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Eleições Presidenciais EUA 2024

Quem é Tim Walz, o "vice" de Kamala Harris que acusou Trump e Vance de serem "estranhos"?

06 ago, 2024 - 15:08 • João Pedro Quesado

O governador do Minnesota entrou na lista de possíveis candidatos de Kamala Harris com uma frase que se tornou um dos slogans da campanha do Partido Democrata. Uma figura paternal que aprovou políticas sociais progressivas desde 2018, Walz causa poucas divisões entre a base eleitoral do partido e pode ser útil para roubar votos à candidatura de Donald Trump.

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Tim Walz, o governador do Minnesota, é o candidato do Partido Democrata a vice-presidente dos Estados Unidos da América (EUA). Kamala Harris concluiu assim um processo bastante público e apressado de escolha do seu "companheiro de corrida" para as eleições presidenciais de 2024, fazendo em cerca de duas semanas algo que normalmente demora meses a concluir, e escolhendo um parceiro que, há duas semanas, mal existia na política nacional norte-americana.

Tim Walz, de 60 anos, é um ex-membro da Guarda Nacional do Exército dos EUA e um ex-professor cujo perfil cresceu nas últimas semanas, definindo-se como um defensor eficaz de Kamala Harris.

A 23 de julho, Tim Walz foi um dos convidados do programa “Morning Joe”, da MSNBC. Nem 48 horas tinham passado desde o anúncio de Joe Biden de que iria desistir da recandidatura à Casa Branca, e o presidente da Associação de Governadores Democratas foi chamado a discutir a estratégia de uma campanha que tinha sido reiniciada.

Quando questionado sobre o que a campanha de Kamala Harris pode aprender com a experiência dele a conquistar eleitores de zonas rurais, Walz lançou-se no panorama nacional, frase a frase - começando por declarar que “pessoas como o J.D. Vance não sabem nada sobre a América das pequenas cidades”.

“A minha cidade tinha 400 pessoas, 24 crianças na minha turma e 12 eram primos, e ele não percebe nada. Não é sobre ódio... A regra dourada é importar-se com a sua própria vida”, atacando ainda as políticas republicanas por destruírem a “América rural”.

Foi quando descreveu as “lutas estranhas e desnecessárias” dos encontros de família durante o feriado de Ação de Graças que Tim Walz tropeçou numa frase que se tornou chave na campanha de Harris, ouvindo risos dos moderadores do programa.

“É verdade, estes tipos são só estranhos, estão a candidatar-se ao Clube He-Man de Odiadores de Mulheres ou quê, não é nisso que as pessoas estão interessadas”, atirou Walz. O soundbite “estes tipos são estranhos” acabou por ser adotado pela campanha de Kamala, assim como todos os outros democratas.

Foi depois disto que o co-presidente do comité de regras do Comité Democrata Nacional (DNC) entrou nas chamadas “veepstakes” - uma palavra que resulta da junção de “veep”, para vice-presidente, e “sweepstakes” (sorteios). Largamente desconhecido até aí (a conta na rede social X apenas ganhou verificação esta terça-feira), Walz juntou-se rapidamente aos nomes mais fortes, sendo finalista juntamente com Josh Shapiro.

A "CNN", que cita quatro fontes próximas do processo, escreve que foi durante a última semana que Kamala Harris se aproximou mais de Walz.

A exceção Democrata num círculo Republicano

Voluntário na campanha presidencial de John Kerry em 2004, Tim Walz foi eleito para Câmara dos Representantes em 2006 por um círculo eleitoral maioritariamente rural, com várias cidades de dimensão média, derrotando o republicano que representava esse distrito desde 1995.

Segundo o Índice Partidário de Votação do “The Cook Political Report” em 2022, este distrito é de tendência republicana, com o Partido Republicano a ter uma vantagem de sete pontos face à média nacional. Tim Walz é um de dois democratas a obter a maioria dos votos nesse círculo desde as eleições de 2016, que solidificaram uma mudança no panorama político dos EUA – a outra democrata é Amy Klobuchar, senadora desde 2007.

Walz foi eleito governador pela primeira vez em 2018, com cerca de 300 mil votos de vantagem face ao opositor republicano, e reeleito em 2022 com quase 200 mil votos de vantagem. Na reeleição, conseguiu levar os Democratas a maiorias no Senado e Câmara dos Representantes estaduais do Minnesota, facilitando a aprovação de legislação progressiva.

