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Entrevista Renascença

Das ruas da Madeira a Alvalade e Espanha. Fátima Pinto, a "menina da ilha" que escreve História no futebol para contar aos netos

21 set, 2022 - 09:31 • Inês Braga Sampaio

Inicia no Alavés, a segunda aventura no futebol espanhol, agora com um currículo recheado de títulos, sucesso no Sporting e marcos históricos pela seleção nacional. Em entrevista à Renascença, a média internacional portuguesa fala sobre os sonhos do passado e do futuro e de todos os sucessos e insucessos entre eles.

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Da Madeira ao País Basco, da Holanda a Inglaterra, Fátima Pinto é uma das mãos que escrevem cada página da História do futebol feminino em Portugal. A "menina da ilha" rumou ao continente ainda jovem, jogou no clube de sonho e, agora, parte à conquista de Espanha. Histórias que coleciona para, um dia, contar aos netos.

Fátima Pinto, média internacional portuguesa, de 26 anos, inicia, com o Alavés, a segunda aventura da carreira em Espanha. A primeira foi no Santa Teresa, ainda adolescente. Não gostou do estilo de jogo do clube de Badajoz, mas ficou encantada com o futebol que se praticava no país.

Regressou a Portugal em 2016/17, para jogar no Sporting, que voltara a apostar no futebol feminino.

"Era o meu sonho poder jogar no Sporting, consegui concretizá-lo", conta a média-defensiva, em entrevista à Renascença.

Disputou 141 jogos e marcou 30 golos pelo clube de sonho, com que levantou sete troféus: dois campeonatos, três Taças de Portugal e duas Supertaças.

Seis anos depois, Fátima Pinto regressa a Espanha, ao futebol que a maravilhou, com outro estatuto: escola num grande de Portugal, presença em dois Campeonatos da Europa no currículo e a expectativa de qualificação para o primeiro Mundial da história do futebol feminino português.

"Há que confiar no nosso trabalho e, como eu confio muito em nós, acredito que está ao nosso alcance", afiança Fátima Pinto, que soma 72 internacionalizações.

Em Inglaterra, no Euro 2022, o sentimento foi "agridoce", pela boa prestação que não teve reflexo na pontuação. Em Espanha, reina a ambição de ajudar o Alavés e, mais tarde, subir a um patamar mais alto ainda.

Em conversa com a Renascença, Fátima Pinto fala sobre o passado e o futuro, o Europeu, o "play-off" do Mundial, e histórias que marcam a sua carreira, que tem andado de mão em mão com a evolução do futebol feminino em Portugal.

É a tua segunda experiência em Espanha. Na primeira, eras ainda muito jovem. Essa experiência fez-te querer voltar a Espanha?

Nos dois anos que joguei na Liga espanhola, gostei imenso do futebol que se praticava. Não particularmente da minha equipa, porque era um estilo de jogo bastante diferente do que eu gosto, ou aprecio. Mas a liga, em si, achei que era muito competitiva e, mesmo quando estava em Portugal, continuava a acompanhar e tenho visto a evolução que tem tido.

Cada vez é mais competitiva, já era há oito anos e agora muito mais. Acho que isso é muito bom. Se, realmente, resolverem estas questões da Liga com a Federação [árbitras pedem melhoria salarial], pode caminhar para ser uma das melhores ligas do mundo.

Depois do Santa Teresa, regressaste a Portugal e ingressaste no Sporting. Foram seis temporadas. O que levas dessa experiência no Sporting, num grande de Portugal?

Tanta coisa (risos). É difícil dizer tudo aqui. Foram experiências incríveis no Sporting. Era o meu sonho poder jogar no Sporting, consegui concretizá-lo.

Começando pelo início, foi um passo para o profissionalismo no futebol, que até então não tinha tido, nem sabia que seria algum dia possível em Portugal, e foi, o que também já foi muito bom. Todos os jogos, as experiências que tivemos, o que crescemos... Tivemos momentos incríveis, momentos difíceis, também, e isso tudo faz-nos crescer. E podermos passar por essas etapas todas no nosso clube de sonho é ainda melhor.

