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​Entrevista a Paul Polman: “Empresas corajosas dão mais do que tiram”

16 jul, 2023 - 11:00 • Sandra Afonso

Está a crescer um novo conceito nos negócios, o “net positive”, que rompe com a filosofia tradicional de responsabilidade social das empresas. Cada vez mais empresários admitem que as métricas tradicionais já não funcionam. É necessário avaliar o impacto no ambiente e na sociedade, desbloquear problemas em benefício de todos e contribuir para um mundo melhor, não apenas para o bem estar do acionista. Mas será que vai a tempo? Os trabalhadores são neste momento “uma bomba-relógio”.

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Entrevista a Paul Polman da jornalista Sandra Afonso
Clique na imagem para ouvir a entrevista a Paul Polman, coautor do livro "Net Positive - Diferença Positiva: Empresas corajosas dão mais do que tiram". Foto: DR

Não chega reduzir as emissões, “é preciso que o trabalho tenha um impacto positivo”. O nosso modelo económico “baseia-se num crescimento ilimitado num planeta finito e beneficia um reduzido número de pessoas”, por isso os problemas continuam a agravar-se, mesmo com mais empresas a lutar por uma solução.

Este é o mote para a nova filosofia empresarial defendida por Paul Polman, que liderou e revolucionou a multinacional Unilever e agora mobiliza empresas para os objetivos globais da ONU, e Andrew Winston, reconhecido mundialmente como uma autoridade em negócios sustentáveis.

Com décadas de experiência e currículo na área, os dois autores aproveitaram o recolhimento forçado da pandemia para passar para o papel este novo conceito empresarial, que dá nome ao livro: “NET POSITIVE – Diferença Positiva: Empresas corajosas dão mais do que tiram” (Actual).

Em entrevista à Renascença, Paul Polman explica que muitas empresas já estão atentas a questões como as alterações climáticas ou a desigualdade, “mas, coletivamente, não estamos a ser suficientemente rápidos e todos os dias pagamos um preço maior, em termos de desastres naturais ou pessoas que caem em situações de pobreza alimentar”.

Este não é um problema dos outros, Polman defende que “o setor privado tem um papel importante a desempenhar na solução destas questões. Afinal, não há pessoas num planeta morto, e os negócios não podem dar certo em sociedades que fracassam”. Conclui, assim, que “é importante, também no interesse dos negócios, ser um participante ativo”.

“Mudar mentalidades”

Segundo o gestor, a maioria das empresas está em modo de "responsabilidade social corporativa", ou seja, “entendem os problemas, mas assumem o compromisso de serem menos maus, com menos plásticos no oceano, menos emissões de carbono”.

Polman sublinha que é preciso “mudar mentalidades”, porque “quando ultrapassamos estes limites planetários, o menos mau continua a ser mau”.

"Quase metade dos funcionários considera pedir demissão se os valores de uma empresa não se alinharem aos seus. Isto é uma bomba-relógio para as empresas, essa desistência consciente"

É desta forma que surge este conceito empresarial. De acordo com Paul Polman, “a única coisa que neste momento realmente funciona é pensar em regenerativo, restaurador e reparador e isso é o que chamamos de Net Positive. O custo de não agir agora é mais alto do que o custo de agir”.

Um dos primeiros passos é romper com cinco décadas de economia neoliberal, em que “as únicas métricas de bem-estar são financeiras – lucros para as empresas, mercados bolsistas para as economias e PIB para os países”.

Os autores apresentam uma alternativa à teoria de Milton Friedman, de que o único objectivo do negócio é servir apenas o acionista, e não estão sozinhos. Cada vez mais empresas encontram falhas na aplicação da filosofia de Friedman nos dias de hoje.

Os 5 princípios da Diferença Positiva

Um negócio de “Diferença Positiva” assenta em cinco princípios fundamentais: assumir as responsabilidades, privilegiar o longo prazo, servir primeiro os outros, abraçar a colaboração e a mudança e garantir retorno acionista.

Paul Polman diz que o “net positive” é alcançado “quando as empresas assumem todos os impactos e consequências no mundo, pretendidos ou não. Não é fazerem outsourcing da cadeia de valor, sabem que não podem passar a outros as responsabilidades, têm de assumir o impacto total”.

São ainda empresas que “trabalham para benefício dos negócios e da sociedade, a longo prazo, e estão a criar um retorno positivo para todos, não apenas os acionistas. O retorno acionista não é um objetivo em si.”

Estas empresas entendem também que as questões que hoje enfrentamos, como a pobreza, a mudança climática, a desigualdade e os plásticos nos oceanos, “são questões tão grandes que nenhuma empresa as pode resolver sozinha, por isso formam parcerias mais amplas para conseguirem mais mudanças de transição”.

