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Covid-19

Mal se respira na Índia. Como é que o maior produtor mundial de vacinas se deixou apanhar pela pandemia?

30 abr, 2021 - 16:17 • Hélio Carvalho

Na quinta-feira, a Índia registou um novo recorde mundial de novos casos: 379.257. Ser o segundo país mais populoso do mundo onde o respeito pelas medidas restritivas foi pouco acolhido e o ceticismo quanto a vacinas é grande são alguns dos fatores para o caos.

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Na última semana, a Índia ultrapassou várias vezes o recorde mundial de casos de Covid-19 registados em 24 horas. O recente surto nacional, embalado por uma nova variante do novo coronavírus identificada no país, levou a um cenário devastador nos hospitais indianos.

Falta oxigénio em todo o país e, apesar da ajuda internacional já estar a caminho (incluindo a portuguesa), a pandemia não será controlada tão cedo.

A situação na Índia é motivo de preocupação global. O país é responsável por 60% da produção de vacinas da Covid-19 em todo o mundo.

O atraso no seu próprio programa de vacinação já motivou medidas que limitam exportações de doses, algo que afeta, sobretudo, os países mais pobres.

O que se passou na Índia, casa de mais de 1,3 mil milhões de pessoas – quase um quinto da população mundial – e como é que o surto no segundo país com mais casos do mundo e o quarto com mais mortos nos pode afetar?

Índia atinge novo recorde mundial. Mais de 314 mil casos de Covid-19 em 24 horas
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Epicentro da vacinação mundial em suspenso

O Instituto Serum, na Índia, é o maior produtor de vacinas do mundo: cerca de 92 países dependem das doses de vacinas contra a Covid-19 produzidas no país – como da AstraZeneca e da Covavax (desenvolvida no instituto).

O produtor indiano é o responsável por 20% dos medicamentos genéricos produzidos no mundo e mais de 60% das vacinas contra a Covid-19.

Mas com a situação no país, o Governo indiano está agora a restringir a distribuição para o estrangeiro, de modo a acelerar o processo de vacinação dentro de portas – a Índia inoculou com duas doses apenas 1% da população (e vacinou com uma dose apenas cerca de 11%).

No final de abril, a Índia estava a administrar três milhões de doses por dia, um número que, segundo as entidades locais, tem de triplicar. O problema é que o crescimento a pique dos novos casos e a falta de doses tem atrasado o processo.

Entretanto, o país alargou o programa de vacinação a toda a população adulta – o que corresponde a mais de 600 milhões de pessoas.

O Serum é também o maior contribuidor para o programa COVAX, o mecanismo de solidariedade internacional que distribui vacinas para países mais pobres. A paragem de exportações atinge mais especificamente estes países, que ficam sem doses para vacinar a sua população.

Face a este problema no produtor mundial de vacinas, não há muitas soluções disponíveis. A grande maioria dos países com programas de vacinação adiantados ainda não tem doses em excesso para doar a países mais pobres. Os únicos que poderão tê-las são os EUA, mas esses ainda estão incertos se de facto têm doses a mais.

O que os países podem fazer para contornar este problema é apelar à Organização Mundial de Saúde (OMS) para que os direitos de patentes de medicamentos contra a Covid-19 sejam temporariamente levantados. O apelo já foi feito por vários países, entidades e até por deputados portugueses (nomeadamente pelo PCP e bloco de Esquerda), e permitiria que países mais pequenos pudessem produzir vacinas para inocular a sua população.

Uma nova variante na lista

À semelhança da região de Manaus, no Brasil, onde uma nova variante levou os serviços de saúde à sobrelotação e à falta de oxigénio, também na Índia foi identificada uma nova estirpe.

A estirpe B.1.617 foi inicialmente detetada em outubro, no oeste da Índia. No espaço das últimas duas semanas, o crescimento do número de casos foi de tal forma acelerado que o The Atlantic compara o crescimento, não a uma onda, mas a um muro.

Mas esta variante é diferente das restantes. A B.1.617 é uma estirpe como “mutante dupla”, porque contém mutações genéticas encontradas em outras estirpes do coronavírus. Enquanto que uma das mutações foi detetada na Califórnia no início do ano, a outra é mais semelhante à estirpe sul-africana, mais resistente a vacinas.

No final de abril, já tinha sido identificada em pelo menos 17 países, segundo a Organização Mundial da Saúde; por consequência, alguns países, como o Reino Unido, colocou a Índia a vermelho no seu mapa de viagens de risco.

Ainda não é certo se a nova variante indiana é resistente às vacinas já produzidas. Mas, segundo a OMS, "a B.1.617 tem uma taxa de crescimento mais elevada do que outras variantes que circulam na Índia, sugerindo uma maior contagiosidade".

Na sexta-feira, a Índia registou 386 mil casos em 24 horas, um novo máximo diário.