Levo grande aprendizagem, porque também tive vários treinadores, todos eles muito diferentes, e acho que levo um bocadinho de cada um deles sempre comigo. E das colegas, claro. Tenho grandes amigas na equipa, que são como família, conheci jogadoras de outros países, com mentalidades diferentes, e viver isso tudo é sempre incrível no futebol.

Como foi o teu último ano e o que te fez decidir sair? É verdade que terminaste contrato, mas como é que foi o processo de decidir partir para uma nova aventura?

Vou ser muito sincera: eu, como jogadora, gosto sempre de jogar para ganhar. Mas, este ano, estava com uma sensação no Sporting de que, mesmo que não ganhássemos nada, nenhuma taça, iria sair feliz na mesma, porque gostei muito do ano que tivemos, do trabalho que foi feito. Ter esta mentalidade de querer ganhar e, neste momento, estar a dizer-te isto, acho que foi um ano muito bom, na verdade.

Queríamos ser campeãs, como é óbvio, mas há sempre coisas que correm menos bem e é nisso que temos de trabalhar. A questão de vir para Espanha já era algo que eu queria e já tinha falado abertamente com o clube, quando fiz a renovação. Já lhes tinha dito que tinha intenções de sair para uma liga mais competitiva.

Deixas o Sporting com o sentimento de dever cumprido ou fica-te a espinha encravada na garganta, como se costuma dizer?

Posso dizer que ficou uma espinhazinha quando estivemos três anos sem ganhar e foi muito duro. Foi muito duro, porque trabalhávamos imenso, como todas as equipas, mas chegar ao fim da época e não ter o que queríamos durante três anos seguidos mentalmente foi muito duro. Tivemos ali três anos mesmo complicados.

Por fazer, ficam sempre coisas. Acho que podemos sempre dar um bocadinho mais e querer mais, mas vivi muita coisa e saio feliz. Quem sabe se um dia não poderei voltar.

Como é que foi a escolha pelo Alavés? Tinhas outras opções?

Tinha outras opções, mas foi-me apresentado o projeto do Alavés pela diretora e gostei muito. Gostei de perceber que é um clube um bocado familiar, a forma como tratam as jogadoras é incrível e acho que, quando vamos para fora, essas coisas também são muito importante. Há muitos relatos de jogadoras portuguesas que vêm jogar para Espanha e, se calhar, não se conseguiram integrar muito bem, tiveram algumas dificuldades no clube e isso é um dos aspetos que há que ter em conta.

Outra coisa é o estilo de jogo. Vi alguns jogos do Alavés, antes de tomar esta decisão, e é uma equipa que gosta de tocar bola no meio-campo. Isso foi uma das coisas que me atraíram, porque a última experiência que tive cá não foi bem assim e estava um bocadinho preocupada com isso.

Como é que estão a correr as primeiras semanas e a adaptação a Espanha e ao País Basco, que é uma região tão específica?

É verdade, o País Basco parece um país diferente dentro de Espanha. Foram semaninhas duras, mas estou muito contente. Muito trabalho.

Posso dizer que há uma diferença enorme para Portugal. Para teres uma ideia, na pré-época andávamos a fazer seis horas úteis de treino por dia. Ou seja, fazíamos uma hora de ginásio e duas de campo, de manhã, e à tarde voltávamos para mais uma hora de ginásio e duas de campo. Fazíamos isto, por exemplo, segunda e terça, e na quarta-feira competíamos. Tivemos até um jogo com o Braga nestas circunstâncias. Em Portugal, isto é um bocadinho impensável.

Também tem a ver com a gestão que cada treinador faz da equipa, mas, a nível de trabalho, posso dizer que, fisicamente, aqui, é muito mais exigente.

E a nível de público, como é que é? Sentes, também, essa diferença no interesse das pessoas no clube e no futebol feminino, ou é ainda demasiado cedo para perceberes essa distinção?

Por acaso, foi uma das coisas que eu estranhei. Acho que o Alavés não tem, ainda, assim tanta massa associativa, pelo menos para o futebol feminino, pelo que percebi. Também, ainda não tivemos assim muitos jogos, a maioria dos jogos na pré-época foram à porta fechada e as pessoas estão de férias, mas estava à espera de um bocadinho mais. Por toda a dimensão que o campeonato espanhol já tem, estava à espera de mais, sinceramente.

