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José Luís Ramos Pinheiro
Opinião de José Luís Ramos Pinheiro
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Presidenciais. Quem se não for ele?

21 jan, 2021 • Opinião de José Luís Ramos Pinheiro


À luz dos desafios esperados - e também dos inesperados - dos próximos cinco anos, interessa-nos ter um Presidente enfraquecido ou reforçado? E na relação com o primeiro-ministro, é preferível um Presidente com saúde eleitoral ou politicamente diminuído?

Nas eleições do próximo domingo, não se trata de reeleger um Presidente da República com a tradicional bonomia e pacatez com que o eleitorado tem reeleito todos os presidentes da República para um segundo mandato.

Não se trata da mera pancadinha nas costas que, antes de Marcelo, já Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio ou Cavaco Silva experimentaram, no seu devido tempo.

O quadro em que decorrem estas eleições é mais complexo, em Portugal e no mundo. Nunca tivemos uma eleição assim. E nunca vivemos tempo tão exigente quanto este.

Os próximos dias, semanas e meses têm muito que se lhes diga. E os próximos cinco anos também.

A crise sanitária e a incerteza económica podem gerar novas desigualdades e nalguns países, pobreza galopante.

A recuperação virá, mas alguns postos de trabalho não. E haverá novos empregos que implicam competências diversas, digitais ou outras. Parte dos desempregados de hoje terá mais dificuldade em encontrar emprego amanhã, numa economia que vai mudar.

Sabe-se que a clivagem social é a melhor amiga do populismo e ele espreita-nos, à direita, mas também à esquerda. Ameaça Pessoas e Instituições. Até há bem pouco tempo, o ataque ao Capitólio seria impensável, exceto como argumento ficcional para um sucesso no cinema. Mas o impensável aconteceu: Washington ultrapassou Hollywood.

Dito isto, não se pode votar com medo. Porque o medo é meio caminho andado para a derrota. Mas não se pode votar também com a insustentável leveza de quem cumpre calendário, como se o resultado final fosse já conhecido. Porque a soma de todos os votos displicentes ou ausentes pode contribuir para fragilizar quem se presumia já eleito.

Nesta eleição, dir-se-ia que Marcelo Rebelo de Sousa ganharia folgadamente.

Teria a reeleição garantida, depois de cinco anos de frenética magistratura presidencial; faltaria apenas conhecer a real dimensão da vitória.

Não é assim. Não se consegue antecipar o efeito da pandemia no aumento da abstenção. A ilusão de que o resultado ‘está feito’ e o receio associado ao vírus, podem elevar a abstenção para níveis que tornem os resultados voláteis e inesperados.

Por outro lado, pessoas que habitualmente votam mais vezes à direita do que à esquerda, têm exprimido ressentimentos com o atual Presidente da República.

Uns dizem-no demasiadamente afetivo e excessivamente ‘pictórico’, no sentido mais ‘selfie’ do termo.

Outros preferiam vê-lo defender com mais clareza e em público, posições que o Presidente só assume em privado.

Outros criticam-no por não ter posto António Costa ‘no sítio’, ao longo do seu mandato. Consideram-no fraco por não ter sido mais forte, na relação com Costa e os seus governos.

Curiosamente, entre 1986 e 1991, o presidente Mário Soares ouviu recados semelhantes do seu partido, pedindo-lhe que trocasse as voltas ao primeiro-ministro Cavaco Silva. Soares ouviu, mas fez rigorosamente o que quis: no seu primeiro mandato irritou o PS e protegeu Cavaco. Depois, quando chegou o momento da reeleição, Cavaco retribuiu: apoiou Soares tacitamente, contra Basílio Horta.

A história repete-se. António Costa não apresentou um candidato contra Marcelo que, ao longo do seu mandato, também nunca se armou em líder da oposição.

Haverá no PSD quem sonhe com uma magistratura de guerrilha conduzida a partir de Belém, se possível derrubando o governo. Esquecem-se de um pormenor: ao fim de cinco anos de mandato presidencial, a direita ainda não credibilizou nenhuma alternativa de governo. Se Marcelo derrubasse Costa, o mais provável é que Costa sucedesse a si próprio.

Por estas ou por outras razões, estão dispostas algumas destas pessoas, a votar noutros candidatos.

Recusando-lhe o voto, querem atingir o Presidente e reduzir-lhe legitimidade por aquilo que não fez.

Alguns não escondem mesmo que gostariam de ver Marcelo sujeito à humilhação de uma segunda volta. Seria a primeira vez que um Presidente só conseguiria ser reeleito à segunda tentativa. Aí sim: ao levar Marcelo às cordas sentir-se-iam finalmente vingados.

Confirma-se que em boa parte a direita é autofágica. Mina o próprio caminho. Abunda em estados de alma. Cultiva ciúmes. Desdobra-se em rivalidades internas. Não perdoa incómodos e não esquece ofensas. Desconfia dos próprios ‘chefes’ (sobretudo dos mais bem sucedidos). Tira-lhes o tapete, por razões que não confessa inteiramente. Combate ferozmente dentro do seu campo. E se no final do dia, a esquerda sair a ganhar, paciência. A culpa, está-se bem de ver, era do ‘chefe’.

À esquerda, o contraste é evidente. Para evitar que Freitas do Amaral fosse eleito presidente, Cunhal engoliu o sapo e mandou votar Soares. Quando toca a rebate, a esquerda nunca falha. A direita pensa duas vezes e em caso de dúvida, assobia para o ar.

