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Entrevista Renascença/Ecclesia

"Há famílias muçulmanas e de outros credos" a acolher peregrinos da JMJ

16 jul, 2023 - 09:30 • Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

A Jornada Mundial da Juventude marca o início de uma nova etapa da Igreja em Portugal que “vai deixar semente”, acredita Pedro Carvalho, do Comité Organizador Diocesano de Aveiro da JMJ.

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Entrevista a Pedro Carvalho, do Comité Organizador Diocesano de Aveiro da JMJ
Ouça a entrevista a Pedro Carvalho, do Comité Organizador Diocesano de Aveiro da JMJ

Há famílias muçulmanas e de outros credos entre as duas mil que vão acolher peregrinos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) na Diocese de Aveiro, diz Pedro Carvalho, responsável do Comité Organizador Diocesano (COD) de Aveiro da JMJ, em entrevista à Renascença e à Agência Ecclesia.

Pedro Carvalho defende que “a Igreja tem tudo a ganhar" se apostar na manutenção das estruturas criadas para a organização da Jornada Mundial da Juventude.

Noutro plano, o responsável do COD de Aveiro afirma que “as pessoas só vão perceber a Jornada Mundial da Juventude no dia a seguir, no dia 7 de agosto”, e aponta à necessidade de “melhores propostas” para manter os jovens na Igreja. Pedro Carvalho defende que a geração saída da JMJ vai precisar de um acompanhamento diferenciado e diz que será importante “fazer bem".

Para este jovem que se deixou cativar por uma frase de João Paulo II, a Jornada marca o início de uma nova etapa da Igreja em Portugal que “vai deixar semente”, até porque durante todo o processo foi possível “conhecer gente nova que é capaz de realizar e de construir”.

Agora, “o mais importante é descobrir como vamos mediar aquela energia toda”, pois “não podemos chegar depois às paróquias e não termos propostas”, adverte. Pedro Carvalho não dúvida que a JMJ “vai ter um impacto positivo” e lembra que o fim do evento tem de significar “o início de um novo desígnio”.

Pedro Carvalho não desvaloriza as reservas que a sociedade tem colocado à realização da Jornada em Portugal, mas diz que se começa a perceber que “o país se está a mobilizar, está alinhado”, e no fim “vão ver que realmente valeu a pena”.

A uma semana do início dos chamados Dias nas Dioceses, que balanço faz da mobilização das comunidades católicas, em Aveiro, para o acolhimento de peregrinos? Quais foram as maiores dificuldades?

Nós não mobilizamos só a as comunidades católicas, quisemos ativar toda a Diocese de Aveiro e aqueles que estavam mais longe da Igreja.

E conseguiu-se trazer esses que estavam mais longe?

Sim, achamos que sim. Logo de início, a nossa visão, enquanto COD, era mobilizar a comunidade diocesana para a vivência da JMJ na sua plenitude. E tínhamos uma missão muito clara: motivar os jovens da diocese para viver a Jornada Mundial da Juventude e também acolher os jovens participantes nos Dias nas Dioceses.

Depois havia três pilares: queríamos dizer que estávamos todos convidados para fazer este caminho das jornadas; queríamos fazer diferente, acreditar que conseguíamos fazer diferente, e achávamos que este devia ser um novo tempo, um tempo novo de transformação da Igreja. Para isso, tínhamos de ser ousados, aventureiros, audazes e também corajosos nas propostas que teríamos de fazer. Termos um laboratório de sonhos, de sonhar o que queremos nesta Jornada, nesta preparação.

O último pilar era mesmo tornar viral a JMJ e os Dias nas Dioceses. Portanto, este foi o nosso desígnio desde o início.

Que programa está preparado para esta pré-Jornada?

Quisemos fazer uma proposta diferente: primeiro, acolher todos os peregrinos em famílias. E isso conseguimos. Era aqui que nós queríamos chegar e temos gente de todos os credos. Temos duas mil famílias de acolhimento, há famílias muçulmanas, de outros credos, que estão connosco neste trabalho.

E vão receber jovens muçulmanos, também?

