21 fev, 2024 - 10:50 • Inês Braga Sampaio
É com uma graçola aqui e ali que lhe sacamos o melhor sorriso. Olivia Smith é uma jovem sorridente, apesar das dificuldades por que já passou, ciente do seu talento e do futebol que melhor o serve: o europeu e, em concreto, o do Sporting, com que a internacional canadiana faz sensação pelos relvados portugueses.
"Foi uma bela conversa", diz Olivia Smith, de 19 anos apenas, que entrou na sala tímida e sai, cerca de meia hora depois, com outra "vitalidade no passo", como dizem os falantes de língua inglesa. Partimos, então, à procura, pelos terrenos da Academia Cristiano Ronaldo, de uma boa fotografia (ou duas ou três).
A conversa, essa, seguiu o percurso da carreira de Olivia Smith, a mais jovem de sempre a jogar pelo Canadá, aos 15 anos, e a mais nova, aos 18, da equipa de Bev Priestman no Mundial 2023, na Austrália e na Nova Zelândia. Passaram-se quatro anos entre um marco e o outro. Quatro anos sem ir à seleção principal.
"O futebol está cheio de altos e baixos e eu tive alguns momentos muito, muito baixos nesses quatro anos", assume, em entrevista à Renascença.
A ambição pauta as palavras de Olivia, que já percebeu que não ficará muito tempo no Sporting: "Estou ansiosa por crescer em qualquer que seja o próximo contexto. A quem quer que o Sporting me entregue, estou muito entusiasmada e acredito que o meu futuro é brilhante, desde que continue a fazer o que tenho feito aqui."
Agora, Smith prepara-se para participar na primeira edição de sempre da W Gold Cup, nos Estados Unidos, a fase final de um novo formato maior, ao estilo Liga das Nações, e precedida da Road to CONCACAF W Gold Cup. O Canadá, que se estreia na quinta-feira, frente a El Salvador, está inserido no grupo C, também com Costa Rica e Paraguai.
Para Olivia Smith, o objetivo é claro: vencer.
Olivia Smith, de 18 anos, assinou contrato de três(...)
Para começar, uma pergunta simples – ou não. De onde vens? Qual é a tua história e como é que te tornaste jogadora de futebol?
Sou de Toronto, no Canadá. Cresci a jogar futebol. Comecei quando tinha cerca de três anos de idade. Foi o meu pai que me meteu no futebol e jogo desde então.
Tem sido um longo percurso e estou muito orgulhosa e honrada de estar onde estou agora e por jogar num clube de prestígio como o Sporting, especialmente como o meu primeiro clube profissional, para iniciar a minha carreira.
Comecei com um par de clubes de onde venho quando era mais nova, a seguir entrei no programa da seleção canadiana e, depois disso, estive na universidade durante cerca de dois anos e meio. Comecei em Florida State, transferi-me para Penn State e, a partir daí, decidi que preferia ser profissional.
Comprometeste-te com as Seminoles, mas depois decidiste ir para Penn State, que é também um bom programa, com antigas alunas notáveis, como Ali Krieger. Mas porque é que decidiste mudar o rumo?
Quando me comprometi com Florida State, comprometi-me com o treinador. Quando considero uma equipa, a minha decisão prende-se, em última instância, com o treinador e a sua filosofia. Atraiu-me muito a forma como Florida State jogava e tudo isso.
Cheguei a andar lá durante o semestre da primavera, mas depois recebemos a notícia de que o nosso treinador ia sair e ficou tudo um pouco em branco. Não sabíamos o que ia acontecer e eu não me sentia confortável nesse cenário. Por isso, decidi olhar para outras possibilidades e penso que a segunda melhor era Penn State.
Como foi a tua experiência universitária? Já disseste, noutras ocasiões, que foi complicado, porque tiveste de te mudar para os Estados Unidos e de desenrascar-te sozinha, mas como é que foi?
Penso que foi uma boa experiência para mim. Foi muito difícil no início, comecei a temporada com uma lesão que contraí no Mundial de sub-20. Tive uma lesão do LCM [ligamento colateral medial].
