09 dez, 2022 - 17:10 • João Carlos Malta , Eduardo Soares da Silva
“Não divulgamos (…), essa é [uma] informação que não se divulga”. Foi desta forma que fonte oficial da Federação Portuguesa de Futebol respondeu às questões da Renascença sobre quanto é que cada um dos 26 selecionados de Fernando Santos ganha diariamente por estar a representar Portugal no Qatar, e quais os prémios que os jogadores e equipa técnica auferem por passar a primeira fase da competição, e por cada etapa que a equipa ultrapasse na fase a eliminar.
Nas últimas competições como o Euro 2016, o Mundial da Rússia de 2018, ou o último Europeu que se disputou em 2021, por causa da Covid-19, a imprensa divulgou os valores que foram pagos aos jogadores, mas sem atribuir essa informação à FPF.
Não divulgar os valores dos prémios monetários não é contudo prática transversal nas seleções que estão no Qatar a disputar o Mundial de 2022. As federações de países como o Brasil, a Dinamarca, a Espanha, ou a França já revelaram as quantias que pagam aos atletas que as representam. Há, no entanto, outras federações que, à semelhança da FPF, não revelam os valores pagos aos jogadores.
Mundial 2022
Selecionador garante que viu as imagens depois do (...)
O dirigente da Frente Cívica João Paulo Batalha questiona este comportamento da FPF. “Acho que é difícil de justificar um estatuto de utilidade pública que tem, uma organização que é opaca em relação a este tipo de coisas e que está, neste momento, a dinamizar uma candidatura à organização de um Mundial de futebol que vai implicar despesa pública, quer queiramos quer não”, começa por dizer.
João Paulo Batalha afirma que não acha justificável que “esta prestação de contas fique por fazer”, ao mesmo tempo que a própria Federação está a pedir ao país, nos próximos anos, caso Portugal vença a organização do Mundial de 2030, a “comprometer-se com recursos públicos e prioridades políticas, e apoio institucional”.
O mesmo dirigente recorda ainda que está bem fresco na memória de todos o caso de Fernando Santos que define como “um esquema de fuga aos impostos em que a Federação participou, se é que não organizou”.
“Obviamente, nada disto abona em favor da probidade da Federação. Seguramente fica-lhes mal”, assinala.
"Acho que é difícil de justificar um estatuto de utilidade pública que tem, uma organização que é opaca em relação a este tipo de coisas", João Paulo Batalha, dirigente da Frente Cívica.
O mesmo membro da Frente Cívica diz que o acumular de casos faz pensar se “não divulgar este tipo de pagamentos, não pode ter precisamente a ver com estar a usar para pagar os prémios aos jogadores da seleção, esquemas de planeamento fiscal agressivo semelhantes aos que usaram com o selecionador nacional”.
E põe também a possibilidade de a razão para não revelar o valor dos prémios por parte da FPF ser a estar “a preparar a fuga aos impostos que seria devido destes prémios”.
“Nada disto é sério, e começa a colocar em discussão qual é verdadeiramente a utilidade pública que a FPF exerce, além de dinamizar um desporto que é muito popular entre os portugueses. Mas popularidade não é utilidade pública”, adverte João Paulo Batalha.
O ex-presidente da Associação Integridade de Transparência considera ainda que o lado emocional do futebol “tem servido para acobertar muitos abusos”, no caso da selecção “abusos fiscais” que aconteceram com Fernando Santos.
E conclui que, por isso, o relacionamento do futebol com as instituições públicas e com o Estado “tem de ser revisto à luz destes problemas que se acumulam ao longo de anos e que ninguém quer resolver”.
"Não divulgar este tipo de pagamentos, não pode ter precisamente a ver com estar a usar para pagar os prémios aos jogadores da selecção, esquemas de planeamento fiscal agressivo semelhantes aos que usaram com o seleccionador nacional", João Paulo Batalha, dirigente da Frente Cívica.
A Renascença tentou por várias vezes contatar o presidente do Sindicato dos Jogadores, Joaquim Evangelista, para que comentasse esta situação, mas em nenhuma das situações este demonstrou disponibilidade para gravar declarações.