Tivesse a esquerda um Marcelo, já a direita suspiraria por um chefe como ele.

Tudo isto não significa que a presidência de Marcelo Rebelo de Sousa seja isenta de críticas e reparos. No que disse ou no que não disse. No que fez ou no que consentiu que se fizesse.

Na justiça não esteve bem. Conseguiu um pacto para a justiça que, no essencial, não foi cumprido. Substituiu uma Procuradora-geral e um Presidente do Tribunal de Contas, ambos com provas dadas.

Noutros casos, como o da eutanásia, devia ter sido mais claro na sua posição e até numa simples recomendação ao parlamento: em plena pandemia avançar com a proposta da eutanásia é no mínimo ofensivo para todos aqueles que se dedicam a salvar a vida dos seus próximos, a começar pelos mais frágeis, quaisquer que eles sejam.

Também na liberdade de educação, Marcelo comentador não perdoaria ausências e silêncios do Presidente Marcelo. Um exemplo? O modo como convive com o atentado à liberdade de educação, no caso dos pais de crianças que recusam que a ideologia do género seja imposta aos seus filhos, como uma espécie de doutrina oficial do Estado. E chegou-se agora ao ponto de o ministério público perseguir esses mesmos pais por não abdicarem da liberdade de educar, consagrada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, pela Constituição e pela própria lei.

São erros e não devem ser ignorados. Mas não há presidentes (ou primeiros-ministros) perfeitos. E na avaliação dos candidatos não vale a pena pensar que estamos perante super-heróis, imunes aos defeitos que todos temos. Todos têm pontos fracos e todas as escolhas têm os seus contextos. Aqui ou em qualquer outro país.

Errando como todos, Marcelo Rebelo de Sousa foi um Presidente diferente, mas indiscutivelmente em sintonia com os momentos e os acontecimentos, com as pessoas e os seus sofrimentos. Goste-se ou não, ficará na história, entre outros motivos, pelo modo original como interpretou o papel presidencial.

Em Marcelo, Portugal tem um Presidente. Durante cinco anos nenhum outro se perfilou. E em campanha eleitoral muito menos.

À esquerda, Ana Gomes tem dado um triste espetáculo de ataques pessoais e demagogia ideológica, secundada por Marisa Matias e João Ferreira, a propósito, entre outros aspetos, da pandemia e da alegada necessidade de requisição civil dos privados.

À direita, as provocações de André Ventura falam por si. Repetindo-se à exaustão, ofende, grita e provoca em muito do que diz e propõe. Ao insultar rebaixa-se a si próprio e tira dignidade à campanha.

Claro que no momento de discernir o voto, cada um tem os seus critérios e quadros de avaliação.

Há quem vote de modo mais emocional. Tais eleitores decidem em função de paixões ou de ódios de estimação. Desvalorizam o resultado final, desde que fiquem pessoalmente ‘ressarcidos’ ou realizados com o voto que escolheram. Votam ao sabor do coração. Mesmo que o coração entre em contradição com o mais nobre dos critérios: o bem comum. Porque sendo o voto individual, ele contribui para um bem maior do que a mera satisfação pessoal.

Por isso, importa saber: numa eleição como esta, qual é o interesse do país ? Que resultado serve melhor Portugal?

À luz dos desafios esperados - e também dos inesperados - dos próximos cinco anos, interessa-nos ter um Presidente enfraquecido ou reforçado?

E na relação com o primeiro-ministro, é preferível um Presidente com saúde eleitoral ou politicamente diminuído?

Para quem se incomoda pela forma como o PS está a governar o aparelho do Estado, tão desastradamente espelhada no polémico caso do Procurador europeu, é desejável um Presidente da República frágil ou forte?

E na atual fase de combate à pandemia que precisa do contributo de todos - presidente, governo, parlamento, oposição, autarquias, empresas e instituições da sociedade civil - precisamos de um Presidente refrescado na sua legitimidade ou politicamente diminuído? Claro que em democracia basta ganhar por um, a legitimidade constitucional é a mesma. Mas politicamente faz toda a diferença.

Se, por absurdo, Marcelo Rebelo de Sousa saísse fragilizado das eleições presidenciais, sujeitando-o a uma segunda volta em plena pandemia, o país ficaria perder. Para aquilo que aí vem é indispensável um Presidente politicamente robustecido.

Por isso, assumir o voto em Marcelo não é uma forma de apelar ao mero ‘voto útil’, mas de fazer com que cada voto tenha utilidade efetiva. E a efetiva utilidade deste voto é votar no interesse de Portugal.

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  • Maria Oliveira
    22 jan, 2021 Lisboa 22:49
    A minha desilusão com Marcelo Rebelo de Sousa - o José Luís Ramos Pinheiro aponta várias circunstâncias em que esteve mal - não me impede de nele votar no próximo domingo. A possibilidade de uma 2.ª volta devido a elevada abstenção obriga-me mesmo a votar nele. Qualquer outra solução seria uma tragédia para o País, em qualquer caso, mas muito mais neste contexto de pandemia.
  • João Lopes
    22 jan, 2021 Viseu 10:06
    Marcelo foi um fraco Presidente, é um jogador oportunista. Apoiou demasiado António Costa... Em temas importantes como a eutanásia e a ideologia de género assobiou para o lado. Não merece continuar como Presidente da República.