Além disso, a forma como gosto de jogar é muito diferente do estilo norte-americano. Eu gosto de um futebol técnico, enquanto nos EUA é mais físico e muito baseado na preparação física. Obviamente isso é importante, mas cada pessoa encaixa num sítio diferente e não sentia que encaixasse lá.
Ainda assim, sentes que te ajudou a ser uma jogadora mais completa?
Ajudou-me definitivamente a tornar-me uma jogadora mais completa. Colocou-me em situações desconfortáveis, que me ajudaram a ficar confortável e fez-me mais forte física e mentalmente, o que me preparou para esta mudança para Portugal.
Vamos falar sobre isso. Cada vez mais jogadoras decidem aceder ao Draft da NWSL [liga norte-americana] mais cedo, enquanto outras terminam a faculdade mas decidem abdicar da NWSL, optando por ir para outros países. Tu fizeste um misto dos dois. Saíste mais cedo e foste para a Europa. Na altura disseste “o momento é agora”. Era? E porquê?
Toda a gente tem um percurso diferente e o meu foi único nesse sentido. Mas quis este percurso porque sempre quis ser profissional. Mesmo antes de me comprometer com a faculdade, estava em discussões com os meus pais, “não sei se quero ir para a faculdade”, “acho que quero jogar a nível profissional, esse é o meu grande sonho”.
Eu estava numa situação em que havia muita coisa a acontecer. Não estava, digamos assim, muito feliz, e penso que precisava de reencontrar o amor pelo jogo. Penso que vir para Portugal foi o melhor para mim.
Porquê Portugal e porquê o Sporting, especificamente? O que é que sentiste que havia em Portugal e no Sporting que te ajudaria a reencontrar o amor pelo jogo?
Eu estava num período mais duro, porque não estava a ter uma grande época, não estava a jogar muito e, por isso, não estava a ter muita exposição.
Ouvi dizer que tinha uma proposta do Sporting e sabia que Portugal é um país apaixonado pelo futebol. Penso que isso foi algo que me atraiu muito, tipo, “quer mesmo ir para lá, preciso de sentir aquele ambiente, o amor e paixão pelo jogo”. Acho que, no final de contas, foi por isso que decidi vir para o Sporting. E, lá está, é um clube muito prestigiado, o Cristiano Ronaldo é daqui. Pensei que seria a maneira perfeita de iniciar a minha carreira profissional.
Como é que tem sido a tua primeira experiência do outro lado do Atlântico, especialmente num país com língua e cultura tão diferentes?
Tem sido muito bom. Admito que, ao início, foi um pouco complicado, como seria em qualquer outro lado, mas, assim que fiquei um pouco mais confortável, sinto que tive um bom início de temporada e também agora no arranque da segunda metade. Estou muito feliz com a equipa, as jogadoras são fantásticas. Temos uma equipa técnica fantástica.
Em relação à língua, nem tem sido assim tão mau, na verdade. Eu estudei espanhol no liceu e na faculdade, por isso, a interpretação e a compreensão são um pouco mais fáceis para mim. Ainda assim, estou a ter aulas para continuar a aprender português. Também ajuda estar com as minhas companheiras de equipa, que me ajudam a aprender, assim como a vida normal, do género, vou buscar um café e tento falar em português. Aprender coisas também fora do futebol.
Agora, tens a teu lado a Brittany Raphino, mais uma jovem da América do Norte, fala a mesma língua. Ajuda-te a estar mais confortável aqui?
Ajuda sem dúvida ter outras jogadoras que falam inglês. A Brittany Raphino, a Jacynta [Gala], a Andrea [Pérez] fala também muito bom inglês, e a Hannah Seabert. É bom ter outras pessoas que estão no mesmo barco que eu.
Por agora, oito golos e sete assistências em apenas 19 jogos. Esperavas ter um impacto tão grande, tão cedo?