Nas mais recentes edições de grandes torneios internacionais de futebol, apesar de não serem atribuídas as informações sobre os valores pagos aos jogadores a fontes da FPF, foi-se conhecendo alguns números. O Jornal de Notícias escreveu que caso Portugal vencesse o torneio, cada um dos selecionados ganharia 300 mil euros.
O título acabou por ser conquistado pela Itália numa final contra a Inglaterra. Portugal foi eliminado pela Bélgica logo nos oitavos de final.
Em 2018, o mesmo jornal escreveu que cada jogador no Mundial da Rússia arrecadou 66.100 euros. A diária de 700 euros permitiu somar 16.100 euros, a cada atleta, a que se juntaram mais 50 mil euros pela passagem aos oitavos de final da prova, onde o Uruguai retirou Portugal de competição.
Já no Euro 2016, que fez da selecção nacional campeã europeia pela primeira vez na história, cada jogador amealhou 250 mil euros pela vitória na competição, mais o valor da diária que é habitualmente pago nestas competições.
Já durante este Mundial no Qatar, várias seleções anunciaram os prémios monetários que vão pagar aos atletas. O Brasil foi um desses países.
Caso os brasileiros vençam novo título mundial, o sexto, cada jogador arrecada 950 mil euros. O selecionador Tite e a equipa técnica ganham o mesmo valor.
A FIFA dá à equipa vencedora 40 milhões de euros, e ao finalista vencido 28,5 milhões de euros.
Por seu lado, a Espanha divulgou também alguns dos números. Os jogadores recebem 50 mil euros, cada um, por ultrapassar a fase de grupos e chegar aos oitavos de final, 100 mil por chegar aos quartos de final, e 150 mil pelas meias-finais.
O jornal "Marca" revela que o acordo foi selado entre os capitães e o presidente da federação espanhola de futebol, Luis Rubiales.
Já a Federação Francesa de Futebol anunciou que partilhará com os jogadores 30% dos ganhos se vencer o Mundial, num total de 12 milhões de euros, o que deverá permitir que cada um dos 26 convocados ganhe qualquer coisa como 440 mil euros.
A Renascença contactou outras dez federações nacionais que disputaram o Mundial do Qatar.
Inglaterra, Bélgica e Países Baixos não divulgam valores. "Não revelamos os valores pagos aos nossos jogadores". "A nossa federação nunca faz esse tipo de divulgações sobre os seus funcionários e, por isso, não podemos responder à sua questão". "Agradecidos pelo contacto, mas não é um assunto que estamos preparados para comentar", foram as respostas.
A Federação da Dinamarca (DBU), pelo contrário, divulgou os valores à Renascença. Jogadores e federação dividem os prémios de forma igual.
A federação fica com 50%, enquanto que os jogadores dividem os restantes 50% do bolo amealhado. A presença na fase de grupos correspondeu a um prémio de 891 mil coroas dinamarquesas a cada jogador. Cerca de 119 mil euros.
Seleção nacional
Selecionador nacional considera que "ficou evident(...)
Os restantes prémios correspondem a cada etapa ultrapassada após a fase de grupos, o que não aconteceu. A Dinamarca, que chegou às meias-finais do último Europeu, caiu na fase de grupos no Qatar.
De qualquer modo, atingir os oitavos de final aumentaria o valor recebido por jogador para cerca de 185 mil euros, quartos de final para 250 mil euros e meias-finais para 388 mil euros.
Vencer o Mundial significaria que cada jogador receberia, no total, 4,95 milhões de coroas dinamarquesas. Algo como 665 mil euros por jogador.
Federação e jogadores repetiram iniciativa que já tinham colocado em prática no Campeonato da Europa no verão passado. 2,5 milhões de coroas dinamarquesas, correspondente a cerca de 340 mil euros, foram doadas pela seleção nacional ao desenvolvimento do futebol jovem do país.
Houve seis federações que não respoderam em tempo útil às questões da Renascença.
A FIFA prevê redistribuir 440 milhões de dólares (420,8 milhões de euros) às 32 federações presentes no Mundial que se realiza no Qatar. Um montante significativamente superior ao do último Mundial disputado na Rússia, em que as nações dividiram 329 milhões de euros.