Antes da política, Tim Walz alistou-se na Guarda Nacional do Exército aos 17 anos, beneficiando dos programas conhecidos como "G.I. Bill" para estudar ensino. Depois disso, passou um ano a dar aulas na China, integrando um dos primeiros grupos autorizados pelos EUA a fazê-lo, voltando, no final desse ano, ao exército. Durante a carreira de professor, foi também treinador de futebol americano, levando a equipa da escola secundária de Mankato West a vencer o campeonato estatal pela primeira vez.

Essa história faz parte do vídeo de apresentação lançado pelo próprio na rede social X (antigo Twitter). Walz acabou por servir no exército durante 24 anos, até 2005, tendo passado seis meses na Europa após os atentados de 11 de Setembro de 2001, no apoio às operações militares dos EUA no Afeganistão.

Uma história que não faz parte do vídeo, mas será parte importante da campanha, é o uso de tratamentos de fertilidade in vitro para conceber os dois filhos, Hope e Gus. O candidato a vice-presidente usa esse exemplo para apontar às restrições ao aborto e a vários tratamentos de fertilidade defendidas pela campanha dos Republicanos, dizendo que é preciso dar liberdade às pessoas para escolher. "Não é por acaso que demos à nossa filha o nome Hope [Esperança]", disse Walz ao jornal "Star Tribune".

Tim Walz é um apoiante expressivo do direito ao aborto. Em 2023, depois de o Supremo Tribunal dos EUA remover a proteção legal que tornava o aborto possível em todo o país, o governador assinou uma lei que permite o aborto.

O novo companheiro de Kamala Harris também legislou para proteger os cuidados de saúde para pessoas trans e proibir as terapias de conversão. Em 2020, assinou uma lei que baixou os custos de insulina para as pessoas com dificuldades financeiras - uma política que foi depois adotada pela administração Biden a nível nacional.

Dois mandatos de políticas progressistas

Walz também já foi dos políticos mais bem cotados pela National Rifle Association (NRA), a poderosa associação de lóbi pelas armas. Depois do tiroteio de Las Vegas em 2017, o então congressista entregou as doações da NRA à sua campanha a uma organização de caridade, e começou a apoiar medidas de controlo de armas, como a proibição das chamadas armas de assalto.

No Minnesota, Tim Walz aprovou legislação considerada progressiva em muitos outros capítulos. Umas das leis laborais que assinou impede as clausulas de não-competição; outra aumentou o salário mínimo para as pequenas empresas; outra criou um programa expansivo para dias de férias pagos, assim como para baixas pagas e licenças de parentalidade - tudo medidas incomuns nos EUA.

O governador do único estado dos EUA com um lema em francês ("L'Étoile du Nord", A Estrela do Norte) também promoveu e promulgou várias leis de combate ao aquecimento global, obrigando o estado a ter eletricidade 100% verde em 2040 e proibindo químicos "eternos" como o PFAS. Ao mesmo tempo, apoiou a mineração de ferro e a produção de aço no estado.

Na educação, Walz aprovou almoços e pequenos-almoços gratuitos para todos os estudantes, independentemente dos rendimentos dos pais, e promoveu um programa de ajuda para os estudos universitários que cobre as propinas para estudantes quando os rendimentos dos pais é menor que 80 mil dólares.

A política de impostos é uma das mais progressivas dos Estados Unidos, com um crédito fiscal de 1.750 dólares por criança e impostos mais baixos para pessoas assistidas pela Segurança Social. A pagar essas medidas está um imposto sobre as empresas multinacionais.

A tudo isto junta-se uma personalidade animada, aberta e acolhedora, refletida em muitas publicações nas redes sociais - como uma em que partilha uma ida à feira do estado do Minnesota com a filha mais velha, Hope, ou outra em que partilha uma foto do gato (com a bebida preferida, Diet Mountain Dew, no fundo) e se queixa de não conseguir bilhetes para um concerto de Taylor Swift.

Contra Walz estão as críticas que enfrentou pela forma como lidou com duas crises: a da pandemia e a dos protestos após a morte de George Floyd em Minneapolis, a maior cidade do Minnesota.

No caso da pandemia de covid-19, a crítica é familiar para os portugueses: Tim Walz foi acusado de manter as escolas fechadas por demasiado tempo – o ano letivo 2020/2021 começou com aulas remotas para todos os anos de escolaridade.