Honestamente, não tinha muitas expectativas para a minha primeira temporada. Queria só chegar, adaptar-me e mostrar o que tenho, ver como me integraria aqui. Estou muito honrada por contribuir para a equipa e para os golos. No entanto, por agora, não tenho expectativas de golos nem nada do género. Para mim, o mais importante, esta época, é que tenhamos sucesso como equipa.
Em Portugal, tivemos a Cloé Lacasse no Benfica, a Chandra Davidson passou pelo Sporting, entre outras. Falaste com alguma jogadora canadiana para ajudar à decisão, na altura de vir para cá?
Um pouco antes de me comprometer com o Sporting, falei com a Cloé Lacasse, que estava no Benfica, quando estávamos nos estágios da seleção, e ela só tinha coisas boas a dizer. Não só sobre o país, mas também sobre o futebol em geral, aqui em Portugal, sobre como todos os adeptos são muito apaixonados e que eu adoraria estar aqui. Foi algo que também me ajudou a decidir.
Vamos ao futebolês. Como é que o teu estilo se encaixa no tipo de jogo de Mariana Cabral?
Encaixa-se muito bem. Sou uma jogadora muito técnica, gosto de encarar em “um contra um” e penso que tenho uma vantagem, aqui, pela minha fisicalidade. Penso que me encaixo, seja no meio ou onde quer que precisem que eu jogue. Sou muito versátil.
Mas claro que ainda tenho muito por onde crescer. Só tenho 19 anos e aprendo algo novo todos os dias, em todos os treinos. Até agora, contudo, a adaptação à equipa tem sido muito boa.
Portugal é, claro, um país muito diferente do Canadá e dos EUA. Tem sido uma experiência divertida aprender este novo futebol?
Tem sido, definitivamente, muito divertido. Mesmo a aprendizagem de ir aos jogos da equipa masculina e ter essa experiência, mas também é muito diferente aqui: estando num ambiente profissional, analisamos muito mais as coisas, o que me permite aprender mais, mais rapidamente, com vídeos individuais e tudo o resto. Sou muito sortuda por ter uma grande equipa técnica com quem analisar tudo.
Vamos falar do Canadá, 2019 foi um grande ano para ti. Estreaste-te pela seleção com apenas 15 anos, és a mais nova de sempre. Jogaste com a Christine Sinclair e contra a Marta, duas lendas. Como é que foi, tão nova e seres confrontada com tantas novas realidades e tantos sucessos de uma só vez?
Fiquei honrada e muito entusiasmada quando fui convidada. Tivemos um estágio anterior, para as sub-17, penso eu, no México, e um dos meus treinadores ligou-me e falou-me de algumas coisas em que eu tinha de trabalhar, outras em que tinha estado bem, e depois atirou: “Já agora, vens à China connosco para o Torneio das Quatro Nações com a equipa principal.” Fiquei sem palavras.
Desde pequenina que o meu sonho era jogar pelo meu país e nunca pensei que isso acontecesse aos 15 anos. Estar ao lado de um dos meus ídolos, a Christine Sinclair, foi incrível. Estar, sequer, na proximidade da Marta, alguém que admirei a minha vida inteira… foi um sentimento indescritível.
Depois, é verdade que jogaste pelas camadas jovens, mas passaram-se outros quatro anos até voltares à seleção principal. Como foi ter de escalar a montanha de novo?
O futebol está cheio de altos e baixos e eu tive alguns momentos muito, muito baixos nesses quatro anos. Havia muita coisa a passar-se por trás da cortina, no clube. Temi nunca mais ser chamada, por certas razões, por certas decisões que tomei. Mas sou uma sortuda por estar de volta à equipa, quatro anos depois, e espero ficar.
Foi difícil, mentalmente? Sentes que tiveste de fazer um trabalho extra, a nível mental, para recuperar disso?
Foi muito duro, especialmente a nível mental. Também é assoberbante seres tão nova e teres todas estas oportunidades e, depois, nunca mais voltam a ouvir falar de ti e as pessoas pensam, “oh, o que é que lhe aconteceu?”. Isso faz-te querer trabalhar mais ainda e, mentalmente, foi esgotante. Os meus pais e treinadores em cima de mim por causa de tudo e mais alguma coisa. Mas, pronto, acontece.
