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Jogos Olímpicos

O baile da Rebeca (ou o dia em que Biles celebrou a grandeza alheia)

05 ago, 2024 - 16:15 • Hugo Tavares da Silva

Com o ouro no solo parisiense, Rebeca Andrade conquistou a sexta medalha olímpica e tornou-se na maior atleta da história do desporto brasileiro.

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Se um extraterrestre aterrasse em Paris e espreitasse o pódio da prova de solo, na ginástica artística olímpica, desconfiaria que se estava a ver ao espelho.

Rebeca Andrade, no lugar mais alto da escada que desagua no céu, estava amparada pelas vénias de Simone Biles Jordan Chiles. A ginasta paulista, agora a mais medalhada da história do desporto brasileiro (ultrapassa a judoca Beatriz Souza) depois das quatro medalhas em Paris e duas em Tóquio, acabava de superar a maior lenda da modalidade.

Biles, que já acabara em quinto na barra e trancara o rosto como se trancam as coisas importantes (ou pesadas, como a dor), parecia feliz pela rival, a tal que a obriga a ser maior e melhor. Palavras da própria.

A atleta do Flamengo encheu de pó de magnésio os pés e as mãos e até a traseira dos joelhos antes de subir ao tapete. E sorriu gigantemente antes de iniciar o seu esquema no solo. Começou com uns passinhos de dança, afinal o medley com Beyoncé (“End of Time”), Anitta ("Movimento da Sanfoninha") e o “Baile de Favela”, de MC João, como já se tinha ouvido em Tóquio 2020, a isso mesmo obrigava.

Depois, começou a correr, a dar cambalhotas mágicas, a voar, a sorrir, e a voar outra vez, fazendo piruetas, rodando no chão, afastando os braços e agitando as pernas. O cabelo mantinha-se impecável, era um pompom imperturbável como ela. Algumas ginastas de outros países seguiam os passos da brasileira e até a imitavam, junto ao tapete, usando-o como tambor, ao som da alegre e enérgica música.

Na véspera desta final, onde bateu Simone Biles (ouro no all-around, salto e na prova de equipas), a ginasta brasileira reconhecia que deveria ser a sua derradeira aparição nesta prova. É que o corpo está sofrido e, assim, torna-se improvável que em Los Angeles 2026 repita a dose no solo.

“É que é pesado para a minha perna, meus joelhos, meus pés, meu tendão... São dores de cabeça que eu sinto que não preciso de ter mais. Não preciso mais de provar nada a ninguém, sabe? Eu já fiz tudo o que eu podia fazer dentro do meu desporto, eu estou muito orgulhosa de tudo que eu conquistei”, desabafou ainda antes de sonhar que o ouro estava a cutucar as janelas da sua lembrança futura. Em Tóquio, há três anos, conquistou o ouro no salto.

Os gestos são graciosos. O poder desta mulher espalha-se com a eficácia de um borrifador de um perfume com a boca larga, certamente boquiaberto com o que todos acabávamos de ver. Os juízes esfregam as mãos mentalmente, com os saltos admiráveis e as receções perfeitas, coladinhas ao chão à primeira.

A atuação de Rebeca Andrade foi brilhante. Recebeu os parabéns de treinadores e concorrentes. Viram-se lábios em forma de "U", eram sorrisos honestos. O esquema foi complexo e completo, pelo que a dificuldade associada ao mesmo beneficiou-a na hora de fazer contas e bater a lenda maior destas andanças.

Quando a pontuação 14.166 (dificuldade: 5900; execução: 8.266; penalização: 0) foi exibida no ecrã gigante central do pavilhão, Rebeca Andrade colocou os óculos para a ver bem. Deu ares de velhinha, que torce o nariz para ver melhor. E voltou a sorrir e bateu palmas.

Mais tarde, Simone Biles entrou no tapete. As imprecisões durante a atuação transformaram-se em dúvidas e hesitações logo a seguir, quando esperava a sua nota. “Acho que a Rebeca vai ganhar isto…”, disse durante a espera. “Estou com medo”, admitiu levemente ainda, juntando-lhe um esgar e um sorriso em simultâneo quando descobriu o segundo lugar, resultado da pontuação 14.133 (recebeu -0.6 de penalização). Os dentes brancos e alegres de fora pareciam significar felicidade por Rebeca Andrade.

A realização televisiva passou a imagem imediatamente para a cidadã de Guarulhos, em São Paulo, que parecia incrédula. “Calma…”, ia aconselhando depois, no alto altíssimo da sua experiência (ou do respeito pelas companheiras de profissão e de sonhos). Tem 25 anos.

Quando recebeu o soco da glória olímpica, posou para as fotografias esticando o indicador. É a número 1 no solo (depois das duas pratas no salto e no all-around, mais um bronze na competição de equipas). É campeã olímpica e o mundo inteiro da ginástica parece estar feliz por ela.

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