Quais são os objetivos a que o Alavés e tu própria se propõem para esta temporada?

Ainda ontem conversava com um antigo treinador sobre isto. Eu tenho de ter noção do clube onde estou e que objetivos tem, exatamente, a equipa. Se calhar, vou ter de adaptar um bocadinho mais o meu jogo, porque o Alavés, no ano passado, ficou em 11.º e é uma equipa que, se calhar, na maioria dos jogos, não terá muita bola. Por aí, também tenho de me adaptar. Por exemplo, no Sporting, em 80% dos jogos tínhamos muita bola. Vou ter de me preparar mentalmente.

Os objetivos da equipa passam por fazer mais pontos do que o ano passado e manter sempre um bom nível. Melhorar, também, a qualidade de jogo: o treinador foi muito claro nisso e vamos ver se somos capazes de cumprir.

Vais participar na primeira época em que a Liga espanhola é profissional. Qual é a sensação de fazer parte deste histórico passo em frente?

É uma sensação muito boa. Eu falo com as minhas colegas, a [Joana] Marchão e a Diana [Silva], que já jogo com elas há muitos anos, e, realmente, ao longo dos anos, estamos a participar e a fazer história. Em todos os momentos em que acontece alguma coisa histórica no futebol feminino, nós estamos lá. Isso é incrível. Um dia poder contar aos meus netos, dizer, "neste dia aconteceu isto e a avó estava lá"... É muito gratificante poder fazer parte destes momentos de história e da evolução do futebol feminino.

Também consideras que é um exemplo para Portugal, para o futebol feminino português seguir, para olhar e dizer, "OK, é assim que devemos fazer as coisas"? Devemos olhar para este exemplo? Porque Portugal está, tecnicamente, atrás.

Um bocadinho, sim. Neste momento, a Liga espanhola também não está a ser grande exemplo, devido aos conflitos da Federação com a Liga, mas há muitas coisas que são bons exemplos e, mesmo com os maus, sabemos o que não fazer e para onde ir, e há certas linhas que podemos seguir e evoluir através daí.

Em Portugal, nota-se claramente que as apostas que têm sido feitas estão a dar frutos. Temos mais praticantes, temos melhores resultados. O caminho é esse.

Tens contrato de um ano. Já sabes o que pretendes fazer quando o contrato terminar ou estás a levar um dia de cada vez?

Eu gosto de levar um dia de cada vez, também por isso é que assinei por um ano. Mas um dos objetivos da minha vinda para cá é poder progredir, poder ir para uma equipa com mais nível. Não quero ser mal interpretada quando digo isto, mas poder dar um salto maior.

És uma de cinco jogadoras portuguesas em Espanha. Sentes que é reflexo e fruto do crescimento do futebol feminino em Portugal? Que lá fora já estão mais atentos ao que se faz cá e, também, na seleção portuguesa?

Sem dúvida. Sobretudo na questão da seleção portuguesa ou quando uma equipa portuguesa participa na Champions. É muito por um aí.

Daqui a um ano, vão reduzir as vagas para extra comunitárias e, daqui a dois, a limitação ainda será maior, e acho que poderão virar-se muito para a jogadora portuguesa, porque, cada vez mais, vê-se o talento que há em Portugal. Viu-se no Euro.

Apesar dos resultados, viu-se a qualidade [da jogadora portuguesa]. Muitas colegas de equipa disseram-me: "Fiquei super surpreendida com Portugal, não tinha noção da qualidade que vocês tinham na equipa." E o que eu vejo cá é que a jogadora portuguesa pode perfeitamente jogar no campeonato espanhol. Perfeitamente.

Por falar na jogadora portuguesa, e das jogadoras que vão estar, também, em Espanha, vai ser especial defrontá-las, especialmente aquelas com quem partilhaste o balneário no Sporting, além da seleção?

