Como a pandemia condicionou o mercado de transferências

09 out, 2020 - 12:48 • Sílvio Vieira

Limitações financeiras, a atração pelo "refúgio" da I Liga, o número significativo de excedentários que ficaram sem colocação, os nomes que ficaram desempregados. Fenómenos de um mercado de transferências "atípico" revisto pela Renascença com a ajuda de Nuno Correia, agente de jogadores, e Afonso Figueiredo, futebolista que, pela primeira vez na carreira, começa uma época sem clube.

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A janela de transferências de verão fechou a 6 de outubro em Portugal e o registo foi de um mercado atípico, muito condicionado pela pandemia de Covid-19. Não só pela definição de novos "timings", mas sobretudo pelas consequências de uma nova realidade cheia de incertezas.

Os agentes do futebol tiveram de se adaptar. Desde os responsáveis dos clubes aos jogadores, dos empresários aos treinadores. A quebra nas receitas levou a maioria dos clubes a fazer um filtro mais fino na abordagem ao mercado e a contratar de forma mais "cirúrgica".

Com consequência da indefinição global, as ofertas do exterior não atingiram valores de referência de anos anteriores, o que levou à criação de uma bolsa numerosa de jogadores livres, com percursos relevantes.

Por outro lado, as dificuldades de colocação de alguns ativos, seja por ausência de propostas, por ofertas insatisfatórias para os clubes e/ou atletas, ou até por receio de sair para locais em que a situação epidemiológica não está controlada, resultou na inclusão de um número significativo de jogadores excedentários em alguns plantéis.

Os excedentários

A propósito, o agente Nuno Correia faz uma análise à luz de três fatores: efeitos da pandemia, proximidade da janela de transferências de janeiro e uma alteração regulamentar.

"Apesar de existirem programas em que os clubes observam os jogadores e os jogos, não há nada melhor do que ver com os nossos próprios olhos. O campeonato parou quando os clubes iam começar a entrar na fase das decisões no que respeita a contratações. Houve muitos processos que terão ficado em 'standby'.

Nesse contexto, os clubes, sobretudo os maiores, ficaram com mais dificuldades em colocar os excedentários. Depois, estamos em outubro e em janeiro o mercado abre outra vez. Há ainda outra questão: a lei mudou. Jogadores contratados, sendo inscritos, não podem ser emprestados nas 16 semanas seguintes. Antes, um clube podia contratar um jogador, fazia a pré-época e podia rodar noutro clube", detalha Nuno Correia, em entrevista à Renascença.

Jogadores como Ferreyra, Kalaica e Chrien, no Benfica; Bruno Gaspar, Ilori, Camacho, Lumor e Ivanildo, no Sporting; Assis, Eduardo Teixeira e Diogo Figueiras, no Braga; Welthon e Estupiñan, no Vitória de Guimarães, foi inscritos nas últimas horas de mercado, depois de terem ficado sem colocação.

Mercados abertos e outros a abrir antes de janeiro

Há ainda mercados abertos por todo o planeta, como Suíça (12 de outubro), Rússia (17 de outubro), Croácia (19 de outubro), Estados Unidos (29 de outubro), Japão (30 de outubro), Arábia Saudita (6 de novembro), entre outros. O mercado brasileiro abre já no dia 13 de outubro.

Possibilidades em aberto, mas que, salvo exceções, não deverão ser aproveitadas pelos clubes portugueses, prevê Nuno Correia. O empresário recupera ideia da proximidade entre as duas janelas de transferências - menos de três meses - para concluir que clubes e jogadores vão aguardar, na maior parte dos casos, para em janeiro tomarem decisões.

"Eventualmente, um ou outro jogador brasileiro que não se adapte ao futebol português regresse ao Brasil. A não ser que seja um negócio muito vantajoso financeiramente, acho difícil os clubes mexerem muito. Até porque estamos quase a meio de outubro e em janeiro abre outra vez o mercado", reforça.

Jogadores sem colocação

Numa situação mais frágil do que a dos jogadores que foram inscritos, mas estão a treinar à parte, estão aqueles que não conseguiram colocação e ficaram sem clube. É o caso de Afonso Figueiredo.

"São momentos de ansiedade", reconhece o jogador que, pela primeira vez na carreira, aos 27 anos, começa uma época no desemprego.

Determinado em voltar a emigrar, depois de ter tido "experiências felizes" no Rennes e no Levski de Sófia, o jogador, que terminou contrato com o Aves, esbarrou numa nova realidade promovida pela pandemia.

"Isto foi um mercado completamente atípico, bastante mais complexo. Os clubes não estão nas melhores condições financeiras e isso faz com que as propostas não tenham sido o que a maioria dos jogadores esperava. Há muitos jogadores que acabaram por sair prejudicados com este novo mundo em que estamos a viver com a Covid-19", observa, em entrevista à Renascença.

A pandemia limitou os orçamentos dos clubes de destinos mais, ou menos, exóticos que faziam das ofertas fator determinante para convencer futebolistas a embarcar. Afonso Figueiredo dá o seu exemplo e assume que "as propostas de fora nunca chegaram aos valores que esperava".

O lateral-esquerdo assume que não esperava estar nesta situação e ampliou a surpresa quando foi confrontado com o nome de outros futebolistas portugueses que também estão desempregados, como André Pinto, Diogo Viana, Licá, Marco Matias, Vieirinha ou Renato Santos. "Desses jogadores fazia-se, facilmente, uma equipa competitiva", conclui.

Nomes de peso atraídos pelo "refúgio" da I Liga

O contexto pandémico, por outro lado, abriu espaço para o último período de transferências ficar marcado por um fenómeno de atração da Liga Portuguesa a nomes conceituados. Jogadores experientes, acima dos 30 anos, que numa situação dita "normal" optariam por outro destino, defende Nuno Correia.

Jogadores como Vertonghen, Javi García, Gaitán, Otamendi, Quaresma, Rami, Antunes, Castro, entre outros, escolheram Portugal por uma questão de segurança.

"Noutra situação, eles optariam por outro destino, porque Portugal não é o país ideal, em termos financeiros, para este tipo de jogadores. A pandemia e as famílias acabaram por ditar a vinda para Portugal. Isto foi um refúgio, porque ainda ninguém sabe o que pode acontecer", observa o agente.

"Há o receio de uma segunda vaga e que os campeonatos possam parar outra vez. Em termos financeiros, Portugal não é o país indicado para jogadores deste nível, mas eles aqui sentem-se seguros", acrescenta o representante de jogadores como João Afonso, Adriano Castanheira e Costinha, entre outros que estão na I Liga, mas também de atletas como Fábio Fortes, que está na Roménia, ou Kikas, que joga no Chipre.

Um campeonato mais competitivo e a esperança de quem espera que o telefone toque

Numa avaliação final às movimentações do mercado, Nuno Correia conclui que "o campeonato vai ser muito mais competitivo", destacando a qualidade de alguns dos jogadores que chegaram, dando, inclusivamente, como exemplo da Gestifute, que "há anos que não trabalhava tanto em Portugal".

"E isso só beneficia o futebol português, porque o Jorge Mendes é o melhor dos melhores", assinala, nestas declarações a Bola Branca.

Tanto Nuno Correia, como Afonso Figueiredo, agentes envolvidos em várias janelas de transferências, concordam que este foi o período "mais atípico" de sempre. O mercado de inverno está já aí à porta e, apesar de todas as incertezas, é com segurança que se pode esperar um mês de janeiro fora do normal.

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