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Em Nome da Lei
O direito e as nossas vidas em debate. Um programa da jornalista Marina Pimentel para ouvir sábado às 12h.
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Em Nome da Lei - Liberdade Religiosa vs. Direito à Vida

Em Nome da Lei

Uma criança de 16 anos tem liberdade para escolher morrer?

16 out, 2021 • Marina Pimentel


O caso recente de um jovem de 16 anos que se recusa a receber uma transfusão de sangue, por ser testemunha de Jeová, é alvo de discussão no programa deste sábado do Em Nome da Lei.

O Tribunal da Relação de Lisboa admitiu num acórdão que um jovem de 16 anos, com leucemia, tem o direito a escolher entre a vida e a morte, se provar que toma a decisão de forma livre e consciente e que tem maturidade para compreender as consequências da decisão de não receber uma transfusão de sangue, que lhe é vital, por ser Testemunha de Jeová. É uma decisão polémica sobre a qual o programa da Renascença Em Nome da Lei ouviu especialistas.

A decisão da Relação de Lisboa apesar de inédita não surpreende o professor de Direito da Família Jorge Duarte Pinheiro porque ela tem acolhimento na escola de Direito de Coimbra. No entanto este professor da Universidade de Lisboa “não encontra base legal para a decisão tomada” pela instância a quem o jovem recorreu. Duarte Pinheiro defende que não há norma específica que possa conferir essa faculdade a um adolescente de 16 anos sobre uma questão de vida ou de morte. Trata-se de uma extrapolação a partir do 38 número 3 do artigo do Código Penal que, no entanto, tem um quadro de aplicação muito circunscrito”.

Na mesma linha, a procuradora jubilada e atual presidente do Instituto de Apoio à Criança, Dulce Rocha, diz que “reconhecer que um jovem de 16 anos tem direito a decidir sobre a vida ou a morte torna completamente incoerente o nosso sistema legal, uma vez que não é reconhecido ao menor de idade outros direitos bem menos importantes como o direito de voto”.

Também a enfermeira Carmen Garcia sublinha “a incoerência de um sistema jurídico que reconhece que um jovem de 16 anos tem o direito a condenar-se à morte, em nome da sua liberdade religiosa, quando não se lhe reconhece o direito de voto ou o direito a ter carta“. Conta que os responsáveis pelas Testemunhas de Jeová exercem uma enorme pressão sobre os seus membros que estão hospitalizados, para impedir que sejam convencidos pelos médicos e enfermeiros a receberem as transfusões de sangue que podem salvar-lhes a vida.

A enfermeira explica que "não há medicação alternativa à transfusão em muitos casos, ao contrário do que argumentam as Testemunhas de Jeová”. E por isso defende que alguém que opta por não aceitar o tratamento "não está a tomar uma decisão esclarecida" porque essa decisão é tomada com base em argumentos desmentidos pela ciência. São casos limite, diz, é a transfusão ou a morte. E recorda que a doente uma doente de 21 anos cujo caso seguiu acabou por morrer, porque se opôs sempre a que lhe fosse dada a transfusão.

A enfermeira contesta também que “possa falar-se de uma decisão esclarecida e consciente do doente, quando os anciãos das Testemunhas de Jeová exercem a pressão que exercem sobre os doentes. Acampam literalmente nos hospitais. E os doentes sabem que se aceitarem receber a transfusão são irradiados do seu culto, onde está todo o seu círculo familiar e de amigos”.

O presidente do Conselho de Ética da Ordem dos Médicos explica que ”é um caso que confronta dois princípios da ética médica: o princípio da beneficência que obriga o médico tratar o doente, de acordo com as melhores práticas, e o princípio da autonomia, que obriga o médico a respeitar a vontade do doente”. Manuel Silva Mendes lembra que “há uns anos as pessoas entregavam-se ao médico, era a época da medicina paternalista, nos últimos tempos a exigência do respeito pela vontade do doente tem ganhado terreno”.

A antiga procuradora do tribunal de menores Dulce Rocha defende que ”a liberdade religiosa não pode chegar ao ponto de determinar a morte de alguém. Nem o respeito pela autonomia da vontade pode também chegar aí”. Diz que ”o caso do jovem de 16 anos que recusa a transfusão de sangue que pode ser necessária para lhe salvar a vida veio provar que não há um entendimento nem doutrinário nem da jurisprudência. E por isso deveria haver uma intervenção do legislador para clarificar a lei, de forma a que ficasse muito claro para todos que a capacidade de exercício mais alargada que é reconhecida ao jovens com mais de 16 anos, não pode nunca implicar o direito a poderem escolher entre a vida e a morte”.

