05 jun, 2024 - 06:30 • João Carlos Malta
À entrada da Quinta das Rosas, num local bem afastado da azafama da cidade, nas profundezas de Nelas, no distrito de Viseu, Susana Melo Abreu abre o portão para o declive em que se espraiam seis hectares de vinha e de onde saem o "Índio Rei" e o "Psique".
Num mundo competitivo e inundado de marcas como o dos vinhos, Susana explica como o projeto Terras Altas de Portugal e os fundos europeus ajudaram a empresa no processo de internacionalização e a chegar a paragens bem distantes que vão da Ásia à América, passando pela Europa.
A participação em duas feiras internacionais em Espanha e na Alemanha, no ano passado, foi muito importante neste processo de crescimento.
“Vim de lá com imensas ideias e também com contatos diretos de clientes HORECA [hotéis, restaurantes e cafés] e de garrafeiras com quem falei. São feiras mais abrangentes às quais normalmente não vamos, mas não deixam de ser muito interessantes”, diz Susana Melo Abreu, CEO da Amora Brava, empresa familiar que fundou com o marido, o reputado enólogo da região do Dão, Carlos Silva.
Ao vinho (produto-estrela) juntam o azeite, os frutos frescos e os frutos secos.
Daquela experiência que decorreu no primeiro semestre de 2023, conta Susana, resultaram dois negócios e “muitas portas abertas, às quais ainda não consegui dar seguimento”. Numa microempresa, a concentração de papéis, entre planificação, produção, promoção, marketing, faz com que os processos levem mais tempo.
“Pusemos o 'Índio Rei' numa das principais lojas online espanhola, a Viño Seleccion, e houve uma garrafeira alemã que nos comprou o 'Psique', cujo topo de gama está à venda por 40 euros cada garrafa”, salienta.
A mais de 100 quilómetros, num edifício tradicional de dois pisos do centro de Vila Real, está Mário Rodrigues. É o líder da Soul&Flavours e proprietário do Covilhete, espaço de pastelaria que tem o nome do produto estrela da empresa - uma empada com carne picada. É rápido a explicar como o Terras Altas de Portugal (TAP) ajudou ao desenvolvimento de um pequeno negócio.
“Para empresas pequenas como a nossa, que temos de fazer o nosso caminho, estas ações coletivas em que participamos inseridos numa rede torna [o processo] muito mais fácil para nós. É um complemente à nossa estratégia comercial”, diz Mário.
O gestor acredita que o TAP abriu portas a feiras em que “de outra forma não poderíamos estar”. “São feiras muito caras e ter um stand sozinho é incomportável”, refere.
Atualmente, a empresa que além do Covilhete junta ao portfólio um conjunto de salgados pré-congelados, já exporta para seis mercados, o equivalente a 15% da produção anual. Apesar de existir há seis anos, só há dois anos se virou definitivamente para a internacionalização.
Também em Vila Real, está a porta-voz do TAP, Manuela Mota, que desde há 10 anos segue todos os passos deste projeto que junta cinco distritos do interior do país (Castelo Branco, Vila Real, Bragança, Viseu e Guarda).
Em 2013, conta, esta iniciativa estruturou-se na identificação das empresas que após uma análise prévia do seu potencial exportador, “seja a nível de quantidades, seja a nível da qualidade de produto para nichos de mercado”, estivessem em condições de descolar para a internacionalização.
A ideia era a de valorizar os produtos tradicionais daquelas regiões, centradas sobretudo no agroalimentar, e em que o vinho, o queijo, o mel, as compotas, e outros produtos tradicionais pudessem ganhar asas para saltar as fronteiras do território de produção.
Ao todo, e em várias campanhas de comunicação e promoção, em 10 anos, foi gasto um milhão de euros.
A escolha de feiras internacionais de grande dimensão foi um dos pilares do projeto, porque a ideia era a de que a montra fosse tão grande quanto possível. As empresas eram representadas por membros do Terras Altas, mas foi aberta a possibilidade de empresários a título individual e a expensas próprias pudessem seguir as delegações.
Houve depois também iniciativas que trouxeram a estas regiões os importadores dos mercados alvo para um contato mais próximo com os produtos.
