes por Covid-19. "Os autores assumem que o excesso é explicado também por Covid-19, em doentes que morreram em casa e não foram testados", explica.

Jorge Félix Cardoso relembra, no entanto, que é cedo para fazer previsões.

Henrique Barros adianta, também, que "há seguramente mais pessoas que já passaram pela doença do que aquelas que foram identificadas, nomeadamente as que passaram pela doença com formas clinicamente pouco relevantes, ou totalmente assintomáticas".

"Essas pessoas são importantes porque podem transmitir a infeção, mas também devemos saber que a capacidade de a transmitirem é muito menor do que a de pessoas altamente sintomáticas. É diferente uma pessoa que tenha a infeção sem sintomas, de uma pessoa que a tenha, mas que tussa constantemente", esclarece.

Em tempos de incerteza, desconfie de conclusões assertivas


O mês de março ficou também marcado pela publicação de vários artigos científicos sobre o novo coronavírus. Se muitos são os países que optaram por encerrar fronteiras, na tentativa de travar o contágio, é também verdade que a comunidade científica e o universo académico parecem estar mais unidos que nunca.

Jorge Félix Cardoso confirma esta realidade mas deixa um alerta: "confiem sobretudo nas autoridades de saúde, mandatadas para o efeito".

"Um truque muito simples para avaliar outro tipo de conteúdos que se encontrem na internet seria: qualquer conteúdo muito assertivo numa conclusão, nesta fase de incerteza, provavelmente é de desconfiar", defende.

O presidente do Conselho Nacional de Saúde vai mais longe e adianta que "a massificação de artigos científicos nesta altura representa uma quantidade imensa de ruído, que não tem seriedade nenhuma".

Henrique Barros é ainda mais cauteloso na comparação de cenários em diferentes países, com o objetivo de traçar estimativas e previsões. "Numa cozinha com dez ingredientes, seis pessoas que lá entrem fazem seis refeições diferentes. Nas refeições não há problema nenhum, aqui há, porque devemos fazer as coisas que nos levam ao sítio onde queremos chegar - a compreensão dos fenómenos", defende.

[notícia atualizada às 18h com os novos dados do boletim diário da DGS]

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