Talvez tenhas pagado o preço de seres tão nova e teres de tomar tantas decisões importantes. Sentes que te faltou, a certa altura, a maturidade para tomar essas decisões, e que também tiveste de aprender a fazer as escolhas certas?
Demorei um pouco. Há consequências para cada decisão que tomas e, sendo tão nova, nunca sabes qual é a decisão correta e tens pessoas diferentes a dizer-te coisas diferentes. Acolher opiniões díspares é difícil, especialmente quando os teus pais podem estar a dizer-te uma coisa, os teus treinadores podem estar a dizer-te outra. Qual delas é a mais importante? Qual delas é a melhor decisão para mim?
Penso que também foi por aí que sofri um pouco. Também havia a possibilidade de não voltar a ser chamada... Mais uma vez, sendo tão nova, essas decisões são tão difíceis de tomar sem saber de antemão o resultado no final.
Quatro anos mais tarde, sentes que estás mais madura, não só como jogadora, mas também como pessoa?
Sim, acredito mesmo que estou mais madura. Disparei em termos de maturidade. Penso que ir para a universidade foi algo que me forçou a crescer. Estar lá sozinha, estar em situações desconfortáveis, viver em dormitórios, conhecer pessoas novas, não jogar e estar lesionada, e coisas para lá disso que me fortaleceram mentalmente.
E depois, ser riscada da seleção nacional, coisas assim definitivamente ajudaram com a minha maturidade e permitiram-me abrir-me mais sobre o que se passava, como me estava a sentir. A minha mentalidade também melhorou.
Jogadores das seleções feminina e masculina do Can(...)
Canada Soccer pode não ter dinheiro para as janela(...)
Depois, um regresso espantoso, para o Mundial, e jogaste na fase de grupos. O incrível, contudo, é que foste chamada para um estágio pré-torneio e conseguiste intrometer-te na convocatória final. Como é que conseguiste isso?
Honestamente, não sei como é que consegui [risos]. Foi uma coisa de última hora, pediram-me para ir para o estágio pré-torneio como jogadora extra. Mas a forma como encarei foi: “Não estou aqui apenas para treinar, há uma oportunidade ínfima de eu entrar na equipa.”
Aproveitei as minhas oportunidades, fiz o que pude com o pouco tempo que tive e provei a mim mesma que merecia estar ali e consegui o resultado que queria.
É verdade que o Canadá não teve os resultados esperados, mas como é que foi jogar no Mundial, no maior palco de todos, pela primeira vez?
O Mundial é um sonho meu desde pequenina. Ser, sequer, parte dessa experiência é uma sensação indescritível. Acho que é algo em que tens de lá estar para conseguir explicar a sensação. Mas estar ao lado daquelas jogadoras e à volta de tantas superestrelas é inspirador. E eu quero ser uma delas no futuro.
De volta ao resultado do Canadá, que foi dececionante. Sentes que a eliminação na fase de grupos foi ainda mais dolorosa face ao facto de terem conquistado a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos em 2021? Um ponto muito alto e logo depois um ponto muito baixo.
Isso magoou-nos muito, mas, lá está, o futebol tem altos e baixos. No entanto, havia muita coisa a passar-se atrás da cortina com a Canada Soccer [Federação Canadiana de Futebol] com que tínhamos de lidar. É difícil manteres-te focada quando tens tantas distrações assim à tua volta. Penso que foi por aí que perdemos a carruagem. Contudo, agora, neste novo ano, estamos a tentar resolver tudo para que possamos focar-nos nos Jogos Olímpicos.
Íamos precisamente aos problemas com a Canada Soccer. 2023 foi um ano difícil, a tua equipa até ameaçou fazer greve. És uma das mais jovens do plantel, acompanhaste-as nesse diferendo. Como foi para ti, como uma das mais novas, navegar toda essa situação?