PRR
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Os países escolhidos pelas associações empresariais que dão corpo ao TAP foram a Espanha, a Alemanha, a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo.
Manuela Mota continua a acreditar que o TAP é fundamental para dar a estas empresas a capacidade de conhecerem outros mercados, outras realidades e as especificidades da exportação. Isto porque, não raras vezes há o autoconvencimento por parte das empresas de que o produto que têm é o melhor do mundo e distinto de todos os outros.
“Isso não chega. Isso existe em todo o mundo. Nós temos de transmitir às pessoas a necessidade de fazer o seguimento dos contatos que trazem das feiras e serem muito persuasivos. Vão ter de ouvir muitos nãos, até ouvirem um sim”, explica.
Mário Rodrigues parece ter esta lição muito bem estudada. Diz que as experiências em Espanha e na Alemanha, em que seguiu a delegação do TAP, foram muito importantes para gerar contactos e fazer a primeira abordagem, mas sabe que isso não basta. “É necessário muito ‘follow-up’. As vendas só aparecem uns meses mais tarde”, concretiza.
Para este empresário, que, entretanto, se tornou também presidente da Associação Comercial e Industrial de Vila Real, esta iniciativa está muito bem calibrada porque “há um segmento que procura e quer ter estes produtos tradicionais, e os valorizam”.
“Pelo feedback que nos deram, percebemos que tínhamos potencial”, confidencia o dono do Covilhete. Para já, este projeto adicionou a Alemanha, mais precisamente a região de Hamburgo, ao grupo de locais onde aquele salgado se pode comer. Também os Países Baixos passaram a estar no portfólio de exportação.
O objetivo de Mário está traçado. Quer que as exportações valham entre 25% e 30% no curto-médio prazo. Atualmente a empresa emprega 20 pessoas e fatura 600 mil euros.
Mas nem tudo são rosas, quando falamos de fundos estruturais. E estas empresas sabem-no bem. Regressando à exploração vinícola de Nelas, Susana Melo Abreu, esclarece que além do TAP, a relação com o financiamento europeu não é o mais fácil. Ela e a família têm sustentado e assentado o negócio com recursos próprios. Apenas a reconversão das máquinas da adega foi feita com recurso a ajuda europeia.
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E explica porquê. “São processos muito burocráticos, muitas vezes pagamos para os conseguir e ficamos de fora. E depois há que dar os outros 50% [de financiamento] e quem é que os tem?”, questiona a líder da empresa que faz da exportação a quase totalidade de vendas dos seus vinhos.
A engenheira critica ainda a forma como os fundos comunitários são distribuídos. Não entende que muitos sejam desviados para as grandes empresas. “Não deviam estar acessíveis a todo o tipo de produtores. Eu acho que deviam ajudar exatamente as pequenas e médias empresas a crescerem e ganharem dimensão”, concretiza.
Isto porque, defende, as “grandes empresas deviam continuar a crescer por si próprias”.
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E densifica, de seguida, porque pensa desta forma. “As grandes empresas têm máquinas a trabalhar nos fundos, têm pessoas que tratam de tudo e podem recorrer a serviços externos. Tudo ali funciona na perfeição. Nós temos de recorrer a empresas externas e não temos experiência”, assinala a empresária de Viseu.
Manuela Mota, que além de porta-voz do TAP tem um longo percurso no acompanhamento de candidaturas a fundos europeus, concede que “de facto os processos são muito burocráticos”.
“Os timings também são muito complicados, porque existem cronogramas que são definidos pelos próprios programas. Já os organismos intermédios que os lançam não os cumprem, agora nós temos de cumprir”, lamenta.
Apesar das dificuldades destes processos, tendo em conta os bons resultados das duas edições anteriores, o Terras Altas de Portugal caminha para uma terceira edição, no novo quadro comunitário de apoio, o Portugal 2030. A proposta ainda está a ser analisada.
A ideia, explica Manuela Mota, é fazer um projeto “mais ambicioso na forma” e que quer dobrar o investimento das duas primeiras edições, concorrendo a um subsídio de 1,2 milhões de euros, para serem mais efetivos na chegada aos mercados e aos compradores.