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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Os fundos europeus e o Estado de direito

11 nov, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


O primeiro-ministro da Hungria ameaça vetar a aprovação do orçamento plurianual e a “bazuca”, em retaliação à possibilidade da a UE condicionar os fundos ao respeito pelo estado de direito, condicionalidade que foi agora acordada. Deram-se passos positivos, mas a crise não se encontra ultrapassada.

Os últimos dias trouxeram duas boas notícias sobre as negociações tripartidas na UE – Comissão, Parlamento Europeu (PE) e Conselho (onde estão os governos dos Estados membros, que possuem, cada um, um representante diplomático permanente junto da UE, em Bruxelas).

A mais recente notícia é de ontem. O acordo foi sobre o orçamento de longo prazo da UE e o aumento dos recursos próprios necessário à constituição do Fundo de Recuperação, destinado a reagir aos efeitos económicos e sociais da crise pandémica. O entendimento alcançado, e que o plenário do PE deverá certamente ratificar, assegurou o pretendido reforço do financiamento de programas como o Erasmus (educação), o Horizonte (investigação) ou o EU4Health (saúde). Estas eram exigências do PE.

A outra notícia é da semana passada e foi brevemente referida no programa da Renascença “Visto de Bruxelas” na sexta-feira. Regresso ao assunto, pela sua importância. Trata-se do acordo preliminar alcançado pela presidência alemã da UE e o PE, sobre o regime de condicionalidade no cumprimento das normas do Estado de Direito.

A integração europeia, primeiro Comunidade Económica Europeia, depois União Europeia (UE), tem como regra essencial estar aberta à entrada, apenas, de países democráticos. Quando se deu o grande alargamento da UE aos países que tinham estado décadas submetidos ao comunismo soviético, foi preciso “democratizar” esses países

A pressão estratégica para avançar rapidamente com aquele alargamento era muito forte, por causa do receio de que Putin quisesse mostrar aos russos que o seu país ainda era uma grande potência, o que lhe poderia dar ideias de reocupar algum ex-satélite da União Soviética. A ocupação russa da Crimeia e a intervenção no Leste da Ucrânia estão bem presentes na cabeça dos europeus.

Aquela pressão explica que em vários países entrados nessa altura na UE (em 2004 e 2007) tenham persistido vícios com raízes na ditadura que era o comunismo soviético. É o caso, por exemplo, da Bulgária.

Mas os casos mais sérios acontecem na Hungria e na Polónia. Nesses países os governos interferem na justiça. E a liberdade de expressão é em grande parte reprimida. Por exemplo, Viktor Orban, primeiro-ministro húngaro, comprou, através de amigos ricos, a maior parte dos órgãos de comunicação social do país, calando vozes da oposição.

A UE já desencadeou processos de infração à Hungria e à Polónia por falta de respeito pelos valores democráticos europeus. O Conselho sente-se bloqueado para agir por causa das posições intransigentes da Hungria e da Polónia.

O compromisso da semana passada tenta ultrapassar esse obstáculo condicionando o envio de fundos europeus ao respeito pelo Estado de direito nos países que recebem essas ajudas. Ora a Hungria e a Polónia têm recebido muito dinheiro de Bruxelas, ao qual não querem renunciar.

Atento ao problema, o primeiro-ministro da Hungria, V. Orban, ameaçou vetar qualquer acordo que condicionasse a entrega de fundos ao respeito pelas regras do Estado de direito. E neste fim de semana, em carta dirigida a Charles Michel, Presidente da UE, V. Orban reiterou esta ameaça.

O sistema agora delineado prevê que as decisões sobre a condicionalidade do recebimento de fundos sejam tomadas, no Conselho, por maioria qualificada. Mas o primeiro-ministro da Hungria, e porventura também o da Polónia, podem vetar a aprovação do orçamento plurianual e a “bazuca”, que exige a unanimidade, para enfrentar os efeitos da crise pandémica, em retaliação à condicionalidade dos fundos. Ou seja, deram-se passos positivos, mas a crise não se encontra ultrapassada.

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus

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  • António J G Costa
    11 nov, 2020 Cacém 13:39
    A Democracia é um tipo de regime extremamente exigente, para com os cidadãos. O problema é que neste tipo de regime, ao votarmos podemos decidir entre a vida e a morte dos habitantes da Patagónia ou da Crimeia. Só que muitas pessoas votantes, não sabem sequer onde fica o Mediterrâneo, quanto mais a Patagónia ou a Criméia! Assim, são presas fáceis de demagogos e vigaristas bem falantes.