Sendo uma das mais novas, não tinha muito “input” ou conhecimento sobre a situação. Além disso, eu gosto de focar-me na parte que consigo controlar, que é o futebol. Temos um grupo de jogadoras que trabalham com os advogados e elas dão-nos alguns detalhes sobre o que se está a passar.
No entanto, pessoalmente, sendo tão nova, tudo isso foi assoberbante e também sentia muitas dificuldades em cumprir. Nem consigo imaginar como foi para as jogadoras que estavam em conversas com os advogados e tudo isso. Mas, em geral, tentei focar-me no que era controlável, que era a parte do futebol.
O que é que me podes dizer sobre o estado atual da situação?
Não posso dizer muito sobre isso, porque não sei muito sobre o tema. Sinto que estamos no caminho certo. Não ficará resolvido da noite para o dia, nem penso que ficará resolvido propriamente este ano, mas acredito e espero que as coisas comecem a aclarar-se no próximo ano.
Agora, a Gold Cup, a primeira edição de sempre e estás convocada. Vão defrontar Costa Rica, Paraguai e El Salvador, no grupo C. Quais são as tuas expectativas para o torneio?
A minha expectativa é ganhar o torneio, obviamente. Haverá contrariedades, contudo, olhando para a equipa que temos, estou muito entusiasmada. Temos todas estado muito bem nos nossos clubes e nas nossas faculdades e mal posso esperar por que voltemos a juntar-nos todas, depois do estágio de despedida para a Christine em Vancouver. Não será o mesmo sem ela, mas acredito que nos desenrascaremos e estou muito entusiasmada por voltar a estar com o grupo.
Christine Sinclair retirou-se do futebol internacional e deixou para trás, entre outros, o recorde de maior goleadora de sempre de seleções, de homens e mulheres. Sentem que falta alguma coisa, ao fim de tantos anos com ela?
Acredito mesmo que, quando chegarmos ao estágio, será muito estranho, ao princípio, e algo a que teremos de nos habituar, mas acredito que ela estará lá. Vamos jogar por ela, não só pelo nosso país mas também por todas as pessoas que fizeram tanto por nós, incluindo ela. Vamos ter de nos habituar e preencher esse vazio.
Então, não estará lá apenas em espírito? Também vos acompanhará fisicamente?
Espero que sim, talvez. Veremos!
Há muito tempo que o Canadá é uma das grandes forças do futebol feminino. Contudo, durante muito tempo - e aqui estou a explorar a rivalidade -, eram sempre segundas em relação aos EUA. Porém, agora, têm o sucesso mais recente, a medalha de ouro olímpica. Qual é a sensação de inverter essa rivalidade antiga?
É fantástico superá-las, por assim dizer, mas temos de resolver o que está a acontecer com a nossa federação. Os EUA têm conseguido livrar-se de muitas distrações e temos de seguir o mesmo caminho e resolver as nossas coisas, porque acredito que poderemos ser as melhores do mundo assim que tenhamos os recursos necessários e tudo esteja organizado.
Durante a Gold Cup, não poderás jogar pelo Sporting. Sentes que a equipa vai sentir a tua falta, dado o impacto que tens tido? E vai ser estranho voltar e ter de lutar novamente por um lugar?
Estou um pouco triste por ir embora, mas é para uma grande oportunidade para mim e para a minha seleção. A equipa não tem de girar em torno de uma jogadora, é um desporto coletivo e temos uma equipa tão talentosa que não acredito que a ausência de uma jogadora terá um efeito assim tão grande.
Vai ser difícil recuperar o meu lugar quando regressar, mas é o futebol. Vou ficar orgulhosa de quem estiver a fazer o seu trabalho e a jogar nessa posição e, quando voltar, vou ter de lutar para recuperar o meu lugar.
Há alguma jogadora que te tenha surpreendido pela positiva no Sporting?
A Cláudia Neto é quem mais admiro. Ela é tão dotada tecnicamente, o QI futebolístico é de outro mundo, nem sei como é que ela vê certas coisas em campo. Todas as jogadoras são talentosas à sua maneira, todas têm as suas capacidades com que contribuem para a equipa. Mas sim, a Neto, que é também muito experiente.
