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Estado da Nação. Joana tem salário de 900 euros e paga 800 de renda

17 jul, 2024 - 06:30 • Vasco Bertrand Franco

No dia em que se realiza o debate do Estado da Nação, no Parlamento, a Renascença ouviu testemunhos da crise da habitação que está a assolar Portugal.

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Habitação. Apoios às rendas vistos à lupa - queixas aumentam no portal da Deco. Foto: Miguel Marques Ribeiro
“A partir do momento em que faço um contrato novo, vou deixar de ter o apoio à renda, o que é uma estupidez", lamenta Joana. Foto: Miguel Marques Ribeiro

Joana recebeu ordem de despejo aos 65 anos e andou quatro meses à procura de casa. Tem um salário de 900 euros e conseguiu uma habitação a pagar 800 de renda, sem apoio estatal. Rosa vive rodeada de alojamento local e sente-se a mais no seu bairro, transformado em "parque de diversões" para turistas. Duas visões da crise na habitação no dia em que o Parlamento debate o estado da Nação.

São milhares as pessoas que estão a sentir as consequências da crise da habitação. O número de pessoas sem-abrigo aumentou pelo segundo ano consecutivo, são já mais de 11 mil, segundo dados da Cáritas Portugal.

Encontrar uma casa a preços acessíveis é um pesadelo e uma tarefa quase impossível. Joana (nome fictício), de 65 anos, conta a sua história à Renascença. Foi expulsa da casa em que viveu durante mais de 13 anos, porque os senhorios queriam vender a habitação.

“Em meados de março, recebo uma carta dos senhorios a dizer que queriam vender a casa e que eu teria de sair até finais de agosto. Claro que entrei logo em pânico porque, na altura, já sabia que as rendas estavam altíssimas", relata Joana.

"Estive até ao último minuto para conseguir arranjar uma casa. Até a minha filha tentou arranjar um empréstimo do banco. Finalmente, depois de muita procura, consegui uma casinha no Monte da Caparica, só com um quarto. Com o meu ordenado de 900 euros e apanhar uma renda de 800 euros, vou ficar sem o meu filho comigo, que tem problemas neurológicos. Tem de ir viver com o pai porque eu não vou conseguir suportar as despesas todas", desabafa.

Joana sentiu muitas dificuldades na procura de casa e garante que procurou em vários concelhos da Margem Sul, como Barreiro, Seixal, Almada, Montijo e Alcochete. A casa mais barata que encontrou em mais de quatro meses de procura foi no valor de 750 euros/mês. Mas “não era bem uma casa, era tipo um duplex com acesso ao primeiro andar. As escadas eram muito perigosas, em caracol. E a minha filha disse logo: 'para aqui não vens sozinha'. Eu também já não sou nova, já tenho 65 anos e para descer tinha de ser de costas, era horrível. A casa não tinha condições nenhumas, a minha cama não cabia naquele espacinho que era o quarto”, recorda.

Uma das prioridades do novo Governo de Luís Montenegro é, precisamente, o combate à crise habitacional. Para isso, em maio, o executivo apresentou o plano “Construir Portugal: Nova Estratégia para a Habitação” que visa “dar uma resposta urgente às dificuldades na aquisição ou arrendamento de casa”. Algumas das medidas passam pela isenção de IMT e do Imposto do Selo para jovens; desbloqueio de 25 mil casas que integrem o PRR; incentivos ao arrendamento e criação de mais de 18 mil camas para estudantes.

O aumento do preço das casas é dramático em muitos casos, especialmente nas grandes cidades. De acordo com o INE, no primeiro trimestre deste ano, a renda média continuou a aumentar (em comparação com o mesmo período do ano passado) nos 24 municípios com mais de 100 mil habitantes. Guimarães é o município que se destaca, com um aumento de 19,5%, segue-se Vila Nova de Famalicão com 18,3% e Coimbra com 15,2%.

Por outro lado, o número de novos contratos habitacionais desceu, comparando com o trimestre homólogo, em 13 dos 24 municípios, evidenciando-se Funchal (-11,5%), Oeiras (-11,4%) e Seixal (-10,9%).

"Sinto-me a mais no meu bairro"

Rosa Santos, de 60 anos, mora desde sempre na zona do Castelo, em Lisboa, e diz que atualmente não existem mercearias nem padarias na zona, porque está “tudo feito para os turistas”.

A lisboeta acompanha de perto o grave problema da habitação e garante que, onde mora, muitas casas são de Alojamento Local (AL) e existem “casas da Câmara já recuperadas e que não estão habitadas".

"Sinto-me sempre a mais no meu bairro, não há casas para alugar, porque é impossível, os preços são exorbitantes. Eu vejo oportunidades como um T3 por 2.000 euros. Vejo obscenidades como 30 m² por 800 euros. O meu filho na pandemia conseguiu alugar uma casa velha por 650 euros. O contrato é de um ano, portanto, já sabe que quando acabar o contrato ou aceita pagar entre 900 euros e 1.000 euros ou tem de mudar de casa.”

A verdade é que, segundo o INE, o Índice de Preços da Habitação no primeiro trimestre, em termos homólogos, os preços das casas existentes como também das novas habitações aumentaram. O preço das novas habitações cresceu 5,5% e os preços das casas existentes registaram um crescimento mais acelerado, atingindo os 7,6%. No total, no mesmo período, transacionaram-se 33.077 habitações, o que corresponde a uma redução de 4,1%, comparando ao período homólogo e de 3,1% contrapondo ao trimestre anterior.

Atualmente, existe uma carência de 136.800 alojamentos, mas, de acordo com o INE, há em Portugal 154.075 vagas passiveis de venda ou arrendamento, havendo assim, no imediato, uma margem de 17.275 alojamentos disponíveis.

Houve também uma diminuição de 11,3% de edifícios licenciados (período homólogo). Por um lado, os licenciamentos para construções novas decresceram 15,1%. Já o licenciamento para reabilitação observou um decréscimo de 0,6% após um aumento de 13,0% no 4º trimestre de 2023.

SOS. "Vou deixar de ter o apoio à renda"

Salários baixos e rendas exorbitantes são lamentos partilhados por Joana e Rosa, que pedem ao Governo que faça algo no curto prazo.

Rosa, que pertence ao Movimento Referendo pela Habitação, diz que neste momento Portugal é um “parque de diversões” porque é barato para os turistas, mas caro para os portugueses e assinala o referendo popular que a organização está a preparar.

Sem acesso a um apoio estatal para o pagamento da renda na nova casa, Joana faz um pedido de ajuda.

“A partir do momento em que eu faço um contrato novo, eu vou deixar de ter o apoio à renda, o que é uma estupidez. Eu estou a fazer um contrato novo porque sou obrigada a fazer um contrato novo com outros senhorios. Mas quer dizer, a renda é superior e eu não vou ter apoio nenhum do Estado. Não há ninguém que ponha um travão nisto? Eu só peço que o Estado me ajude”, apela Joana.

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