Relaxamento governamental e popular embalaram regresso do vírus

A Índia vai agora na sua segunda vaga da pandemia, e o país passou repentinamente de 20 mil casos diários em meados de março para bem mais que 300 mil no final de abril.

A displicência, tanto governamental como popular, face à pandemia cresceu radicalmente. A Índia deu o vírus como vencido e relaxou, apesar dos receios da comunidade científica; agora, o vírus apanhou-a.

Em fevereiro, o primeiro-ministro Narendra Modi declarou que a Índia tinha vencido a batalha contra a Covid-19, e os discursos repetiam elogios ao esforço do povo indiano, às decisões proativas e rápidas do Governo e à produção de vacinas.

Mas se a pandemia nunca desapareceu completamente no país, pelo contrário, a falsa confiança de Modi e de todo o país levaram ao relaxamento de medidas e, consequentemente, um grande número de eventos, especialmente religiosos e políticos, onde milhares de pessoas participaram sem qualquer cumprimento de regras sanitárias.

Em março, voltou-se a jogar críquete (o desporto mais popular do país) em estádios, com milhares de espetadores e os cinemas reabriram.

Mas os eventos mais participados foram as gigantescas peregrinações, como é o caso do conhecido festival hindu Kumbh Mela, celebrado em Haridwar, onde milhares de pessoas juntaram-se para mergulhar no já extremamente contaminado rio Ganges. O festival dura até ao final de abril e junta entre um a cinco milhões de pessoas por dia.

Os casos em Haridwar cresceram rapidamente, para surpresa de poucos.

A juntar ao cocktail de eventos propagadores da doença, vieram as eleições em cinco estados do país. As campanhas eleitorais, que duraram oito semanas entre março e abril, juntaram milhares de pessoas em espaços fechados e congressos, sem máscaras.

Só Narendra Modi participou em mais de 20 comícios. Enquanto governos estatais tentaram manter algumas medidas, os altos oficiais do Governo continuaram com os ajuntamentos.

O crescimento acelerado e caótico da pandemia já motivou novas medidas restritivas, como recolheres obrigatórios e encerramento de negócios.

Descalabro nos hospitais, uma vaga de fumo e confusão no Governo

O resultado da propagação exponencial da Covid-19 pela Índia foi um desastre sanitário. Os hospitais ficaram rapidamente sobrelotados, com vários centros de saúde, em grandes cidades ou em zonas mais remotas, a serem obrigados a colocar mais que uma pessoa por cama.

O oxigénio é cada vez mais um bem escasso. Muita da ajuda internacional que chega ao país procura responder a essa escassez.

Em Nova Deli, uma cidade com cerca de 18 milhões de pessoas, está quase sem camas disponíveis em cuidados intensivos.

Nestas grandes cidades, também entra nas contas a poluição: cidades como Mumbai ou Nova Deli são algumas das mais poluentes do mundo e o impacto da poluição atmosférica poderá ter ajudado a que mais pessoas ficassem doentes.

Fora dos hospitais, a Índia vê fumo como nunca viu.

A Índia está a registar mais de duas mil mortes diárias: as morgues já estão cheias e os locais para cremações não param de arder, não sendo raras as cremações em massa.

A cremação é um passo importante na tradição hindu, por ser como a alma se liberta do corpo. Mas um momento religioso é agora palco de correria e exaustão para os trabalhadores que se veem a braços com muitas mortes em curtos espaços de tempo.

E mesmo assim, os dados já elevados podem não mostrar a história completa. Os especialistas indianos e internacionais alertaram que a Índia não estava a testar o suficiente, e que o número total de casos por dia poderá ser muito maior.

Ao New York Times, epidemiologistas indianos dizem que o vírus terá infetado 300 a 500 milhões de pessoas nos pobres centros urbanos.

Também a mortalidade pode ser questionável. As autoridades de saúde, por várias vezes, foram contra as guias da OMS e classificaram óbitos de covid-19 como doença cardíaca súbita, ataque cardíaco ou pneumonia.

O mesmo New York Times, citando especialistas, noticia que num ano sem pandemia, apenas cerca de um quinto das mortes são investigadas por autoridades médicas. O tamanho enorme do país maioritariamente pobre, com mais de 1,3 mil milhões de pessoas em 28 estados com governos descentralizados, leva que as muitas mortes não sejam registadas.

Além disso, o líder do país, Modi, e o seu partido que governa a Índia, têm continuamente apresentado dados de mortalidade e casos mais reduzidos que os dados locais. A oposição e os especialistas acusam o primeiro-ministro de minimizar o impacto da pandemia para apresentar progresso.

As contas à Covid-19 são assim feitas num clima de confusão e jogo político, entre Modi e os estados que desesperam com a falta de recursos.

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  • Anónimo
    04 mai, 2021 Lisboa 10:42
    Como é que Portugal, um país com menos de 1% da população indiana, chegou a ter 300 mortes por dia?

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