08 mar, 2024 - 22:50 • José Pedro Frazão
Júlia Monar expressa-se num português muito razoável, trazido de uma passagem anterior pela representação alemã no Brasil. Tradicionalmente a chefia da diplomacia da Alemanha em Lisboa é sinónimo de um mandato sem grandes sobressaltos. Longe das relações mais tensas entre os dois países num contexto de austeridade, a diplomata chefe em Lisboa assinala, em entrevista transmitida na Renascença a 5 de fevereiro, a sintonia entre os dois países, independentemente dos partidos que os têm governado nos últimos anos.
Como descreve neste momento a saúde das relações entre Portugal e a Alemanha?
As relações bilaterais neste momento estão num estado excelente. No ano passado tivemos muitas visitas de alto nível aqui a Portugal, como as da Ministra das Relações Exteriores e do Chanceler. Tivemos uma visita do presidente do Parlamento português à Alemanha, bem como encontros muito pessoais entre deputados de ambos os Parlamentos.
Alemanha e Portugal partilham o mesmo ponto de vista em 95% das posições em matéria de política europeia e política internacional. Somos parceiros no âmbito da União Europeia, mas também da NATO e no que diz respeito aos conflitos internacionais. Como embaixadora alemã em Portugal, é muito fácil e agradável para mim estar aqui, porque são encontros normalmente muito amistosos.
Na área económica, por vezes, há algumas sombras sobre o que pode vir a acontecer em relação a investimentos que são estruturais e importantes para o país. A Autoeuropa é um caso flagrante mas há outros investimentos. Também se fala da Lufthansa em relação à TAP. Tem sinais de que a intenção alemã de investir em Portugal vai aumentar a partir deste ano?
É verdade que já temos muitas empresas que há muitos anos, até décadas, têm investido em Portugal. Já mencionou a Autoeuropa e eu acrescentaria a Continental, a Laica e muitas outras empresas que já há anos chegaram a Portugal. Encontraram aqui a mão-de obra idónea e ambiente laboral que acharam bom para estabelecerem-se e produzirem cá. Nós vemos uma intenção de ficar aqui. Todas estas empresas dizem que vão ficar aqui. A Autoeuropa também já anunciou que, se não produzir o T-Rock, vai produzir um carro híbrido. As outras companhias estão ainda a aumentar a sua força laboral e estão a estabelecer novos tipos de departamentos nas suas empresas, que trabalham com os engenheiros que saem das universidades portuguesas. Por exemplo, já produzem soluções digitais para as suas empresas em todo o mundo. É uma tendência que podemos observar nos últimos anos, que ainda está a aumentar e talvez só seja limitada pela quantidade de pessoal qualificado em Portugal. Também aqui as empresas têm de competir para conseguir estes recursos humanos.
Há intenção de investir em Portugal, pelo menos no que diz respeito às intenções das empresas aos inquéritos. A nossa Câmara de Comércio diz-nos que recebe muitas perguntas e muito, muito interesse por parte de companhias, sobretudo porque a situação internacional em muitos sítios não é tão estável ,também politicamente, como em Portugal.
A realização de eleições, que trazem sempre alguma imprevisibilidade, é um fator que afasta os investidores alemães ou há a compreensão que se trata de um momento político normal?
Compreendemos que um governo durante um período legislativo possa demitir-se ou possa haver uma mudança. Em Portugal, os dois grandes partidos têm posições bastante parecidas sobre as empresas e a indústria. Não é um fator que pudesse dissuadir empresas alemãs com planos de investir aqui de renunciar aos seus planos.
Alguns investidores estrangeiros sinalizam também alguns obstáculos, nomeadamente questões de burocracia, de licenciamento, de fiscalidade. Para os investidores alemães é um fator que torna Portugal menos atrativo ou não é um problema na maior parte das vezes?
Não saberia dizer exatamente qual seria o maior problema destas empresas, porque a Embaixada não tem conhecimentos tão profundos nesta área. As empresas alemãs que visitei queixaram-se mais sobre a falta de infraestruturas nalguns sítios.
Podem ser infraestruturas ferroviárias, pontes, novas estradas seriam muito importantes para exportar produtos para fora do país, para haver ligações entre os portos e os locais de produção. Isto é uma queixa que já ouvi várias vezes. O Governo está consciente de que há projetos não terminados, mas sei que também tem há planos como o ferroviário ou o PRR.
Talvez precisem mais de alguns investimentos nas infraestruturas para satisfazer as necessidades destas empresas.
Nos últimos anos, a Alemanha mostrou abertura para atrair jovens engenheiros portugueses. Esse convite ainda é uma necessidade para a Alemanha?
A Alemanha ainda tem uma grande necessidade de aumentar a sua força laboral e temos uma falta de mão-de-obra qualificada de universitários e académicos. Estamos à procura deles em todo o mundo. Não só em Europa, não só em Portugal, mas noutros países, no Brasil, convidamos pessoas bem qualificadas a vir para a Alemanha para estes empregos na indústria, serviços e em todos os setores da nossa economia.
Também as empresas alemãs que investem em Portugal têm um grande interesse em encontrar aqui engenheiros e informáticos para trabalhar aqui nas suas sucursais. Essas pessoas não têm que sair de Portugal, podem ficar aqui, podem formar aqui a sua família.