Nós não sabemos quem é que eles vão receber, vamos receber cerca de cinco mil participantes, peregrinos de 14 países e o nosso programa tem quatro pilares: o acolhimento, a missão, a cultura e a descoberta. Isto foi um desígnio de todas as dioceses, que nós quisemos praticar. A nossa proposta é muito direta e, desde outubro, explicamos a todas as delegações estrangeiras que o nosso programa era este: primeiro, descobrir a terra donde somos, fazer missão na terra que nos acolhe e, depois, conhecer a nossa cultura. Acolher bem, acolher as pessoas que estiverem connosco.

A possibilidade de serem acolhidos em família é, se calhar, a melhor forma de acolher bem?

Claro, nós portugueses sabemos acolher e acolher o desconhecido. Acho que era isso que queríamos, sabíamos que, quanto mais famílias tivéssemos, mais as paróquias se mobilizavam em tornos dos Dias nas Dioceses. Isso está a acontecer, esta alegria de fazer acontecer os Dias nas Dioceses. As famílias disseram “sim”, nós ficamos muito felizes por esse sim.

Nesse contágio, que importância teve a peregrinação dos símbolos da JMJ?

Na peregrinação dos símbolos, nós quisemos ser poéticos e criativos. Desde o primeiro dia, quem acompanhou em Aveiro percebeu isso, logo no comboio, porque nunca tinha acontecido, que chegou à praça onde São João Paulo II tinha estado na sua viagem para Braga - quis o destino que fosse de Braga para Aveiro que viessem os símbolos. Fizemos acontecer coisas diferentes, também estava neste desígnio: uma Missa na vinha, ir às periferias, tocar naqueles que não estavam à espera, mas essencialmente que os jovens fossem os grandes protagonistas. Nós, enquanto COD, éramos os mediadores da sua energia, os jovens tinham de ser os protagonistas. E foram, ativaram essa alegria, a energia que eles têm, e fizeram mover as suas paróquias.

Os vários Comités Diocesanos tiveram oportunidade de se reunir, mensalmente, ao longo de quase dois anos. O que significou essa oportunidade inédita, em termos de cooperação, para a Igreja Católica? É uma dinâmica a manter?

Eu espero que sim. Tive a oportunidade de participar em todos, menos um: primeiro, foi bom fazermos aquilo que o Papa Francisco diz, provocarmos a cultura do encontro, e isso foi conseguido, essa cultura aproximou-nos, dioceses, pessoas, criamos links entre todos, e construímos este sonho de ajudar a concretizar a Jornada Mundial da Juventude.

Tem sido um caminho de descoberta, de entendimento entre todos os COD, e eu acho que isso foi conseguido, porque basicamente já nos vemos quase como uma família, a telefonarmos uns aos outros para resolver os mesmos problemas. “Como é que resolveste esse problema? Eu aqui na minha diocese, tenho este”. Isso foi conseguido. Espero que estas estruturas que foram criadas, o COL, os COD, os COP, se mantenham. Penso que a Igreja tem tudo a ganhar, porque conhecemos gente nova que é capaz de realizar, que ama este caminho, também, com Jesus Cristo. É possível construirmos um sonho, neste caso, uma atividade, com todos.

A pouco mais de duas semanas da JMJ, acha que o país já tem consciência da dimensão do evento que vamos receber? Há quem se queixe do facto de o Estado gastar dinheiro numa “festa privada da Igreja”, por exemplo.

Eu tive o prazer de participar em três Jornadas Mundiais da Juventude: Roma, em 2000, depois Colónia (2005) e a última em Madrid (2011). Achava que ia ser a minha última, o destino teve outros planos, não esperava viver em Portugal. Penso que as pessoas só vão perceber a Jornada Mundial da Juventude no dia a seguir, no dia 7 de agosto, porque o país não está preparado, de facto não participaram muitos jovens, ao longo destes 40 anos, de Jornada Mundial da Juventude. Em Aveiro, não chegam aos mil participantes.

Historicamente…

Historicamente, há muito pouca gente que viveu a Jornada Mundial da Juventude, que sabe o que que é isso, o que é este sonho. Portanto cabe a nós, o COL, os COD, todas estas estruturas, passar esta visão. De facto, vamos ter festa e vamos ter uma juventude feliz nas ruas. Eu espero que entusiasme outros jovens, para perceberem o que é isto. Acho que nós vamos conseguir, vamos ser capazes de dar conta do recado, mas como eu costumo dizer, o melhor ainda está para vir.

