15 set, 2022 - 20:53 • Maria João Cunha , enviada especial a Londres
Desapareceram tão depressa quanto apareceram, nos jardins do Parlamento britânico, dois jovens britânicos que esta quinta-feira à tarde ostentavam um cartaz pela liberdade de expressão, frente ao espaço onde decorre o velório da Rainha Isabel II.
Perguntamos-lhes quem são e se representam alguma organização, mas para lá de um repetido "no comment, no comment" apenas garantiram ser jornalistas, enquanto abandonavam o espaço e guardavam o cartaz. Ainda insistimos e perguntamos se saíam por receio de ser detidos, mas não conseguimos saber mais.
No cartaz podia ler-se: “Por estes dias podes ser preso e atirado para a cadeia só por segurar um cartaz”. Um dos jovens filmou toda a cena e não será surpreendente que surja agora nas redes sociais.
Grupos de ativistas sob as designações Republic e Liberty têm posto em marcha ações para chamar a atenção para o direito à liberdade de expressão no Reino Unido.
Desde o início das cerimónias fúnebres da Rainha Isabel II já foram detidas, pelo menos, duas pessoas em Londres, quatro foram acusadas na Escócia – uma mulher por ter segurado um cartaz a pedir a abolição da monarquia, durante a proclamação de Carlos III. Foi acusada de “perturbar a paz”. Um homem foi acusado de ter importunado o príncipe André no desfile fúnebre de terça-feira e retirado do espaço pela polícia.
Uma mulher foi filmada a ser afastada pela polícia quando ostentava um cartaz com os dizeres "Not my King" [Não é o meu Rei]. Em Oxford, um homem foi acusado de “ofensa à ordem pública” por ter gritado “Quem o elegeu?” também durante a proclamação. E um advogado britânico ostentou folhas de papel em branco e disse, aos jornalistas, ter confirmado com a polícia que seria detido se nelas escrevesse alguma ideia anti-monárquica.
Perguntámos a alguns polícias que circulam na zona de Westminster se têm indicações para deter manifestantes ou o que fariam se vissem uma situação destas. Dizem que não há uma regra clara, que falariam sempre com o superior, mas acabam por admitir que, de forma cortês, pediriam ao manifestante para se retirar.
No Reino Unido, o "Human Rights Act" garante a liberdade de expressão desde 1998, mas outras leis, como o “Order Act”, permitem que a polícia detenha indivíduos que provoquem alarme, assédio ou situações de perigo.
Mas a liberdade para criticar também já foi posta em causa nos media. O humorista britânico John Oliver foi censurado pela cadeia de televisão Sky, que transmite para o Reino Unido o programa satírico “Last Week Tonight”, da norte-americana HBO. Oliver tentou brincar com a morte da Rainha Isabel II, mas a Sky editou o programa e essa parte não foi vista em terras de Sua Majestade.
O debate pareceu reemergir, mas estes episódios contrastam com o sentimento geral de união e respeito pela figura da rainha e as cerimónias têm tido uma tal adesão que o tema saiu também do radar público tão depressa quanto entrou.
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No país com uma das monarquias mais antigas do mundo, os republicanos queixam-se que não têm expressão e nas páginas dos jornais há até quem admita instruir os filhos a não se manifestarem como anti-monárquicos em público. Dizem que estão remetidos a uma posição “sinistra” e que a "intolerância beligerante" é de tal forma “inquietante” que por isso não manifestam as suas posições, que podem ser também “anti-imperialistas”.
O apoio à monarquia tem descido nas últimas sondagens e estará agora nos 60%. É menor entre escoceses, apoiantes do Partido Trabalhista, minorias étnicas e britânicos com menos de 50 anos.
Mas quão aceite é no Reino Unido a crítica à monarquia, para lá da crítica pessoal e individualizada às personalidades que compõem a Casa Real, é algo a que os britânicos evitam responder.
Chris trabalha no Exército e pede para não ser fotografado. Conversamos um pouco. Diz à Renascença que acredita na liberdade de expressão, mas “agora, por respeito pela família real e pela Rainha como chefe de Estado, não é o momento para esse debate”.
“Também acho que é auto-demonstrativo. Pode ver aqui que o apoio à família real é esmagador”, afirma. E continua: “Eu argumentaria que, pelo que pude observar, agora e durante o resto da minha vida, qualquer debate que não seja em favor da monarquia é tão pequeno que é trivial, é um debate irrelevante. Não significa que as pessoas não tenham direito à sua opinião e a debater, mas nunca ganhará qualquer tração, não no meu tempo de vida.”
E será que a mudança de liderança que agora tem lugar pode provocar pelo menos mais debate, senão mesmo algum tipo de mudança?
Chris contrapõe que só por responder à nossa questão já estaria a entrar no próprio debate e que acha que não há lugar para isso neste momento em particular.
E garante-nos: o apoio à monarquia “é o mais forte que pude testemunhar em toda a minha vida”.
Diane é contabilista e a filha sugere que deve ser ela a falar por ser de uma geração mais antiga. “Toda a gente deve ter direito às suas opiniões, é-lhes permitido expressar os seus sentimentos. Todos temos visões diferentes, desde que seja uma demonstração pacífica. Mas eu sou monárquica, sempre fui. Acho que temos muita sorte por ter a Rainha neste país. Ela esteve viva toda a minha vida, nunca tive o prazer de a conhecer. É uma senhora tão graciosa. Acho que somos admirados por todo o mundo por ela ser rainha. Temos muita sorte.”
Diane espera para ver como o Rei Carlos III vai reinar. “Vai ser difícil, ele não é a Rainha e vai ser um papel muito difícil de igualar, não o invejo de todo”.
A morte de Diana até pode ter provocado algumas fissuras, que teimam em não fechar, no apoio à Família Real. Mas os ingleses já incorporaram o sucessor. Afinal, resulta claro em momentos como este, "a monarquia é a própria essência do que é ser britânico".