Depois da Gold Cup, vem Paris 2024. O Canadá pode sonhar com mais uma medalha nos Jogos Olímpicos?
Acredito mesmo que é possível. Temos um grupo de jogadoras tão grande por onde escolher e só poder levar 18 vai ser difícil. Olhando para a nossa “pool”, é definitivamente possível, com a profundidade que temos.
Quem quer que sejam as escolhidas, no final de contas terá a ver com a mentalidade e o Canadá tem aquela mentalidade de "nunca morrer”, queremos sempre vencer. Vamos trabalhar no duro para isso, logo acredito que é possível conquistar o ouro.
No Canadá, trabalhas com Bev Priestman. No Sporting, com Mariana Cabral. Quais dirias que são as grandes diferenças e semelhanças entre as duas treinadoras?
Ambas são muito intensas. Eu adoro a intensidade. Gosto do encorajamento, ajuda à mentalidade da equipa querer vencer. Nenhuma equipa quer perder, obviamente, mas elas são muito parecidas nesse sentido. Estamos nesse ambiente com elas, “precisamos de uma mentalidade para vencer, sejam corajosas”.
São também duas treinadoras muito jovens. É inspirador para ti ver duas mulheres a treinar ao mais alto nível?
É importante e muito inspirador, não só para mim, mas para as mulheres em geral, ter uma treinadora a treinar-nos. Olhando para o futuro, espero que haja mais oportunidades para as mulheres, não só para jogar, mas também para treinar.
Taticamente, no Sporting jogas num estilo baseado na posse. No Canadá, apostam maioritariamente no contra-ataque. Como é que manténs o nível alternando entre dois estilos tão diferentes?
Na posição em que jogo, não penso que haja uma diferença muito grande entre o papel que desempenho aqui e o que desempenho na seleção. Aqui, jogo na ala direita e como média-ofensiva. A Canada Soccer planeia utilizar-me nas mesmas posições.
Na seleção, somos muito fortes defensivamente e podemos contar com o nosso contra-ataque para criar oportunidades de golo. Aqui, é um jogo de posse e tenho muitas oportunidades de um para um e tenho liberdade no último terço. Não diferencia muito, os dois papéis são muito similares em alguns aspetos.
Sentes que jogar em dois estilos tão diferentes também te ajuda a ser uma jogadora mais completa?
Ajuda-me muito aqui a nível defensivo, tendo tido um foco muito mais defensivo na seleção, para depois aplicar ao estilo de posse.
Voltando à Christine Sinclair, como é que a carreira histórica dela te ajudou, e a outras jovens jogadoras, a ver uma carreira no futebol como um sonho possível?
Lembro-me de ir a um estágio que ela estava a gerir, no Canadá, e havia algumas jogadoras, como Karina LeBlanc e outras, mas, no final de contas, na TV, era a "Christine Sinclair, futebol feminino". Eu até disse ao meu pai, penso que tinha cinco anos: "Quero jogar com ela”. Penso que está em vídeo e tudo.
Ela quebra recordes mas é humilde, uma característica que é muito importante, e tem uma mente muito aberta e dá conselhos às mais jovens. É um exemplo a seguir tão grande, como é que podes não querer ser como ela, como podes não querer admirá-la? As distinções dela falam por si.
Já lhe contaste essa história?
Não lhe contei isso, no entanto, quando estava na China, quando tive a minha primeira convocatória, eu estava muito nervosa, mas o meu pai tinha-me mandado uma fotografia de quando fui àquele estágio e tirei uma foto com ela. E eu mostrei-lhe e ela, “uau”, porque tinha sido há tanto tempo. Estou muito feliz por ter tido a oportunidade de jogar com ela e de tê-la como exemplo. Ela continuará a ser um modelo para mim.
Agora, um olhar para o futuro. Tens apenas 19 anos, mas és já um dos grandes destaques do Sporting e és regularmente chamada à seleção do Canadá, conseguiste cavar esse espaço para ti. Quais são os teus sonhos para o futuro?