Sente o país verdadeiramente mobilizado para o evento?

Eu sinto isso, sinto que as estruturas acordaram. Pela televisão, pelas rádios, pela sociedade civil, percebe-se que o país se está a mobilizar, está alinhado.

Está a dar conta de que é um evento muito importante?

É muito importante, mas… como explicar? As pessoas sabem que é uma coisa muito importante, mas ainda não é tangível, quanto é importante, quanto vai ser impactante e o país ainda não percebeu. Com toda a sinceridade, porque só quando virem a alegria dos jovens na rua, a discutirem no ‘Rise Up’, no Festival da Juventude, os grandes momentos – eu olho para o Parque Tejo e tenho a visão de ver aquilo tudo cheio de jovens, quem vê aquilo agora a verde e aquelas ruas, é só um espaço… Vão ver que realmente valeu a pena, valeu a pena fazermos isto.

E do ponto de vista pessoal, o que é que representou esta experiência de preparação da Jornada para o Pedro? Mudou a sua visão de Igreja? Disse que participou até agora em três Jornadas Mundiais da Juventude. Como é que nos pode escrever a sua experiência?

Eu estou aqui por causa de uma Jornada Mundial da Juventude em 2000. E por uma coisa muito simples. O Papa João Paulo II disse: vós jovens não tenhais medo de incendiar a Igreja. E essa frase ficou-me para todo o sempre. Eu ia com a minha namorada, a Catarina que agora é a minha mulher e agora temos três filhos, e como dizia, naquela altura acho que depois de ouvir aquela frase nós olhamos e dissemos qualquer coisa como: "Vamos casar" e interrogamo-nos sobre o que é que é isto de "incendiar" a Igreja. Era ajudar a transformar a Igreja.

Em termos pessoais foi uma descoberta para mim. De conhecer pessoas novas, de tentar fazer coisas diferentes, descobrir novos caminhos e continuar a incendiar a Igreja. Acho que conseguimos. Ou melhor dei um pequeno contributo para que isso aconteça. Nós, em Aveiro, com as atividades propostas, com maneiras de fazer diferente, de provocar a juventude para este encontro, tentamos dar o nosso contributo. Por exemplo conseguimos um projeto artístico que é "A mão e mundo" em que convidamos uma diretora artística. Levamos o teatro nos símbolos, fomos às periferias, plantamos mil arvores. Pessoalmente o meu grande objetivo é deixar um bocadinho melhor a Igreja em Portugal.

E é esse o significado que quer dar à expressão "incendiar a Igreja", no sentido de purificar, de melhorar?

Sim, eu acho que às vezes nós estamos muito fechados. Não é nenhuma novidade isto. E este era o nosso contributo. Vamos incendiar, vamos fazer diferente, vamos tentar fazer diferente e provocar os jovens, trazê-los para dentro, porque eles têm tanto talento; e trazê-los para dentro da Igreja, para dentro dos nossos espaços e provocar a igreja saída da Laudato Si e da Fratelli Tutti.

Vamos tentar neste tempo, que vai ser até 7 de agosto, vamos tentar fazer isto. E o meu contributo foi ter a minha disponibilidade, dar um pouco daquilo que eu sei, e estou muito feliz. Se terminasse hoje a Jornada era uma pessoa muito feliz porque eu saio muito maior do que quando entrei. Apesar de ter apenas 1,65 metros de altura saio muito maior do que quando entrei.

E olhando para o imediato, o que é que o país pode esperar do contributo destes milhares de jovens vão passar por Portugal entre finais de julho, início de agosto?

Pode esperar alegria. Pode esperar disponibilidade. Pode esperar entusiasmo. Portanto, que nós saibamos acolher este desconhecimento de diferentes culturais e que sejamos tocados por este encontro com Cristo vivo e que outros de outras partes do mundo que tenham outras vivências eclesiais que nós saibamos tirar o melhor deles e que possamos levar para as nossas paróquias esses pequenos momentos que vamos viver.

Nós tivemos recentemente a publicação de um estudo da Universidade Católica sobre a religiosidade dos jovens. Metade dos que responderam assumiram se como católicos. É um número que surpreende ou que vai ao encontro daquilo que vivenciou nestes últimos anos na preparação da JMJ?