Sim, é sempre especial. É muito bom, vou matando saudades quando vou visitando uma e outra. Estarmos cinco jogadoras cá acho que ainda é pouco, ainda é pouco. Espero que, daqui a uns anos, possamos ver muito mais jogadoras portuguesas.

E vice-versa, porque, por exemplo, jogadoras espanholas, normalmente, não gostam muito de sair da sua zona de conforto, elas próprias dizem. Por causa da barreira linguística, muitas vezes, não gostam de sair do seu país. Portugal está aqui ao lado. A língua é muito semelhante e acho que também poderiam trazer mais qualidade e competitividade ao campeonato português, sem dúvida alguma.

Passando para o tema da seleção, falemos sobre o Europeu. Foi uma prestação que surpreendeu, no sentido da resposta que deram frente a seleções mais cotadas, como a Suíça e, especialmente, os Países Baixos, na altura campeões europeus. Estiveram na luta, até à última jornada, pelo apuramento para os quartos de final. Como é que foi a experiência no Europeu e que imagem é consideras que a seleção deixou a Portugal, ou seja, internamente, e ao mundo?

Primeiramente, digo que foi um orgulho. Lembro-me perfeitamente do primeiro jogo. Estava no banco e toda a gente sabe que aos seis minutos estávamos a perder 2-0. E foi aquela sensação de, "nós somos muito melhores que isto e sabemos que somos". Pá, foi aquela sensação de, "não, isto não pode ficar assim". E fomos atrás do resultado.

Podíamos perfeitamente ter ganho o jogo, não fomos felizes em alguns momentos de finalização, mas logo naquele primeiro jogo deixámos claro que estávamos ali para ganhar, para conquistar os três pontos, e foi até ao fim.

Depois, realmente, enfrentámos a campeã da Europa, que sabemos o nível que têm, mas nós estivemos ali também. E elas viram o nível que Portugal tem, também. Depois, sofremos aquele terceiro golo ao ângulo, de fora da área, que são coisas muito bonitas do futebol. Também, a qualidade está aí e há coisas que não se pode fazer muito mais.

O jogo com a Suécia foi mais duro. Foi muito duro, sofremos quatro golos de bola parada. É algo que temos de trabalhar, o próprio selecionador sabe e já falou muito connosco com isso. Estivemos um ano sem sofrer golos de bola parada, porque trabalhámos muito, e agora voltámos a sofrer muito com essa situação.

Mas pronto, acho que foi um sentimento agridoce, porque acabámos por pontuar menos do que a primeira vez que fomos ao Europeu, e não era isso que queríamos, queríamos pontuar mais. Mas, ao mesmo tempo, acho que deixámos muito boa imagem e mostrámos a toda a gente do que é que somos capazes e para onde queremos caminhar, qual é o sentido da nossa imagem.

É muito por aí, foi uma boa imagem. Claro que um resultado de 5-0 nunca é bom e é muito duro, e é pesado, mas temos de ver, também, que a Suécia, no "ranking", está muito acima de nós. Mas é para lá que queremos caminhar e é, também, a competir com estas equipas que vamos crescer.

Acreditas que ajudaram a mudar mentalidades e, talvez, a apressar a evolução do futebol feminino em Portugal, ou temes que agora, após estes meses de euforia, possa voltar tudo ao mesmo?

Sabes, eu tenho um bocadinho de receio que possa voltar ao mesmo. Porque toda a gente tem memória curta, a última imagem é a que fica e é o momento que as pessoas guardam. Mas acredito, ao mesmo tempo, que também poderá ser um salto. As pessoas têm é de acompanhar.

Por exemplo, aqui em Espanha, é o que eu estava a dizer-te antes. Acho que as pessoas têm dado esse salto, têm acompanhado o futebol feminino, mas, depois, chego aqui ao meu clube e percebo que a realidade, se calhar, ainda não é assim tão como queríamos, não há tantas pessoas a vir. Mas os clubes em Portugal estão a fazer trabalho, nesse sentido de chamar mais público.

Agora, em Leiria, houve a final da Supertaça. Para mim, que estava a assistir pela televisão, foi incrível ver a bancada [cheia], até tiveram de abrir mais para cima, para as pessoas que estavam a chegar. Fiquei super feliz de ver um cenário daqueles.