“Esta é também uma enorme oportunidade económica”, garante Polman. “As empresas que se posicionam neste futuro mais verde, mais inclusivo e mais equitativo têm maior probabilidade de serem mais lucrativas e, a longo prazo, proporcionarem mais retorno aos stakeholders, incluindo os acionistas”.

Uma empresa “net positive” é aquela que “melhora o bem-estar de todos os que sofrem com o seu impacto e em todas as escalas – cada produto, cada operação, cada região e país, e para todos as partes interessadas, incluindo empregados, fornecedores, comunidades, clientes, sem esquecer as gerações futuras e o próprio planeta”.

Para quem achar que não é possível, os autores garantem que já está a ser feito, por várias marcas em diferentes áreas. Uma década antes do livro, já traduzido em 14 línguas e que é considerado a bíblia do novo conceito empresarial, Polman e Winston apresentaram a nova premissa a várias empresas, num manifesto organizado por 12 princípios, que acabou por ser subscrito por muitos grupos (Capgemini, Dell, Ikea e Pepsico, entre outros).

Consumidores e trabalhadores mais conscientes: uma bomba relógio

Os funcionários e os consumidores estão cada vez mais atentos às políticas sociais, uma das áreas onde a Unilever deu o exemplo: “assumimos a responsabilidade por toda a nossa cadeia de valor, trouxemos a diversidade de género, trabalhamos com o governo do Reino Unido para implementar a moderna Lei da Escravidão Moderna, emitimos relatórios de direitos humanos, o que não vejo muitas empresas fazerem, criámos a Living Wage Alliance, que agora começa a acontecer. Tentámos assumir uma posição de liderança nesta área e, sempre que o fazíamos, assistíamos ao engajamento dos funcionários e a produtividade e a lealdade aumentavam”, assume o antigo CEO.

Os governos começam a assumir compromissos, o mesmo acontece ao nível local e nos mercados financeiros, mas são sobretudo os consumidores que se têm destacado. “Estão cada vez mais conscientes sobre que marcas compram e de que empresas. Mais da metade dos consumidores, se o preço e a qualidade forem os mesmos, o que eu acho que não deve ser comprometido, esses consumidores estão mais propensos a comprar a empresas que têm valores alinhados aos seus”.

Paul Polman destaca ainda o papel dos trabalhadores. “Onde vimos a maior mudança é no conhecimento dos próprios funcionários, eles estão preocupados com benefícios salariais e oportunidades, mas dois terços estão agora muito preocupados com o futuro do planeta e da sociedade, acreditam que as empresas podem ter um impacto positivo e querem que participem ativamente”.

Os trabalhadores já não são meros expectadores, estão mais ativos: “se virem empresas que não se envolvem, que não estabelecem metas suficientemente agressivas, não se entregam, não comunicam, se essas empresas só falam sobre isso (o chamado "greenwashing"), 30% dos funcionários admitem deixar as empresas por esse motivo. Quase metade dos funcionários considera pedir demissão se os valores de uma empresa não se alinharem aos seus”, diz Polman.

“Isto é uma bomba-relógio para as empresas, essa desistência consciente”, acrescenta, “e é provavelmente a coisa mais importante à qual os CEOs precisam prestar muito mais atenção. Ouço de muitos que têm dificuldade em atrair talento, este pode ser um dos motivos”, conclui.

"As empresas orientadas por missões têm níveis mais altos de inovação, de retenção e motivação de funcionários, o que se traduz em melhores resultados"

Empresas responsáveis com lucros

Uma empresa “net positive” continua focada no crescimento da marca, no desempenho financeiro e em contratar os melhores, garante Polman: “São empresas que estão a superar as concorrentes”.

“Nos EUA, estas empresas têm um retorno sobre o património 7% maior e um retorno acionista 56% maior, em cinco anos. As empresas orientadas por missões têm níveis mais altos de inovação, de retenção e motivação de funcionários, o que se traduz em melhores resultados. As empresas mais equilibradas em termos de género, com conselhos mais versáteis, têm melhores resultados.”

Polman conclui que, “cada vez mais, podemos mostrar que operar desta forma também faz sentido para o mercado financeiro”.

Os autores atribuem agora ao propósito o papel principal, mas não necessariamente em detrimento do lucro. “A ideia de que há uma troca entre propósito e lucro já não é verdadeira. Nós defendemos que quanto mais orientadas para o propósito as empresas forem, maior a probabilidade de aumentarem o lucro a longo prazo para os acionistas. A troca aqui não é entre propósito e lucro, a troca é entre o curto prazo e o longo prazo”, explica Polman.