Cabe agora ao tribunal de menores decidir se o jovem de 16 anos tem de facto maturidade para compreender o alcance da sua decisão. E, se toma a decisão de não aceitar a transfusão que pode salvar-lhe a vida de forma livre e consciente. A enfermeira Carmen Garcia espera que o desfecho deste caso não seja o de reconhecer ao jovem o direito a morrer.

O professor da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Jorge Duarte Pinheiro, com um livro recentemente publicado sobre direito pediátrico, acredita que “o jovem acabará por fazer a transfusão de sangue porque uma avaliação psicológica não poderá nunca concluir que ele decidiu livre e conscientemente, numa questão como esta”.

São declarações ao programa de Informação da Renascença “Em Nome da Lei” que é emitido aos sábados ao meio dia e que este sábado debateu o caso de um jovem de 16 anos, doente com leucemia, que recusa uma transfusão de sangue, por ser Testemunha de Jeová. O Tribunal da Relação de Lisboa reconhece-lhe o direito a decidir, apesar de ser menor, se provar que tem maturidade e é livre e consciente.

Para este programa foi também convidado Pedro Candeias, ancião e ministro religioso das Testemunhas de Jeová, mas depois de confirmar a sua presenla declinou o convite em cima da hora.

Comentários
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  • William
    21 out, 2021 Lisboa 23:59
    Tanto erro num único artigo! Primeiro, alguém que está a 2 anos da idade adulta não é uma criança. Com 16 anos já sabe muito bem o que faz. Segundo, ninguém está a escolher a morte. O assunto em questão tem a ver com a escolha entre tratamentos disponíveis. Todos os tratamentos médicos têm riscos e benefícios. Cabe ao paciente informar-se e tomar uma decisão. No nosso país está disponível um documento chamado "Testamento Vital" através do qual toda a gente pode recusar transfusões de sangue. Se tal fosse um ato suicida, esse documento legal nunca teria sido aprovado. Portanto, este tipo de notícias, com todas estas distorções, apenas servem para perpetuar o preconceito contra esta minoria religiosa composta por pais, mães, avós, e muitos outros cidadãos que merecem respeito.
  • Rui Alberto
    19 out, 2021 Porto 13:09
    Sou ouvinte saltuário do programa "Em nome da lei". Usualmente, ouvir o programa é uma ocasião para pensar melhor e para aprender coisas que desconhecia. Mas neste programa fiquei imensamente desiludido. O tema justifica-se: o drama de um jovem que assume risco de vida, o conflito entre a consciência de um e a pressão de tantos, o choque jurídico... Mas que ouvi no programa? Nada. Resumiram-se a "bater no ceguinho" Nada acrescentaram ao conflito entre liberdade religiosa e/ou de consciência e protecção de menores. E, mais preocupante, caíram nas generalizações "nós-eles", os desumanos, os idiotas. Vários dos intervenientes reportaram casos sucedidos e daí, com enorme naturalidade, fazem considerações morais sobre um grupo. Triste. Ah... para que conste. Não acho que a recusa de transfusões tenha justificação moral nem religiosa. Mas custa-me ouvir numa rádio católica tanta falta de sentido crítico, tanto desprezo pela consciência individual e, no fundo, apelo à discriminação (neste caso na base de religião).
  • Antonio Madaleno
    17 out, 2021 Lisboa 18:38
    Convido todos a lerem o meu artigo de opinião sobre este assunto: https://observador.pt/opiniao/sangue-no-altar/
  • Tiago Rodrigues
    16 out, 2021 Belas 13:45
    Titulo e notícia tendenciosa... A criança (que não é uma criança porque tem 16 anos e por isso é um adolescente, que daqui a 2 anos atinge a maioridade) não escolheu morrer, nem é essa a escolha que aqui está em causa. Noutras notícias veiculadas pela comunicação social, a dita "criança" já nem se encontra no hospital porque entretanto teve alta. O que ela queria escolher era o tratamento que considerava mais adequado, direito esse consagrado na constituição Portuguesa e na declaração internacional dos direitos do homem. Se uma "criança" com 16 anos pode escolher mudar de sexo, então também pode escolher o seu tratamento.