Acho que temos de caminhar para aí, tentar ao máximo que as pessoas vão acompanhando. Mas acredito que sim. Também, o Benfica, agora, por exemplo, na Liga dos Campeões, se conseguir fazer bons resultados, acho que isso também faz com que o público venha mais aos jogos.

Qual é que deve ser, na tua opinião, o objetivo imediato do futebol feminino português? Profissionalização, dar mais recursos aos clubes? Se tivesses de escolher entre um e outro, qual seria o próximo passo?

Eu lembro-me da altura em que foi falado do teto salarial um dos argumentos que usámos foi que não podíamos colocar um teto sem um chão. Vai muito por aí. Os clubes terem mais recursos, poderem apostar mais no futebol feminino e, depois disso, já diria a profissionalização total.

Em relação ao "play-off" do Mundial: chegou a estar em perigo, a Sérvia chegou a assustar, também, com uma vitória sobre a Alemanha, mas conseguiram dizer presente no momento decisivo. Como é que lidaram com essa pressão, com a dúvida, que acredito que terá estado sempre um pouco latente? Como é que lidaram com esses dois últimos jogos decisivos?

Nós tínhamos jogado com a Sérvia cá, ganhámos pela diferença de um golo. Costumo conversar com a minha ex-colega, a Nena, a Nevena [Damjanovic, que esteve no Sporting], e ela, na altura, até nos disse que quatro ou cinco jogadoras que costumavam ser titulares não puderam vir a esse jogo, umas por Covid, outras por lesão. E uma pessoa, obviamente, fica a pensar nessas coisas, não é? E cá não foi um jogo fácil, controlámos um bocado, mas podia ter caído para qualquer um dos lados, viu-se no resultado.

Lá na Sérvia, vimos a questão do resultado com a Alemanha, eu vi o jogo, e toda a análise que a seleção faz, e nós vimos os vídeos delas, vimos os jogos delas, vimos tudo. Acho que a Sérvia é uma equipa com muita qualidade. Se formos a analisar o onze titular, há muitas jogadoras em grandes campeonatos da Europa, em grandes equipas, e que jogam. Não estão no banco, elas jogam. Acho que a Sérvia é uma equipa com mesmo muito valor.

Só que, quando fomos lá jogar, se calhar, a parte emocional prejudicou-as um bocadinho. Acho que nós, nisso, somos mais maduras. Podíamos ter sido ainda um bocadinho mais, porque houve ali momentos em que tínhamos de acalmar um bocadinho mais a situação de jogo, mas, mesmo assim, acho que conseguimos ser mais maduras. Se me recordo do jogo, a Sérvia fez mais de cinco, seis passes seguidos em muito poucos momentos do jogo, porque nós estivemos sempre em cima delas. Claro que apostaram um bocadinho pelas transições, mas nós fomos mais maduras e soubemos ter a bola.

É verdade, também, que houve momentos em que o jogo podia ter caído para o lado delas, como aquela defesa clara da Inês [Pereira] que bate na cabeça da jogadora e sai. São momentos que podem mudar um jogo, mas acho que também merecíamos, pelo futebol que apresentámos. É para saberes um bocadinho o que é que sentíamos. Sabíamos que tínhamos de ganhar. Sabíamos que tínhamos de ganhar se queríamos estar no Mundial.

É como os próximos dois jogos. É o que há, é futebol e não é fácil. Para nós nunca é fácil, como costumo dizer, ou se não fosse fácil não era para nós. Uma experiência como o Europeu também nos faz crescer para estes momentos. Abordámos esses dois jogos com essa mentalidade, que tínhamos de ganhar. Sem pressões, isto é o nosso trabalho e sabemos que temos de ganhar. Temos é de confiar em nós.

Os próximos dois jogos são com a Islândia e a Bélgica. A Bélgica chegou aos quartos de final do Euro, a Islândia também teve uma boa prestação. As três seleções podem ser consideradas de nível relativamente semelhante. Consideras que o apuramento está ao alcance? O que esperas das duas seleções adversárias?