Segundo o autor, “existem alguns acionistas, muitas vezes bastante barulhentos, que desejam um alto retorno de curto prazo, e isso geralmente ocorre às custas da viabilidade de longo prazo de uma empresa. Mas os acionistas de longo prazo, os que investem as nossas reformas para quando nos retirarmos daqui a 15, 20, 30 anos, eles entendem que não queremos apenas um bom retorno, e também querem ajudar a criar um mundo melhor para viver a reforma”.

Paul Polman garante que é possível a estas empresas darem mais do que aquilo que retiram. “Não é um sonho, precisamos disso. Pode não haver lugar para todas as empresas, cabe a cada uma encontrar o seu espaço, por isso há perguntas que têm de ser feitas: “como podem as empresas lucrar com a resolução dos problemas do mundo, não criando problemas? A pergunta seguinte é se o mundo está melhor porque conta com a sua empresa. Sim ou não?”

A falta de água, por exemplo, é um problema cada vez maior e aumentam as empresas focadas nesta questão, também em Portugal. “Por isso as empresas começam a pensar em 'água positiva'”, diz Polman, “aproveitar a água da chuva, ser eficiente, devolver mais água ao sistema”.

O gestor garante que “as empresas que tentam proativamente ser 'net positive' e trabalham para uma pegada geral positiva tendem a ser mais apreciadas pelo mercado, tendem a ter participações de mercado mais altas e também são mais cotadas”. O que “não é surpreendente” para o antigo CEO da Unilever, “porque as empresas que cuidam melhor dos funcionários, provavelmente são as que têm trabalhadores mais motivados, que cuidam melhor de todos os parceiros na cadeia de valor, têm cadeias de valor mais resilientes, que tentam abordar os problemas reais da sociedade e provavelmente também são mais inovadoras. Tudo isto traduz-se em negócios mais bem-sucedidos”.

A resistência

Nem sempre o conceito “net positive” é usado da forma mais correcta. Para os autores, as empresas que compram emissões de carbono para continuarem a poluir não estão a reduzir a pegada de carbono, ou aquelas que utilizam 100% de energia renovável, mas são abastecidas por fábricas que dependem de combustíveis fósseis.

As empresas “net positive” também não têm de ser perfeitas, “mas corrigir os problemas que causam impactos negativos e ir mais além para criar valor positivo para os outros”.

Às empresas “net positive” espera-se que eliminem mais carbono do que aquele que produzem, por exemplo, que utilizem materiais recicláveis e energia renovável, que garantam salários adequados em toda a cadeia de valor, que defendam a inclusão, se orientem por um propósito e não por filantropia e não atuem como lobistas.

Apesar de ser apoiado por grandes marcas, este novo conceito empresarial tem enfrentado resistências, o que dificulta uma disseminação mais rápida.

Desde logo, precisa de dimensão, “parcerias mais amplas e difíceis de formar. Exige que os governos funcionem e assumam responsabilidades. Requer as estruturas certas para que isso aconteça”, admite Polman. “Neste momento, ainda temos mais de um bilião e meio de dólares em subsídios periféricos para o desflorestamento ou que incentivam as empresas de combustíveis fósseis a colocar mais carbono no ar”.

É ainda necessário investimento inicial, investir em veículos elétricos ou painéis solares, por exemplo. Mas “muitas vezes os nossos sistemas financeiros não são propícios a esses modelos em que se paga antes por um benefício significativo ou um custo menor a longo prazo”.

Polman alerta ainda para “a ordem estabelecida, ainda há uma indústria fóssil muito forte, uma indústria de plásticos ou alguns elementos da indústria alimentar que estão a ir muito bem no sistema atual. O incentivo para que mudem é, obviamente, menor do que o necessário”.

“Este ano estima-se que 20% das vendas totais de carros serão modelos elétricos, estamos perto de um ponto de inflexão. Vemos painéis solares 60% acima do ano anterior.”

Polman garante que “estamos a mudar, os investimentos em energia verde versus fóssil são agora 1,7 vezes maiores. Mas a realidade é que estamos a criar problemas ainda mais rápido do que aplicamos soluções. Por exemplo, em energia verde precisamos de crescer nove vezes mais rápido, não apenas 1,7 vezes mais rápido.” Agora o foco está em aumentar a escala e a velocidade.

“As empresas precisam assumir a responsabilidade pelo seu impacto, precisam definir metas alinhadas com a ciência, precisam formar parcerias mais amplas e, mais importante, assumir compromissos e passar das palavras à ação. Esta é uma boa receita para o sucesso”, conclui Paul Polman.

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