Eu acho que nós temos os jovens. Nós precisamos é de pessoas disponíveis para mediar a energia deles e para mediar os sonhos deles e ajudá-los a concretizá-los. E nós temos. Ontem fui buscar duas pessoas a um encontro de preparação para a Jornada Mundial da Juventude, que não estão em catequese, não são escuteiros, não são nada. E então foram provocados e vinham felicíssimos e a fazerem perguntas. "Olha Pedro, como é que vai ser isto? Como é que vai ser em Lisboa e como é que vamos estar com o Papa?"

Portanto, eles estão com muita energia. Claro que viemos de uma pandemia difícil. Estávamos em Cinzas, renascemos das Cinzas, agora eles estão. Nós temos é que ter boas propostas porque eles dizem sim às propostas. Nós temos um exemplo em Aveiro que foi o projeto artístico. Um projeto muito difícil, em que eles disseram sim, estamos aqui.

E não o surpreendeu então o resultado deste estudo?

Não me surpreende. Agora o que este estudo nos diz é que há jovens e que é preciso manter o foco. Porque se nós fizéssemos uma conta rápida nós teríamos 500 mil jovens inscritos na JMJ e não é esse o número que temos. Então o número não me surpreende, mas também nos diz que temos muita massa para trabalhar, muita gente que quer respostas, só que ainda não encontramos as melhores respostas para eles.

Nesse sentido, e tendo em conta tudo aquilo que já nos falou, pergunto se a experiência da JMJ pode ser um fator de atração de quem está mais à margem ou à espera?

Claro que sim. Estes dois jovens de quem estava a falar são um pequeno exemplo de alguém que não tem nada a ver com a Igreja, mas estão entusiasmados em participar.

E eu acredito que vai deixar semente. A mim deixou-me uma frase. Portanto, eu estou aqui por causa de uma frase do Papa João Paulo II. Também acredito que a forma como o Papa Francisco vai estar em Lisboa vai entusiasmar mais jovens a querer ser diferentes, a serem protagonistas, a serem ousados, em ser poéticos na sua maneira de viver a Igreja. Mas nós também depois não podemos é ficar na missa das 11h00.

E isto pode promover o regresso de alguns ou de muitos que se afastaram?

Sim, mas temos aqui um desígnio. E temos que ter melhores propostas. Temos que capacitar os catequistas, os animadores, para que eles consigam ter boas iniciativas, boa espiritualidade para viver o seu dia a dia de uma forma diferente. Se nós conseguirmos fazer isso, temos os jovens mas também temos que ter as pessoas para os acolher.

Entende que seria importante, daqui a um par de anos, repetir este estudo para se perceber melhor o efeito da JMJ e que mudanças é que pode provocar na pastoral juvenil em Portugal?

Tem que provocar. Na passada segunda-feira estávamos com D. António Moiteiro, o bispo de Aveiro que abraçou este projeto e dissemos: Nós temos 1.200 jovens e vamos juntos em Diocese - Um projeto que desenvolvemos. Esta para nós é a geração JMJ 23 e queremos acompanhá-los. Depois de regressarem de Lisboa queremos que esta geração seja acompanhada e que tenha boas propostas. Portanto, eu acho que vai haver uma geração 2023. Devemos acompanhá-los e daqui a 10 anos perceber qual foi realmente o impacto. Eu acho que vai ser um impacto positivo. Mas saibamos nós que estamos nas estruturas fazer bem. Sobretudo a partir de agora. Esse ainda vai o desígnio ainda maior. Fazer uma atividade é fácil; agora acompanhar estes jovens - os milhares de jovens que estão inscritos - acho que esse desafio tem que ser pensado para o futuro, e isso ainda não está pensado.

Não fica tudo feito com o fim da Jornada, antes pelo contrário?

Não fica. É o início. Para mim é o início. Portanto o mais importante é descobrir como vamos mediar aquela energia toda. Ou seja, não podemos chegar despois às paróquias e não termos propostas. E, portanto, é aí que nós temos que ver como é que vamos trabalhar esses milhares de Jovens. Nós em Aveiro e as outras dioceses. Nós queremos que isso que isso aconteça, e achamos que vamos conseguir.

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