Em relação ao Sporting, adoraria disputar a Liga dos Campeões com este grupo. Acredito mesmo que é possível, estamos tão perto.
Estou a viver o momento e quero jogar o resto da época e ver como é que tudo corre. No final, tudo virá ter comigo desde que continue a cumprir e a fazer o que tenho feito. A minha prioridade é o momento, com esta equipa.
Já falaste desta época, que tem sido de altos e baixos. Como é que uma equipa luta para voltar a um lugar melhor, quando os resultados não correspondem às expectativas?
É uma questão de mentalidade. Às vezes, começa a mudar para uma mentalidade mais relaxada, mas acredito que vai voltar ao sítio nesta segunda metade da época.
O nosso jogo com o Damaiense mostrou que temos de subir o nível, estamos a entrar na segunda metade da época e temos jogos difíceis, como com o Braga, e temos de vencê-los. Temos de começar a marcar mais golos e a puxar para conseguirmos o lugar de Liga dos Campeões. É muito importante juntarmo-nos como equipa, ter essa conversa difícil e acordar.
Também sei, e és tu a fonte, que o teu clube europeu favorito é o Barcelona. Sei que já segues o futebol europeu há bastante tempo. Claro que ainda és muito jovem, mas vamos àquela pergunta de entrevista de emprego: onde é que te vês dentro de cinco a dez anos?
Daqui a cinco a dez anos… Terei 25 anos daqui a cinco anos. Um dia, quero jogar pelo meu clube de sonho, o Barcelona. Haverá muitas coisas pelo meio até isso acontecer, mas estou ansiosa por crescer em qualquer que seja o próximo contexto.
A quem quer que o Sporting me entregue, estou muito entusiasmada e acredito que o meu futuro é brilhante, desde que continue a fazer o que tenho feito aqui.
Se pudesses dizer uma coisa à tua versão mais jovem, quando tinhas 15, 16 anos e estavas em maiores dificuldades, o que é que lhe dirias?
A primeira coisa que me vem à cabeça é: “Todos os sacrifícios que fizeste valeram a pena, para estares onde estás agora. Foi difícil, vai ser difícil, mas tens de olhar para o lado positivo. Mesmo que pareça que isso não existe, existe.”
Falaste dos sacrifícios. Quão importante é trabalhar a saúde mental quando és, ou queres ser, atleta profissional?
A saúde mental é provavelmente a coisa mais importante que podes fazer por ti. Afeta o futebol, afeta tudo na tua vida. Passei por um período da minha vida em que a minha saúde mental era muito má e, por isso, não estava a exibir-me a bom nível e perdi oportunidades.
É importante poder falar com alguém, não interessa quem seja. Mesmo que não seja a tua família, precisas de enfrentar as coisas, no final do dia. Isso é algo que evitei durante algum tempo, no entanto, a partir do momento em que consegui falar sobre isso, as portas começaram a abrir-se e eu comecei a trabalhar em mim mesma, para ser melhor e mais forte mentalmente.
Para fechar, uma coisa mais leve. Fala-me daquele golo, aquele golo. Sabes qual é...
Sim, sei qual é o golo [risos]. Era algo que treinávamos um par de vezes por semana. Tínhamos alguns livres mais "atrevidos" e coisas assim. Pareceu-me que era a mesma distância que estávamos a trabalhar no dia anterior. Por isso, juntámo-nos todas, eu tinha de parecer que não estava preparada, a bola chegou – na verdade, a guarda-redes estava fora da linha e um bocado inclinada para o seu lado esquerdo – e eu bati-lhe com força, ela desceu um pouco e entrou pelo ângulo superior esquerdo.
Então, foi intencional? Quem diz que foi um acidente está errado?
Sim, foi intencional. Era algo que já estávamos a treinar há algum tempo.
Qual é a sensação quando aquilo que praticaste no treino se concretiza em jogo?
É incrível. Nem consigo descrever a sensação. E ganhámos.