Há que confiar no nosso trabalho e, como eu confio muito em nós, acredito que está ao nosso alcance. Não será fácil. Nunca foi, para nós, mas acredito que está ao nosso alcance e vamos ter de dar tudo por tudo para conseguir ganhar os dois jogos.

Jogaste os 180 minutos nesta jornada de qualificação. Consideras que isso fisicamente, e mesmo mentalmente, pode ajudar, agora, a preparar-te, não só em termos físicos, para a época com o Alavés, para esta reta inicial, em que, muitas vezes, as opções dos treinadores se consolidam? Qual é a tua sensação no final deste compromisso, que terá sido desgastante?

Acho que, por exemplo, a pré-época que tive cá, e o selecionador sabe, porque falámos sobre isso, também me fez aguentar os 180 minutos. Mas sim, se calhar, em dezembro, janeiro, já vou ter uma carga, mesmo a nível de treino, significativo. Mas eu gosto disso e acho que é esse o trabalho de que preciso para estar bem, também, na seleção.

O objetivo de qualquer jogador, para além de jogar no clube, é jogar, também, na seleção. Há muitos anos que trabalho para isso e fiquei muito feliz por poder jogar estes dois jogos.

Puxando a fita atrás na tua história como jogadora de futebol, como é que começou? Como é que foi a tua viagem para tornares jogadora de futebol de primeiro nível?

Eu comecei com seis anos, na escola. Aliás, no infantário já jogava, mas pronto, com seis anos comecei a jogar lá na escola. Os meus amigos, com quem eu jogava, estavam no Juventude Atlético Clube, que era o clube lá da escola, dos Salesianos [do Funchal], e disseram-me: "Tens de vir connosco jogar para o clube, não queres ser federada, isto não ser só uma 'brincadeira', o tal hobby, e começar a ser algo mais a sério?". Eu claro que quis e a minha mãe sempre me apoiou, ia a todos os treinos e a todos os jogos e facilitou imenso por aí.

Joguei com os rapazes até aos 12, 13, naquela transição. Depois, fui para um clube feminino, que era o Grupo Desportivo APEL. Penso que ganhei todos os campeonatos que joguei pelo clube, mas, lá está, sem querer menosprezar, era uma realidade pequenina para o que eu queria. Éramos cinco equipas, tínhamos muito poucas praticantes, era duro. Nem jogávamos futebol de 11, jogávamos futebol de sete, e eu queria mais. Tive a chamada das sub-19 da seleção, pela primeira vez, e percebi que a realidade do futebol feminino era outra, em Portugal Continental. E eu queria aquilo, queria estar ao nível daquelas jogadoras, queria mais.

Então, decidi logo sair, até acabei o 12.º em Portugal Continental. Depois, estive no Ouriense, fomos campeãs e ganhámos a Taça de Portugal. Entretanto, depois, fui para o Santa Teresa, porque, lá está, era aquela mentalidade sempre do querer mais, porque existe, digamos, outro mundo para além disto.

Eu venho de uma realidade muito pequenina, vinha da ilha. Não se viam jogos de futebol feminino na televisão, só se viam os Mundiais na Eurosport, na altura, e os Europeus, mas eu nem conhecia a realidade portuguesa, é esta a verdade. Eu tinha já 17 anos e não via jogos de futebol feminino, não conhecia. Lembro-me que as primeiras vezes que comecei a ver notícias de futebol feminino foi quando nos apurámos pela primeira vez para o Europeu, as sub-19. A partir daí, começou a haver mais acompanhamento.

E pronto, fui ao estágio das sub-18 na seleção, fui logo chamada para as sub-19, participei no Euro e isso também me permitiu que as equipas de Portugal Continental me vissem. Foi aí que dei o salto para o Ouriense, depois do Ouriense o Santa Teresa, e depois o Sporting. E agora, aqui, o Alavés.

Quais são os teus objetivos para a carreira? Já disseste que pretendes dar o salto para um nível superior. Pensas num futuro para além desse patamar? Quais são as tuas metas?

Eu vou ser muito sincera. De vários objetivos a que me propus desde pequena, já cumpri muitos. A verdade é essa. Daqui para a frente, de objetivos, quero, claramente, continuar a estar na seleção, trabalho diariamente para poder jogar na seleção, esse é um dos meus objetivos.

