Guerra na Ucrânia

E se a Rússia vencer a guerra? "Putin vai querer recortar os países bálticos da NATO"

09 mar, 2022 - 23:56 • André Rodrigues

Aurimas Švedas, professor de História da Cultura na Universidade de Vilnius, na Lituânia, reconhece que, apesar de não ser possível determinar até onde Putin pretende levar a guerra na Ucrânia, há pistas que podem ajudar na descodificação do esquema mental do Presidente russo. "Basta ler os livros que ele lê".

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E se a Rússia vencer a guerra? "Putin vai querer recortar os países bálticos da NATO"

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Será a guerra na Ucrânia o primeiro ensaio de Vladimir Putin para elevar a tensão com o Ocidente ao grau de provocação extrema?

E, se acontecer, que consequências poderá ter esse movimento do Presidente da Rússia no complexo e tenso xadrez geopolítico?

Foi a pergunta que a Renascença fez a Aurimas Švedas, um dos mais conceituados historiadores da Lituânia, país da União Europeia e uma das últimas fronteiras da NATO com a área de influência de Vladimir Putin.

A Lituânia está, literalmente, encravada entre duas fronteiras hostis, a leste com a Bielorrússia e a Sudoeste com Kaliningrado, o exclave que é a porta da Federação Russa para o Mar Báltico, e que tem qualquer coisa como 200 mil soldados russos numa província com pouco mais de 15 mil quilómetros quadrados.

"É uma loucura", afirma este especialista, que também reconhece que, se a guerra na Ucrânia tiver um desfecho favorável ao Kremlin, as garantias que a NATO dá em matéria de soberania e de segurança podem, simultaneamente, representar uma vulnerabilidade, na medida em que Vladimir Putin poderá ver na capitulação ucraniana o pretexto para 'esticar a corda' ao limite e forçar a abertura de um corredor entre a Grande Rússia e o Mar Báltico, rasgando a linha de fronteira entre a Lituânia e a Polónia, território comum da Aliança Atlântica.

Švedas considera, aliás, que Moscovo estará a preparar esse plano, porque, segundo diz, "desde 2018, Kaliningrado tem mísseis nucleares Iskander de curto alcance. Estamos a falar de armamento nuclear junto à fronteira da Lituânia. É uma situação nova, não só para a Lituânia e para os países bálticos, mas para toda a Europa Central e de Leste e para NATO".

A passagem por Suwalki, a localidade polaca na fronteira com a Lituânia, pode ser o trunfo de Putin para concretizar o recorte dos bálticos do mapa da NATO.

Se acontecer, "será um teste de stress e esse é o principal argumento de Vladimir Putin, porque ele está convicto de que a NATO vai falhar".

A Ucrânia como gatilho para uma eventual futura tentativa de expansão da Rússia é um cenário hipotético. Mas também é um facto que, até ao momento em que foi desencadeada a invasão da Ucrânia, na madrugada de 24 de fevereiro, Putin negou à exaustão qualquer plano nesse sentido.

Por isso, não sendo claro, ainda, até onde o Kremlin e os generais russos podem levar este conflito, Aurimas Švedas identifica pistas que podem ajudar a descodificar o esquema mental do Presidente russo.

"Basta ler os livros que Putin lê", e é conhecido o gosto particular por livros sobre História e Geopolítica que, aliás, serviram-lhe de inspiração naquele longo discurso em que procurou explicar porquê que, do seu ponto de vista, uma Ucrânia independente é algo que não existe.

'Russkiy Mir', um império de Vladivostok a Lisboa?

Um desses livros chama-se "Utopia. O Terceiro Império" e foi escrito em 2007 por Mikhail Yuriev, um antigo porta-voz da Duma, que sugere uma visão do mundo dividido em cinco impérios no ano de 2053.

O mapa do Terceiro Império é muito mais do que, apenas, a reposição do antigo território soviético e "junta a Rússia, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Tadjiquistão, o Azerbaijão, a Geórgia, o Líbano, Israel, a Jordânia, toda a Europa e a Gronelândia.

De acordo com o livro desenhado neste mapa, o limite ocidental da Rússia, neste caso do terceiro império, estaria fixada junto ao rio Tejo".

Mas Aurimas Švedas diz não ver motivos para alarme. "Ninguém verá, um dia, tanques russos nas cidades portuguesas, ou militares a pilhar as caves de Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia".

A imagem tem, essencialmente, um aspeto simbólico de alerta às lideranças ocidentais, nomeadamente Emmanuel Macron e Angela Merkel que, no passado, "caíram no erro" de tratar Putin como alguém de confiança, com quem se podia negociar.

"Eu entendo que Emmanuel Macron e Angela Merkel cometeram o mesmo erro muitas vezes, porque são políticos racionais e acreditam que a palavra e a honra significam alguma coisa. Mas Putin usa um outro esquema de valores, incompreensíveis para a elite política ocidental durante muito tempo.

Agora, Putin aparece aos olhos da sociedade ocidental como alguém realmente mau, mas ele tentou esconder a sua outra face", acrescenta o historiador.

Cada dia de guerra será menos um dia de Putin no poder

Para Aurimas Švedas, o regresso da guerra à Europa é, por si só, um teste de stress à coesão e à solidariedade que, noutras alturas, falhou.

Mas constitui, também, uma oportunidade para adotar uma posição firme em relação à agenda externa de Moscovo.

Este historiador defende, aliás, que "a unanimidade europeia em torno de valores comuns, como a solidariedade, a empatia, o diálogo e a compreensão mútua é, até este momento, a nota positiva desta guerra" que, segundo diz, também funciona contra o regime.

"Vejo dois cenários possíveis: ou um dia, um grupo de oficiais do Exército proclamam que algo tem de mudar no Estado, porque os oficiais também não querem morrer".

A outra possibilidade, para este docente de História da Cultura na Universidade de Vilnius, é que "as lições da História nos mostram que as revoluções acontecem nas capitais dos países. Se, um dia, Moscovo acordar e, em vez de 2 mil, tiver 5 milhões de manifestantes dizendo não à guerra alto e bom som, isso significará que o regime de Putin cairá até à noite desse dia".

Comentários
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  • Ciodadao
    10 mar, 2022 Lisboa 16:20
    Até acredito que ele tenha essa ideia, mas mais depressa ele leva um tiro nos miolos, que esse "império" aconteça.

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