05 jul, 2023 • Beatriz Lopes
É preciso combater a cultura do "Sr. Doutor" em Portugal e "divulgar casos de sucesso" no ensino profissional, defende Nuno Crato. Em entrevista ao podcast Geração Z da Renascença, o antigo ministro da Educação alerta que, "por falta de informação genérica no país", os jovens desconhecem que há cursos profissionais com "glamour", que poderiam dar resposta à falta de mão-de-obra especializada que tem afetado a generalidade do tecido empresarial.
"Temos de dizer aos jovens que se fizerem determinados cursos para se tornarem doutores, muito possivelmente, vão ter dificuldade de emprego, vão procurar depois emprego no Estado ou em repartições, que não são tão necessárias ao país”, diz.
“Quando falamos em ensino profissional, não estamos só a falar de serralheiros mecânicos, estamos também a falar de técnicos de grandes superfícies de agricultura, de técnicos de controle de bagagens nos aeroportos, de técnicos de controlo remoto de instalações fabris, de fotógrafos, de técnicos de som... Uma série de profissões que são mais apelativas aos jovens e que têm um "glamour" que pode seduzi-los", sublinha.
De acordo com um estudo recente da EDULOG, uma iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo, quase metade dos alunos (45%) portugueses frequenta o ensino e formação profissional. Portugal coloca-se assim na 19.ª posição do ranking europeu de países com mais estudantes a frequentar esta tipologia de ensino. "Ainda é pouco", considera Nuno Crato, que, enquanto ministro da Educação, diz ter sempre defendido a meta da União Europeia: colocar 50% dos alunos dos Estados-membros em cursos profissionais.
"Será bom que o número suba", sublinha o ex-ministro da Educação, mas o mais importante "é que a orientação dos alunos para o ensino profissional seja cada vez mais em direção àquelas formações que são necessárias ao país e lhes dão emprego".
"Há uma série de profissões em que temos grandes falhas e grande parte dos cursos profissionais, numa percentagem exagerada, estão a dar formações que já não são tão necessárias.”
Nuno Crato dá o exemplo. “Muitos jovens querem ir para desporto. É uma atividade nobre como é evidente, mas encontrar um emprego no desporto não é fácil. Enquanto que encontrar um emprego noutras áreas, que são muito úteis, desde as eletricidades às tecnologias da informação... nestes cursos, há grandes falhas”, assume. E deixa um alerta: “há um grande número de jovens que estão a ser dirigidos, talvez por falta de informação genérica no país, para cursos que não têm saída profissional".
A República Checa (73%), a Finlândia (71%), a Croácia e a Áustria (70%), a Holanda e a Eslováquia (69%), a Eslovénia (67%) e a Suíça (65%) são os países europeus com mais alunos a frequentar o Ensino Secundário Profissional, contrariando a ideia de que os Estados mais desenvolvidos são os que têm menos alunos nesta via.
"De facto isso surpreende-nos um pouco. Por exemplo, a Suíça tem entre 60% e 70% dos jovens no ensino profissional. A Suíça é um país rico. Assim como a Áustria que está pelos 70% e a Finlândia. São exemplos de como países desenvolvidos têm uma formação profissional muito intensa na juventude e onde formam jovens que têm salários muito bons e que trabalham nas áreas das engenharias, em indústrias de construção”.
Nesta altura, sublinha Nuno Crato, "há uma tendência de as escolas fazerem ofertas profissionais que não são as necessárias à região" e, por isso, "é necessário um diálogo e um trabalho de cooperação entre as escolas e as empresas".
"As empresas deveriam voluntariamente destacar recursos, como técnicos e instalações, para ajudar na formação profissional (...) E isso traz uma grande vantagem que é: a indústria evolui de tal maneira, que não é possível às escolas terem sempre o último modelo de maquinaria e de outras ferramentas e equipamentos. Mas as empresas têm porque caso contrário não são competitivas. E desta forma, as empresas têm a possibilidade de oferecer aos jovens não só estágios, mas desde o princípio do desenho dos cursos, a possibilidade de trabalharem na empresa e de terem acesso a esse equipamento."
Este é precisamente um dos objetivos do programa "Ser Pro" da Iniciativa Educação, uma organização sem fins lucrativos que Nuno Crato lidera para promover o sucesso escolar. Um programa que "vai ainda mais longe ao envolver escolas, empresas, municípios e instituições de ensino superior".
"Eu lembro-me de empresas grandes e pequenas que se aproximavam do ministério e diziam: 'precisamos de formar 10 mil quadros, precisamos de formar 100 jovens nestas áreas... Nós estamos dispostos a ajudar, como é que podemos fazer isso?'”, lembra.
“Foram os cursos profissionais que começaram o caminho de diálogo com as empresas. Mas as escolas e as empresas têm de se sentar à mesa desde o princípio. Não podemos pensar que um curso profissional se resume à formação e no fim há um estágio numa empresa", sublinha.
Aos jovens, Nuno Crato deixa um conselho: "o que quer que façam, façam-no bem feito".