No caso dos protestos depois da morte de George Floyd, que colocou o movimento “Black Lives Matter” em destaque, a acusação é que Walz foi demasiado lento a chamar a Guarda Nacional do estado para responder aos protestos. O governador apenas o fez depois de uma esquadra ser incendiada por manifestantes.

Ainda assim, Tim Walz conseguiu aprovar uma lei de reforma do policiamento, limitando o uso de manobras de estrangulamento quando nenhum polícia está em risco. Terminou ainda com um programa de treino de combate, obrigando ao treino para a desescalada de situações voláteis.

Walz em vez de Shapiro?

Josh Shapiro, o governador da Pensilvânia, era o outro candidato finalista para ser o parceiro de Kamala Harris. O estado que representa, talvez o mais importante entre os sete estados decisivos, tornava-o num favorito natural à escolha, ainda para mais quando venceu as eleições de 2022 com quase 15 pontos de vantagem sobre o candidato republicano – contando atualmente com o apoio de 35% dos votantes de Trump em 2020.

Mas não foi esse o caminho escolhido. Uma das razões por detrás da escolha poderá ser o protagonismo que Shapiro chama a si mesmo – um evento de apoio a Harris tornou-se numa sessão de promoção do governador da Pensilvânia como candidato a vice-presidente, segundo o “Politico”.

A equipa de Harris foi ainda avisada para as ambições presidenciais de Shapiro por um senador democrata da Pensilvânia, John Fetterman, relatou a imprensa norte-americana, com a possibilidade de estas ofuscarem a candidata à presidência e criarem ruído.

De acordo com a “NBC News”, os dados das sondagens não mostravam um benefício eleitoral maior de Josh Shapiro face a outros candidatos, e a sua escolha poderia voltar a colocar a guerra de Israel na Faixa de Gaza em destaque, devido às opiniões polémicas do governador sobre os protestos que ocuparam várias universidades na primavera.

A machadada final terá sido a reunião com Kamala Harris no domingo, em que Shapiro colocou questões “muito específicas” sobre o papel de vice-presidente, segundo a “CNN”. “Ele estava a negociar o cargo com ela, enquanto Walz estava a perguntar ‘o que posso fazer para ajudar’”, diz a “CNN”, citando um conselheiro democrata. O “Politico” relata que Shapiro mostrou ainda reticência em abandonar o cargo atual na Pensilvânia.

Tim Walz poderá ser uma ajuda com os eleitores brancos e mais velhos, que estavam reticentes em apoiar Joe Biden e que parecem não ter ficado entusiasmados com a ideia de Harris como candidata, segundo as sondagens. E não afastará os eleitores mais progressistas.

Apesar disso, a atual vice-presidente parece comprar a teoria, baseada em dados eleitorais, de que a escolha de “vice” não faz assim tanta diferença na votação quando não é inesperadamente negativa - se não comprasse, a opção teria sido Shapiro. Contudo, o efeito de um vice-presidente pode ser importante quando as diferenças de votos entre candidaturas são reduzidas a poucas dezenas de milhar de votos.

A escolha terá sido orientada pelo desejo de ter um bom parceiro de governação para pelo menos quatro anos, e mostra vontade de manter a atenção na sua campanha, o que Tim Walz parece saber fazer, e não deixar as habituais declarações racistas e chocantes de Donald Trump roubar o foco. E a química entre dois candidatos sorridentes e com uma mensagem positiva pode ajudar a convencer eleitores indecisos numa eleição que vai ser renhida.

Além da Pensilvânia, fazem parte do clube dos estados decisivos nesta eleição o Michigan e Wisconsin, no norte do país - compondo o "Cinturão de Ferrugem" (Rust Belt) -, assim como o Arizona e o Nevada, onde a demografia parece começar a favorecer o Partido Democrata, e ainda a Carolina do Norte e a Geórgia - este último estado foi vencido por Joe Biden, uma surpresa da eleição de 2020. Todos os outros estados, com a exceção de dois círculos eleitorais no Nebraska e no Maine (estados que dividem os votos eleitorais pelo vencedor no estado e em cada um dos círculos eleitorais para o Congresso), têm uma tendência partidária demasiado marcada para os seus votos eleitorais estarem em disputa.

[notícia atualizada às 23h44]

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