Cá [no Alavés], ajudar ao máximo a equipa e estar sempre ao mais alto nível. Nem sempre é possível, com certeza terei altos e baixos durante a época, mas um dos meus objetivos é estar sempre ao mais alto nível e poder ajudar a equipa o melhor que sei.

E claro, como já referi antes, poder dar, realmente, um salto maior. Apesar de que já tenho 26 anos, mas acho que ainda tenho muito tempo (risos).

A Alexia Putellas ganhou a Bola de Ouro aos 27 anos. Apesar de estas estrelas todas serem tão jovens, é verdade é que o atleta dura cada vez mais anos e atinge o pico também cada vez tarde. A idade é cada vez mais um número.

Sim, e no futebol feminino costuma jogar-se, diria, até um bocadinho mais tarde. Também tem tudo a ver com a forma como cuidamos do nosso corpo, a vontade que temos para cá estar, porque isto também é duro, ao longo de tantos anos tem as suas partes duras, mas quem o faz por amor e por gosto consegue estar aqui muito tempo.

Como é que te sentes confortável em campo? Chegaste a falar sobre isso quando estavas no Sporting, de um maior controlo do jogo. Qual é a tua área de conforto, nesse sentido?

Vou dar um exemplo muito recente: o jogo da Sérvia, com a seleção, posso dizer que era, entre aspas, um jogo confortável para mim. Porque eu gosto muito disto, gosto da pressão, gosto quando sei que vai ser um jogo duro.

Sei que fisicamente, se calhar, tenho mais facilidade em bolas aéreas e o que é ali muito na luta. Eu sei que domino bem essas áreas e, então, sinto-me muito confortável. Por outro lado, muito de ter bola (risos). Sei que é um bocado contraditório, porque temos a parte física, as bolas no ar e essas coisas, mas também gosto muito de ter bola.

Sinto-me confortável quando são jogos a doer. Disso é que eu gosto. Gosto muito desses jogos. Por exemplo, em Portugal, quando era um Sporting-Benfica ou uma final da Taça de Portugal, como o Sporting-Famalicão, são sempre aqueles jogos em que há muitos olhos em cima e em que temos de estar ao nosso melhor nível para poder levar a melhor.

Houve alguma coisa que alguém te tenha dito, um treinador ou quem seja, que te tenha marcado especialmente? Alguma frase a que te agarres?

Pelo bom ou pelo mau?

Qualquer um.

Uma das grandes memórias que eu tenho é no Europeu das sub-19. Como já disse, eu estava na realidade do futebol de sete, na Madeira. Fui ao estágio das sub-18 e fui logo chamada para o Europeu e a verdade é que eu não tinha bem noção. Não havia o acompanhamento do que era a seleção, do que estar num Europeu. Eu só conhecia essas realidades no masculino.

Lembro-me que no primeiro jogo fui titular, a lateral-esquerdo, e o Professor Paisana, antes de eu entrar em campo, disse-me assim: "Fatinha," é assim que ele me chama, "não estejas nervosa. Joga como jogas com as tuas amigas nas ruas da Madeira." E eu, realmente, fui para o campo com aquele pensamento. Foi um jogo incrível, fui considerada pela UEFA a melhor em campo, e essa ingenuidade que eu tinha na altura fez com que eu fizesse o jogo que fiz.

Agora, quando crescemos, a pressão é maior, o não poder errar, o não poder falhar, há toda a aquela pressão, há mais pessoas a ver. Naquela altura, eu não tinha nada dessas coisas na cabeça, só queria jogar futebol e divertir-me.

Por exemplo, eu lembro-me que, em criança, toda a gente joga pela felicidade. A gente joga porque gosta. À medida que vamos crescendo, essas coisas vão mudando. É normal, faz parte. Isto é o nosso trabalho, também. Já não há só a parte bonita do futebol. Mas isso foi, sem dúvida, uma das coisas que me marcaram. Era como, "a pequenina Fátima a dar o salto" ou "a menina da ilha lá fora".

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