  • Bruno
    16 out, 2021 aqui 13:22
    Não vou discutir o conteúdo do artigo visto que se trata de um tema muito complexo para ser escrito em 1500 caracteres. Quero apenas criticar a forma como se infantiliza os jovens, quando se chama um adolescente de 16 anos de "criança". Devem ser delegadas responsabilidades nos jovens para eles asquiram maturidade, caso contrário, ficam a viver na casa dos pais até aos 40 anos.
  • Antonio Fernandes
    16 out, 2021 ALVERCA DO RIBATEJO 12:35
    Ouvi o programa, como sempre bem moderado/conduzido. Não sabia que havia paranóias destas. Só falta aparecer uma (religião) SEITA em que decidir morrer quando quiser seja possível. Seitas dessas deviam ser banidas, ou deixem-nos à mercê dos seus líderes........ Vejam o entupimento da justiça e o tempo perdido nos hospitais...que caminho este...
  • Graça Teixeira
    16 out, 2021 Tomar 12:19
    Ouvi na íntegra o debate sobre a questão deontológica da decisão do menor sobre fazer ou não uma “transfusão de sangue, da qual depende a sua vida”. Sendo eu enfermeira e testemunha de Jeová, sinto-me “à vontade” para dar a minha opinião mais isenta e esclarecida do que aquelas que ouvi no debate, em vez de só “puxar a brasa à minha sardinha”, como lamentavelmente, pude constatar… não posso, obviamente, dar aqui um “curso bíblico”, nem é isso que pretendo, mas devo apenas corrigir duas coisas que ouvi: n.º 1: o sangue humano não tem substituto, apenas ALTERNATIVAS; n.º 2: o conceito de VIDA que a Bíblia nos transmite, mostra que a vida neste sistema é feita de sofrimento a todos os níveis, mas quem cumprir os requisitos divinos poderá aspirar a uma ressurreição, para uma vida paradisíaca, eterna e sem sofrimento! Consegue-se assim entender melhor as decisões aparentemente “aberrantes” que se tomam? Ainda como enfermeira, devo dizer que as transfusões de SANGUE não servem só para “salvar” vidas, mas tb podem “matar”, transmitir doenças para o resto da vida, causar danos renais, por vezes irreversíveis, choque anafilático e reacções anafiláticas graves, moderadas, entre outros. Como nenhum representante das Tj esteve presente no debate, o entrevistador, se desejasse mostrar isenção, deveria, pelo menos, documentar-se melhor sobre essas questões, talvez consultando o site www.já.org, onde não falta informação sobre os mais diversos assuntos. Saudações cordiais, Graça Teixeira
  • João
    16 out, 2021 Portalegre 12:08
    Relativamente ás transfusões das T. de Jeová, ela é permitida na BULGÁRIA de acordo com Requerimento n.º 28626/95 dos direitos humanos da União Europeia, ACTJ da Bulgária v. Bulgária, de 9/3/1995, Parte II, pág. 4 § 17: "Com respeito à posição das Testemunhas de Jeová em relação ao sangue.... os pacientes Testemunhas de Jeová que recorrerão sistematicamente a tratamentos médicos para si mesmos e para os seus filhos, o farão, usando de seu próprio livre arbítrio, sem nenhum controlo e sanção por parte da requerente (Testemunhas de Jeová)." A Watchtower afirma que deixa de existir qualquer sanção, contra qualquer Testemunha de Jeová, que aceite uma transfusão de sangue. A liderança das Testemunhas de Jeová considera "dissociado" o transfundido impenitente, ou "desassociado". As Testemunhas (cumpridoras ou não desassociadas) são obrigadas a evitar qualquer contato com o desassociado, não o cumprimentar. Mesmo que o indivíduo demonstre arrependimento, não poderá efetuar comentários numa reunião pública, participar na Escola do Ministério Teocrático e, se for um Pioneiro, Servo Ministerial, ou Ancião perderão os seus cargos. São todas estas "sanções" impostas aos que aceitam transfusões. Por favor investiguem. O problema é que as TJ penalizam gravemente os seres humanos congregados isolando-os do "mundo", logo depois de penalizados ficam sem qualquer relacionamento externo e interno. A criança sabe, se aceitar os pais são obrigados a expulsá-la do lar. Este é o problema!